Cinema e Televisão

“Scenes From a Marriage” – Uma Reflexão Contemporânea

Scenes From a Marriage (2021) é uma minissérie de drama, escrita por Hagai Levi e produzida pela HBO. A série é um remake de um trabalho anteriormente desenvolvido por Ingmar Bergman, uma minissérie sueca de 1973 com o mesmo título da adaptação, lançada durante o recente período pandémico.

Como protagonistas, a minissérie conta com a performance brilhante da atriz Jessica Chastain, que dá vida à personagem Mira Phillips, e do ator Oscar Isaac, que interpreta Jonathan Levy. Os dois atores possuem uma vasta carreira no ramo da representação e as suas performances são imensamente aclamadas pela crítica, independentemente dos papéis que se proponham a representar.

Na minissérie da HBO, Mira e Jonathan são um casal na casa dos quarenta anos que aparentemente possuem uma relação bastante comum e feliz. O par deixa-nos a saber logo no primeiro episódio que se conheceram na universidade, namoraram por dois anos e que mantêm um casamento de uma década até ao momento presente, no qual a série começa a desenrolar o seu plot. Nos momentos iniciais do primeiro episódio ficamos também a saber que Jonathan é professor de filosofia numa universidade de Great Boston, enquanto Mira é vice-presidente de uma empresa multinacional que opera no campo da tecnologia.

Por ter um cargo de elevada importância na empresa onde trabalha, Mira é obrigada a fazer viagens para fora do país com uma frequência considerável e, por isso, Jonathan é quem cuida predominantemente da filha de ambos, Ava. É esta exata razão que levanta um dos primeiros paradigmas abordados ao longo dos cinco episódios da minissérie.

Infelizmente, para alguns homens os rendimentos e o status ainda são elementos de extrema importância, e é fundamental que essas duas características se mantenham superiores em si mesmos, quando comparados às suas parceiras, independentemente da situação. É por isso que a competição dentro de muitos relacionamentos amorosos se mantém acesa, e a longo prazo acaba por deteriorá-los.

Em 2020 descobriu-se que 54% das mulheres eram as responsáveis por sustentar as suas famílias e considera-se que as mulheres da geração atual estão preparadas para se tornarem a fonte primária de rendimento dentro de casa (Capsule, 2023). Contudo, a lacuna de representação feminina em tal cenário dificulta e atrasa o processo.

Reconhece-se, a partir de estudos realizados, que as mulheres que têm rendimentos mais elevados do que os seus parceiros são, frequentemente, retratadas através de uma má imagem. Estudos também revelaram que grande parte das pessoas acredita que é crucial que um homem sustente financeiramente a sua família para ser considerado um bom parceiro.

Por todas estas razões, as mulheres estão constantemente a minimizar as suas ambições ou a mentir sobre o valor dos seus salários, para que possíveis constrangimentos dentro dos seus relacionamentos sejam evitados.

É imprescindível que o modo de pensar retrógrado apresentado anteriormente deixe de marcar presença na nossa sociedade atual. Permitir que as mulheres explorem o seu completo potencial não é nada mais nada menos que equitativo e isento de culpa ou ofensa.

Fonte: Le Monde

Outro dos temas que é abordado em Scenes From a Marriage, embora de forma singela e não protagonizado pelas personagens principais, são os relacionamentos abertos modernos.

No episódio de abertura da minissérie, um casal de amigos de Mira e Jonathan surge para trazer à tona o tema dos relacionamentos poliamorosos. Kate e Peter parecem ter um casamento de sucesso dentro dos parâmetros que ambos acordaram levar para a sua relação, porém tudo muda, de repente, quando Kate admite ter-se apaixonado por Nathan, o seu ex-namorado, com quem manteve uma ligação amorosa em simultâneo com o seu atual casamento.

Peter atrai a simpatia dos espectadores pelo facto de se mostrar bastante abalado com a situação e por não parecer conseguir conversar abertamente sobre os sentimentos feridos da esposa. Contudo, é mais tarde revelado que foi Peter quem sugeriu, inicialmente, a opção de abrirem o casamento, como forma de desculpar e legitimar o facto de ter traído Kate, antes de terem definido aquele acordo mútuo.

Fonte: New York Post

O aborto é também um tópico amplamente discutido ao longo da minissérie, a partir do instante em que Mira descobre estar grávida novamente.

Ao debater o acontecimento com Jonathan, os dois discutem atentamente as opções que têm em frente e as consequências de cada uma delas. A opinião de cada acaba por remeter para a visão do outro, isto é, ambos  colocam o outro em primeiro lugar e pensam no que este irá sentir caso acabem por decidir ou não manter aquela criança. Ao fim e ao cabo, parece que a estabilidade do casamento de ambos se firma com base na forma como o casal dá prioridade aos sentimentos do outro, e não aos próprios.

Entretanto, os dois acabam por decidir prosseguir com o aborto e, só no momento em que a cena nos mostra o casal já dentro do consultório médico, é nos revelado o facto de que Jonathan está nitidamente contra aquela decisão e que só havia decidido tomá-la por querer oferecer suporte à escolha da esposa.

Mais tarde na série, Jonathan “aponta o dedo” a Mira, ao acusá-la de ser o motivo pelo qual ele se tem sentido várias vezes anulado ao longo do relacionamento de ambos.

A indiscrição no casamento de Mira e Jonathan também se torna rapidamente um dos pontos centrais dos cinco episódios da minissérie.

Ao contrário daquilo que é retratado em muitos filmes e séries, desta vez não é o homem que se envolve num caso extraconjugal. Numa determinada noite, a personagem de Jessica Chastain chega a casa para informar, abruptamente, o marido de que irá ausentar-se numa viagem de negócios de três meses, com o colega de trabalho com quem tem mantido um affair.

Independentemente de quem se atribua como sendo o verdadeiro culpado da situação (porque neste ponto as opiniões divergem bastante), é interessante ver como muitas das críticas que surgem vindas do público revelam que a situação se torna muito pior devido ao facto de ter sido uma mulher, e não um homem, a cometer uma traição.

Fonte: The Harvard Crimson

As pessoas ainda acham difícil perdoar o egoísmo, a impulsividade e o adultério quando estes partem de mulheres. Algumas “falhas”, sobretudo as de cariz sexual, são unicamente esperadas vindas de homens. Pode dizer-se que são tão familiares que se tornam clichês, e ninguém se sente chocado quando se depara com elas.

Trazer temas tão polémicos e ainda frequentemente escondidos dos olhos do público é muito importante, sobretudo para que tais pautas possam ser alvo de debate e possam posteriormente ser melhor compreendidas socialmente.

Scenes From a Marriage abordou de forma cirúrgica muitas nuances da vida a dois e mostrou-nos que os tempos mudaram, mas que ainda existe um longo caminho a percorrer para que a individualidade de cada um não se anule em prol de relacionamentos ou expectativas e pressões sociais.

Fonte da capa: YouTube

Artigo revisto por Leonor Pereira

AUTORIA

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A Carolina tem dezenove anos e está atualmente a tirar uma licenciatura em Relações Públicas e Comunicação Empresarial – uma das suas grandes paixões. Outra das suas paixões é a escrita, a sua forma de arte preferida. Desde os doze anos escreve sobretudo ficção, mas gosta de explorar diversos géneros que a permitam “brincar” com as palavras. Partilhar aquilo que escreve sempre foi um grande desafio, mas ao decidir construir uma carreira na área da comunicação, decidiu que a timidez não podia continuar a representar uma barreira no seu caminho. Os seus tempos livres são ocupados com leitura e nada a cativa mais do que a literatura clássica, em especial os romances de Jane Austen e das irmãs Brontë. Ao escrever para a ESCS Magazine, a Carolina sente que tem a liberdade de unir a sua paixão pela escrita com a sua admiração pelo cinema.