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NATAL DOS SEM ABRIGO: um dia igual a qualquer outro

As duas metrópoles portuguesas estão repletas de pessoas sem uma casa onde viver. Basta passear pelas ruas para perceber esta realidade tão presente nos dias de hoje. As marcas são visíveis à distância: cartões junto às portas das estações de metro, mantas velhas e garrafas arrumadas a um qualquer canto abrigado, e até mesmo pessoas a descansar em bancos de jardim, a tentar recuperar as horas de sono que não conseguiram dormir na noite anterior.

Em Lisboa, quem passar junto à Estação de Metro do Terreiro do Paço não fica indiferente aos caixotes e mantas que ali se encontram. Pertencem a alguns sem-abrigo e são parte daquilo que lhes resta nos dias que correm.

O António nasceu em Vila Franca de Xira, mas já há dois anos que está em Lisboa – “Vim para aqui [terminal fluvial] porque não tenho onde dormir.” Dorme, há dois anos, naquele sítio, e, por isso, já vai conhecendo algumas caras das pessoas que todos os dias ali passam – “algumas [pessoas] são minhas amigas”.

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Os motivos que o levam a viver na rua são comuns aos de outras pessoas: “Estou aqui [na rua] porque não tenho ninguém. Não tenho mesmo ninguém. O meu pai morreu, a minha mãe morreu e a minha irmã morreu”.

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Quando perguntámos ao António qual o seu desejo para este Natal, esta foi a sua resposta.

Durante o dia, o António não trabalha, mas vai passeando pelas ruas da capital para espairecer e não estar sempre no mesmo local – “Durante o dia não faço nada. Ando aí a dar as minhas voltitas. Há uns dias melhores e outros piores.”

Ao longo do ano os sem-abrigo passam dias complicados, mas é na época natalícia que se sentem mais sós. O António diz que o Natal é “um dia mais difícil; o Natal ou o Ano Novo. É muito bonito, mas é muito complicado para mim”.

Na “casa” ao lado da do António, vive o José, que é natural de Lisboa e vive na rua há cerca de seis meses. “O Natal é uma época diferente. Não sei explicar o que significa para mim. Não vai ser muito difícil porque já estou acostumado a estar sozinho.”

O José é de poucas palavras, mas quanto ao seu desejo de Natal, sabe que quer “muitas coisas” – “quero muitas coisas. O que é que eu vou dizer?”.

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Este é o local onde o José vive há cerca de seis meses.

No Chiado, a Marta está sentada em cima de alguns cartões, é mais confortável e assim não suja as calças que tem vestidas. Quando começámos a falar com ela, respondeu logo que ia “falar diferente das outras pessoas”.

Esteve 14 anos em Moçambique, trabalhou em hospitais e em fábricas, e ajudou associações – “Estive lá doente durante muito tempo, e depois tive de voltar, porque estava muito fraca.” Voltou para Portugal há dois anos, mas é há pouco tempo que vive sob a ajuda de uma associação – “assaltaram-me a casa, fiquei sem nada… Deixaram-me lá no chão, estendida… Depois fui para o hospital e depois disso ficaram a cuidar de mim lá na associação missionária. Mas tenho de sair porque já estou lá há muito tempo”. Por agora, anda à procura de um novo sítio onde ficar.

A Marta tem família mas diz que não quer estar com ela – “não quero estar com eles, estou melhor assim.” “Venho para aqui todos os dias, trago umas coisinhas para vender, mas ninguém me compra nada, nem me dão uma moedinha.”

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Marta pede esmola no Chiado e tem sempre consigo algumas coisas para vender.

O Natal é, para a Marta, uma época igual às outras, que se passa da mesma forma – “Eu só queria que este mundo, onde há tantas guerras e ódios, se transformasse num mundo de paz, alegria, amor. Que esses conflitos todos parassem e que não morresse tanta gente inocente. Era esse o meu desejo de Natal.”

A quase trezentos quilómetros de distância encontramos as mesmas histórias.
As vozes de César Filipe e Arlindo, 41 e 49 anos, respetivamente, trazem duas das inúmeras histórias que podemos encontrar na cidade do Porto – e no resto do país. O primeiro, vindo da Covilhã, há um ano que vive na rua. O segundo – natural da cidade que o acolhe -, há dois.

IMAGEM ARLINDOCésar concedeu-nos esta entrevista:

IMAGEM CESARO Arlindo tem um desejo diferente:

Para estes nómadas, não são só os dias que se tornam iguais. Para além da pobreza que a mudança das estações não leva, também os desejos se prolongam para além da época natalícia. Paz “porque este mundo está em guerra”, é o desejo mais pedido para todos os dias. Pedem-no estes sem abrigo que não vivem em paz com o que não têm e pedem-no aqueles que parecem viver em paz com o que não lhes falta. Onde quer que vivam – ou tentem viver – as pessoas deixam de lado a ideia de que o Natal é um sinónimo de bens materiais para, no fundo, pedirem aquilo que nestes dias é tão difícil encontrar.

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