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Nobéis da ciência: descobrir o invisível

O mês de outubro arrancou, como já é tradição, com a divulgação dos nomes vencedores daquele que é considerado o mais prestigiado prémio nas áreas de física, química, medicina, economia, literatura e paz: o prémio Nobel.

Em 1867, Alfred Nobel sintetizou os materiais necessários para criar a primeira dinamite, patenteando-a logo de seguida. Continuou no ramo dos explosivos, mas expandiu o seu negócio para fábricas das mais variadíssimas categorias. Assim, de patente em patente foi construindo a sua fortuna, deixando-a como financiamento do projeto que carregaria o seu nome. Projeto esse com o intuito de galardoar pessoas e instituições que contribuíssem positivamente para o mundo, tal como desejado no seu testamento. Este ano, os prémios Nobel científicos foram partilhados por mais de uma pessoa, sendo o prémio monetário de um milhão de dólares, igualmente repartido entre os vencedores. Será mais uma ajuda à comunidade científica e às suas pesquisas.

Podem ser velozes, mas não escapam de uma foto

Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier foram os laureados este ano para o prémio Nobel da física por terem conseguido gerar pulsos de luz de attossegundos capazes de capturar o movimento de eletrões. Agora em português: muito resumidamente, conseguiram tirar uma “fotografia” a um eletrão em movimento.

Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier, respetivamente

Fonte: TheNobelPrize

Tomemos como exemplo um comboio que irá passar por nós em alta velocidade. Sabemos que o nosso amigo está na terceira carruagem, sentado à janela, e queremos tirar-lhe uma foto. Para estes casos teríamos de optar por uma velocidade de obturação grande, para que a câmara consiga captar esse preciso momento com clareza e nitidez. Quando descemos até ao mundo quântico, onde tudo é extremamente pequeno, estes desafios aumentam.

Legenda: Salto quântico de um eletrão dentro de um átimo.

Dentro de um átomo é comum que os eletrões, pequenas partículas que rodeiam em torno do núcleo desta unidade básica da matéria, se movimentem de um lado para o outro naquilo a que se atribui o nome de “saltos quânticos”. Durante muito tempo, acreditou-se que este fenómeno poderia até ser instantâneo, algo que Schrödinger, o famoso físico do paradoxo do gato vivo ou morto e um dos pais da física quântica, negou desde o início. Acontece que Schrödinger estava correto e, de facto, estes saltos não são instantâneos, apenas ocorrem a velocidades exageradamente altas.

Até há pouco tempo, acreditava-se que o limite de velocidade de pulsos de luz produzidos nestes átomos se dava na ordem dos femtossegundos, uma unidade de tempo um quadrilião de vezes mais pequena que um segundo. Considerando que há 1000 attossegundos em um femtossegundo, conseguimos concluir que há zeros a mais e que o número é ridiculamente pequeno. Estes pulsos de attosegundos podem ser usados para empurrar moléculas, que acabam por produzir um sinal característico identificador da mesma, o que poderia ajudar em diagnósticos médicos, abrindo também um novo caminho na física do invisível.

Apesar de invisíveis, ainda podem dar cor 

Alexey Ekimov, Louis Brus e Moungi Bawendi foram os escolhidos para levar consigo o prémio Nobel da química de 2023, uma menção honrosa ao seu trabalho envolvendo a descoberta e desenvolvimento dos pontos quânticos.

Legenda: Moungi Bawendi, Louis Brus e Alexey Ekimov, respetivamente.

Fonte: TheNobelPrize

 Em química, umas das primeiras coisas que se aprende assim que se dá de caras com a tabela periódica é que cada elemento tem características únicas, porque todos apresentam um número diferente de eletrões.  No entanto, há átomos que partilham algumas similaridades, por isso, agrupamo-los em secções, algo que dá à tabela a sua forma atípica em relação a todas as outras tabelas retangulares e monótonas. Mas quando entramos neste mundo nanométrico, é também o tamanho das partículas que determina o comportamento do átomo.

Foi na década de 80 que Alexey Ekimov, físico russo, enquanto trabalhava com vidros coloridos, reparou que o tamanho das partículas de cloreto de cobre influenciava o tom do vidro, tornando-o mais ou menos azulado. Já nos anos 90, num ensaio independente, Louis Brus, físico e químico estadunidense, trabalhava numa solução de sulfeto de cádmio quando percebeu que, com o tempo, a solução mudava de cor. Ele associou este evento à conglomeração das partículas.

Finalmente, anos mais tarde, Moungi Bawendi, aluno de Brus, conseguiu controlar o fenómeno. Pegou numa solução concentrada do material que queria obter e foi adicionando lentamente um solvente mais frio, criando uma precipitação controlada que gerava cristais com perfeição.

Legenda: Influência do tamanho de nanocristais quânticos na cor.

Ao conseguirmos manipular estes nanocristais com tamanhos específicos, que emitem e absorvem energia numa faixa concreta, podemos criar pontos quânticos na ordem do vermelho, verde e azul – o famoso RGB, já tão presente nas nossas televisões Q-Led e monitores de computador. Num futuro próximo, com o avanço da tecnologia, pode ser que este fenómeno nos ajude a criar eletrónicos mais pequenos e flexíveis.

Novas vacinas, novos recordes 

Katalin Karikó e Drew Weissman foram os vencedores do prémio Nobel da medicina por terem criado a tecnologia que encaminhou a descoberta da vacina contra a COVID-19, desbloqueando um novo caminho na  medicina moderna.

Legenda: Katalin Karikó e Drew Weissman.

Fonte: TheNobelPrize

Durante muito tempo, as vacinas baseadas em vírus mortos ou enfraquecidos predominaram contra doenças como o sarampo e a febre amarela. À medida que o mundo evoluiu e a biologia molecular ganhou força, as vacinas à base de componentes individuais do vírus tornaram-se a nova moda, podemos até dizer que se tornaram “virais”, se me permitem o trocadilho. Estas podiam codificar alguma proteína da superfície do agente patológico, o que estimula a formação de anticorpos que o consigam combater. Nestes casos, é necessário que haja uma cultura celular enorme, um processo que limite em muito a rapidez da produção das vacinas.

A busca por uma solução mais eficiente e veloz era urgente e Katalin e Dew parecem tê-la encontrado, após 30 anos de pesquisa: uma vacina de mRNA. Os estudos começaram depois de ambos os cientistas terem interesse em estudar células dendríticas, que servem como “polícias” do sistema imunológico, focadas em capturar microorganismos invasores e “denunciá-los” aos linfócitos T, células de defesa, que ditam o destino mortal do réu viral. Descobriram então que estas células reconhecem o mRNA como uma substância fora do comum, o que leva à sua ativação e posterior liberação de moléculas sinalizadoras do vírus, acabando por ter também a mesma função das vacinas à base de componentes destes agentes infecciosos. No caso do COVID-19, a proteína codificada seria a Spike.

Ao contrário das outras vacinas, a flexibilidade e velocidade de produção destas é, comparativamente, altíssima, possibilitando uma fabricação de um contra ataque viral em tempo recorde, assim como aconteceu na última pandemia. Esta nova tecnologia traz ainda novas esperanças para o tratamento de alguns tipos de cancro.

Legenda: 3 tipos de vacinas.

Este ano, os prémios Nobel  científicos debruçaram-se sobre o mundo do pequeno, para além da observação a olho nu, certas vezes até além da lente de um microscópio. Se me permitem a metáfora – há que entender cada peça de Lego e onde encaixá-la para assim se poder construir o projeto inteiro. Seria bom que no mundo real também tivéssemos um manual de auxílio, mas quem sabe, no futuro, não o acabaremos de escrever para as gerações futuras.

Fonte da capa: CNN Brasil

Artigo revisto por Matilde Gil

AUTORIA

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Seria clichê dizer que eu era uma criança irrequieta. Seria clichê e errado, porque nunca fui. O pequeno Bruno gostava de estar no seu canto, sossegado, a descobrir o máximo de coisas possível e a aplicar as aprendizagens para criar o que lhe apetecesse. Hoje em dia, a única coisa que mudou foi a minha altura. Sempre fui um ávido do conhecimento e sempre o espalhei com prazer. Talvez tenha sido por isto que segui Jornalismo e não as outras mil opções que tinha em mente, porque condensa tudo o que mais amo.