Editorias, Opinião

Como utilizar e odiar o Novo Acordo Ortográfico

Primeiro passo – Aprenda durante a sua vida escolar inteira como se deve escrever. Saiba o lugar dos c’s e dos p’s que não se leem e coloque adequadamente os acentos e sinais ortográficos nas palavras a que pertencem.

Sinta-se bem por saber escrever corretamente, respeitando a complexidade e a beleza da Língua Portuguesa, e por conseguir ler com fluência sem temer a confusão entre um pára e um para.

Segundo passo – Veja irremediavelmente um Novo Acordo Ortográfico ser implementado. Sofra ao aperceber-se de que o seu programa Word, os livros que acabou de comprar, os programas televisivos a que assiste e os documentos oficiais que assina foram dominados pela nova forma ortográfica.

Perca a segurança na leitura e deixe de perceber à primeira o significado de alguns enunciados. Fique sempre na dúvida sobre se o famoso cântico do glorioso significa que ninguém pára o clube encarnado ou se quer dizer que não há adeptos para assistir ao jogo dos vermelhos e brancos. Em adição, confunda para o resto da sua vida a contração pelo com o pêlo do seu animal de estimação.

Terceiro passo – Irrite-se um pouco com a nova ortografia e com a sua crescente influência.

Ignore os avisos de uso obrigatório. Tente resistir à ditadura do Novo Acordo Ortográfico continuando a optar por escrever utilizando o Antigo Acordo.

Quarto passo – Irrite-se um pouco mais com a nova forma escrita ao perceber que os seus documentos Word estão repletos de sublinhados a vermelho.

Aguente os vermelhos nos seus ficheiros e tenha paciência e força de vontade para revê-los cuidadosamente de modo a descobrir o que é de facto um erro ou uma gralha e o que está assinalado apenas por pertencer à antiga grafia.

Quinto passo – Ceda à pressão da obrigatoriedade do Novo Acordo Ortográfico nalgumas áreas da sua vida. Continue, no entanto, a resistir-lhe no que diz respeito aos setores mais privados, insistindo em redigir os seus documentos recorrendo ao Antigo Acordo.

Sexto passo – Deixe de ter paciência para lutar contra o corretor do seu computador, que passou a corrigir-lhe automaticamente algumas palavras da antiga grafia para a nova grafia. Ceda totalmente à pressão da obrigatoriedade do Novo Acordo.

Finja que esqueceu tudo aquilo que aprendeu ser correto ao longo de vários anos. Deixe de colocar nas palavras os c’s e os p’s que não se leem e também alguns acentos. Faça de conta que não lhe incomoda a confusão entre o para e o pára e entre o pelo e o pêlo.

Odeie-se a si próprio por ceder à nova ortografia e odeie totalmente o Novo Acordo por estar a obrigá-lo a fazê-lo.

Este artigo foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico. Mas a partir deste artigo a Joana Costa passa a escrever ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.