Cinema e Televisão

Serpico (1974): o preço dos valores

Na nossa sociedade quando nos deparamos com um crime ou uma violação à lei apresentamos queixa à polícia. É esta a noção que nos é incutida desde cedo e vai ao encontro da máxima que rege as unidades de polícia um pouco por todo o mundo: proteger e servir.
Mas o que fazer quando é a própria polícia – aqueles que era suposto serem incorruptíveis – que pratica de forma repetida atos ilícitos?
É esta dúvida que o filme acerca do qual escrevo este mês levanta. Realizado por Sidney Lumet e contando com Al Pacino como protagonista, Serpico conta-nos a história verídica de um agente da polícia de Nova Iorque que vê o seu sonho de chegar às forças de segurança arruinado pelo ambiente de corrupção que se vive na cidade na década de 70.
Frank Serpico (interpretado por Al Pacino) é um recém-formado polícia que tenta a todo o custo fazer a sua carreira evoluir, aspirando a tornar-se detetive. Para tal adota uma postura marcada pelo profissionalismo e que o leva a cumprir escrupulosamente todas as regras presentes nos “livros”: faz horas extra, desloca-se a ocorrências que não eram na sua área de jurisdição, recusa-se a tomar parte em interrogatórios violentos e aceita, inclusive, trabalhar à paisana.
Assim, à medida que a história se vai desenrolando, vamos vendo a progressão do jovem Serpico, um homem de várias caras, que encarna inúmeras personagens para pôr atrás das grades imensos criminosos, que passa de agente de rua a perito em análises a impressões digitais. No entanto há algo que vai assombrando este realizar do sonho de ser polícia: o facto de os seus colegas aceitarem subornos e, pior ainda, o incentivarem a fazer o mesmo.
Movido por um forte sentido de dever e por valores que falam mais alto do que a vontade de ser aceite ou ter mais dinheiro, Serpico vai-se cada vez mais isolando dentro das diversas esquadras em que trabalha e passa a ser visto como um “alvo” por aqueles com quem em tempos sonhara trabalhar. Ao mesmo tempo todas as suas tentativas de denunciar a corrupção que vai corroendo o trabalho policial na conturbada Nova Iorque dos anos 70 vão esbarrando nos seus superiores, que por também tirarem dividendos destas atividades ilícitas “fechavam os olhos” e nada faziam para alterar a situação.
Por fim, Serpico vê finalmente os seus esforços serem recompensados na forma de uma investigação oficial, mas por essa altura o preço a pagar era já demasiado elevado e os resultados diminutos quando se tem em conta toda a dimensão da operação de subornos.
Extraordinariamente interpretado por Al Pacino, que neste filme adota uma postura um pouco menos autoritária do que é habitual nos seus papéis, Serpico foi não só um sucesso junto da crítica (tendo valido a nomeação para o Óscar de melhor ator a Al Pacino e o Globo de Ouro na mesma categoria, entre outros prémios e nomeações), mas também de ter sido um sucesso de bilheteira.
Sendo uma história verídica o filme torna-se, para mim, ainda mais impressionante, pois deixa o espetador a pensar sobre o que faria no papel de Frank Serpico: deixava-se levar pela corrente ou fazia frente à corrupção como fez este corajoso polícia?
A resposta a estas perguntas só pode ser encontrada dentro de cada pessoa de acordo com os seus valores e a sua moral e após o visionamento (que desde já recomendo) deste fantástico exemplo do cinema neo-noir norte-americano da década de 70 que ajudou a engrandecer o nome de Al Pacino.