Opinião

Os Anjos de Charlie

Caro muçulmano pacífico, em primeiro lugar, devo-te um pedido de desculpas por só agora te estar a escrever. Juro que pensei em ti várias vezes ao longo dos últimos dias, mas eu queria que a poeira baixasse um pouco antes de me pronunciar. Já sabes como eu sou. Só gosto de falar no fim para não me precipitar. Sei que tu, tal como a esmagadora maioria das pessoas que se tem manifestado pelas redes sociais fora, condenas o atentado de Paris. Tal como condenaste o 11 de Setembro, o 11 de Março e tantos outros atentados perpetrados por pessoas que diziam ter a tua religião.

Calculo que tenham sido dias difíceis para ti. Já não bastava estares tão consternado quanto a generalidade das pessoas e ainda tiveste que ler coisas bem difíceis. Queria dizer-te que, da mesma forma que condeno os atentados, condeno todos esses comentários à tua religião. Não consigo condenar uma religião pela morte de alguém, uma vez que nunca vi nenhuma religião matar. Já vi, isso sim, várias pessoas a matar sob diversos pretextos. Pessoas com as mais diferentes crenças. O pretexto da matança de inocentes, como bem sabes, a mim pouco me importa.

Já te disse noutras ocasiões que o ódio gera mais ódio e que as pessoas não sabem muito bem o que é liberdade de expressão – acham que é poder dizer-se tudo aquilo que se quer. Pedia-te, ainda assim, que não guardasses mágoa de todos aqueles que defendem a liberdade condenando a tua religião. Embora não matem como fizeram aquelas pessoas em Paris, o que está em causa é o mesmo: a intolerância perante o outro. Eu gosto de viver num mundo livre e tu tens lugar nele. Não é justo que aqueles que vociferam por liberdade te enviem para a fogueira só porque, por acaso, partilhas uma característica com pessoas que, ao contrário de ti, não defendem a paz.

Peço desculpa por te estar a escrever este texto em pleno ano de 2015. Afinal de contas, estas coisas já foram repetidas vezes sem conta, mas, infelizmente, continuam a acontecer. Gostava de que fosse a última vez que morressem inocentes e que inocentes fossem responsabilizados por isso mesmo. Do mesmo modo que espero que não sintas medo daqueles que te censuram, porque tu és mais Charlie do que todos eles. Mantém-te no teu caminho de paz e terás dado o teu contributo para um Mundo melhor, meu bom muçulmano.
Um abraço.

CRÓNICA - Os Anjos de Charlie - Francisco Mendes

AUTORIA

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O Francisco Mendes é licenciado em Jornalismo e pauta a sua vida por duas grandes paixões: Benfica e corridas de touros. Encontra o seu lado mais sensível na escrita de poesia, embora se assuma como um amante da ironia e do sarcasmo. Aos 22 anos é um alentejano feliz por viver em Lisboa.