Grande Entrevista e Reportagem

 “Viver um dia de cada vez para ultrapassar os desafios”

João Rodrigues é o atleta português com mais presenças em Jogos Olímpicos. Reconhecido durante a sua carreira como um dos melhores velejadores do mundo, o madeirense, de 51 anos, tem um modo muito próprio de encarar o dia-a-dia. Continua apaixonado pelo mar e é atualmente Diretor Regional de Juventude na Madeira. Lançou recentemente um livro intitulado “OITO – Os Jogos Olímpicos por dentro”  sobre a sua participação nos Jogos Olímpicos, a última das quais tendo sido em Tóquio, em 2021, já como Adido Olímpico integrado na Missão Portuguesa.

Como atleta, participou em  sete Olimpíadas: Barcelona (1992), Atlanta (1996), Sydney (2000), Atenas (2004), Pequim (2008), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016). Percorreu o mundo a velejar: as experiências de vida fazem de João Rodrigues um excelente conversador, mas também escritor, já que esse é outro dos talentos do velejador madeirense, que continua a participar em competições de forma regular. Também é treinador e tem um contato próximo com os jovens. Agora ainda mais, até pelo cargo público que ocupa. 

Nesta entrevista à ESCS Magazine conta pormenores do seu percurso de vida, deixa mensagens interessantes e lembra a importância de lutar sempre pelos sonhos. 

É o atleta português com mais presenças nos Jogos Olímpicos. Atualmente é Diretor Regional de Juventude na Madeira. Sente que este percurso de vida serve de inspiração para os mais jovens? 

Gosto de pensar que sim, que eventualmente o meu percurso possa, de alguma forma, inspirar outros tantos a acreditarem que é possível ter uma vida com significado. Uma vida que, desde cedo, teve o mar como pano de fundo, que se desenvolveu no âmbito de uma paixão, que evoluiu para um projeto desportivo, resultando num certo estilo de vida baseado em determinados princípios. 

Não foi seguramente, ao contrário do que tantas vezes ouvi, uma vida de sacrifícios. Foi antes de escolhas. Algumas delas reconheço agora, alicerçadas numa inocência inata em relação à exequibilidade das mesmas, como se não houvesse impossíveis, mas apenas uma enorme vontade de abraçar desafios sem olhar às eventuais consequências. O tempo veio provar que quando se acredita a probabilidade de sucesso aumenta exponencialmente e no final, quem sabe, até a magia acontece. 

Conseguiu conciliar o alto rendimento com os estudos. Como foi esse processo? 

Quando adolescente, os meus pais incutiram em nós – somos 4 irmãos – esta liberdade, mas também a responsabilidade de gerirmos o nosso percurso académico e os tempos livres, desde que tivéssemos rendimento escolar, que eventualmente nos proporcionasse a entrada no ensino superior e, quem sabe, a conclusão de uma licenciatura. Em momento algum tentaram condicionar as nossas escolhas, fosse no desporto ou na hora de escolher um determinado curso ou universidade. 

Assim, desde tenra idade, quando já estava perfeitamente cimentada aquela paixão pelo m, aprendi a gerir o meu tempo de modo a rentabilizá-lo. Mais tarde, já na universidade, descobri, para meu espanto e assombro, que o curso de engenharia podia efetivamente ajudar-me no plano desportivo e vice-versa. Tal permitiu-me viver alguns dos anos mais marcantes da minha vida, onde, tal como referi anteriormente, a magia aconteceu. 

Fotografia cedida pelo entrevistado

Já lá vão 30 anos desde a primeira presença nas Olimpíadas, em Barcelona. Ainda arrepia pensar nesse momento? 

Reconheço que tenho um carinho especial pelos Jogos Olímpicos de Barcelona, porque foram os primeiros, mas, acima de tudo, porque moldaram para sempre a minha forma de ver e de viver o desporto nas suas múltiplas dimensões. Aquela participação foi a mola impulsionadora para um extraordinário período de descoberta do potencial que o ser humano tem. Do ponto de vista físico, mental e mesmo espiritual. Não o meu potencial em particular, mas o de qualquer ser humano. 

Assim, aquele sonho de uma criança de nove anos que conseguiu velejar pela primeira vez em cima do imenso azul, movido por algo que não se vê, mas que se sente, e visionou que quereria fazê-lo um dia na perfeição, materializou-se quase duas décadas depois. E foram os Jogos Olímpicos o catalisador para que tal ocorresse uma e outra vez.

Fotografia cedida pelo entrevistado

Em 2016, no Rio de Janeiro, foi porta-estandarte da delegação portuguesa nos Jogos Olímpicos. Qual foi a sensação de entrar no estádio com essa missão? 

Diria que se fosse para escolher um momento que pudesse resumir toda a minha carreira desportiva, seria essa entrada no Estádio do Maracanã, levando a nossa bandeira, representando uma equipa, uma ilha, um país. Não foram mais que trinta segundos, mas neles, estavam três décadas de uma vida plena de significado. 

Fotografia cedida pelo entrevistado

Qual foi o momento mais importante nos Jogos Olímpicos a nível pessoal? 

Essa é uma pergunta impossível. Porque não haveria caracteres suficientes para descrever todos os momentos mais importantes, já que foram tantos. Posso, no entanto, descrever o último. Foi quando terminei a derradeira regata dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a 12 de Agosto de 2016. 

Foi um dia absolutamente extenuante. Muito calor e humidade, sol inclemente, vento fraco. Terminava num tal estado de exaustão física e emocional, que já nem sentia dor ou cansaço. Era algo diferente, novo, inédito. 

Quando velejava bem lá de fora em direção à boca da baía de Guanabara, o sol já ameaçava desaparecer atrás do Pão de Açúcar. Era um fim de tarde lindo, sem nuvens, com o mar como que a despedir-se de nós, brilhando em milhares de pontinhos criados pelo mar encrespado. E foi então que me dei conta que acabara ali aquela história. Não havia um capítulo seguinte, tal como acontecera nos 35 anos anteriores. À minha frente, os meus olhos viam um espetáculo idílico. A minha mente contemplava o vazio. 

Fotografia cedida pelo entrevistado

Atualmente é Diretor Regional de Juventude. Quais são os grandes desafios dos jovens neste momento, sobretudo na transição entre os estudos e o mercado de trabalho?

Estima-se que a percentagem da população portuguesa compreendida entre os 15 e os 29 anos ronde os 16%. A Madeira segue esta métrica, que corresponderá àquele período da vida caracterizado pela transição da dependência da infância para a independência da vida adulta. São muitos os fatores que contribuem para o sucesso deste ganho de autonomia dos jovens, desde logo, o acesso à educação e à aprendizagem ao longo da vida, ao trabalho e emprego, à habitação, a serviços públicos de qualidade e ao empreendedorismo jovem. Por outro lado, importa promover a cidadania ativa e a participação cívica dos jovens, bem como a adoção de estilos de vida saudáveis e o acesso à cultura. 

Mais do que problemas, a juventude enfrenta desafios contemporâneos, tal como gerações anteriores tiveram os seus próprios desafios dos seus tempos. No entanto, hoje em dia, existem respostas concretas e efetivas para estes desafios, muito fruto da própria participação dos jovens na construção da sociedade, abandonando assim o lema de que os jovens são o futuro, quando podem e devem ser o presente.

Fotografia cedida pelo entrevistado

Além do cargo que ocupa, continua a ter um dia-a-dia repleto de outras atividades. Conte um pouco dessas experiências. 

Estas montanhas, estes mares, moldaram-nos a nós, madeirenses. Séculos de convivência com uma natureza desafiadora, mas, ao mesmo tempo, arrebatadora. Gerações de mulheres e homens que moldaram a paisagem, mas que esta também os  modificou. Um denominador comum. Um amor inexplicável por estas ilhas, as mais belas. 

Assim, sempre que tenho disponibilidade, continuo a ir ao mar ou à montanha com a mesma paixão e alegria. E estas ilhas, Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens, com todas as suas particularidades únicas, continuam a fascinar-me e a surpreender-me. Que sorte e que privilégio poder viver aqui.

Tem um lema de vida?

Quando fiz a travessia em Windsurf da Madeira para as Selvagens, ainda nem um terço do trajeto tínhamos feito, e inesperadas dificuldades fizeram-nos, a mim e à equipa que me acompanhava, vacilar. Iríamos conseguir? Então alguém disse: “João, faz só mais dez milhas!” Faltavam 100 ainda. Seria capaz? Mas não, dez milhas revelou ser demasiado para aquilo que enfrentávamos. Talvez só mais uma milha? Também não, até isso parecia inalcançável. E se fosse só mais uma onda? Isso já era capaz. E assim fiz. Mais uma onda. E depois outra, e mais uma ainda, e outra de novo… e desta feita, fomos capazes de chegar àquelas ilhas mais a sul. 

Às vezes desistimos de viver, esmagados pela dimensão dos problemas que enfrentamos, mas se vivermos um dia de cada vez, focados no momento, eventualmente acabamos por ultrapassar todos os desafios…

Fonte da capa: cedida pelo entrevistado

Artigo revisto por Beatriz Morgado

AUTORIA

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Costuma dizer que aprendeu a ler com os jornais desportivos. É apaixonado por Desporto desde que se lembra de ser gente. Tentou ser jogador de futebol e basquetebol, mas faltou talento. Apenas sobrou vontade. Ainda procurou seguir a carreira de treinador, só que aí já tinha outra paixão: o jornalismo desportivo. Adora História. Basta dizer que é colecionador de cadernetas, jornais e revistas antigas.