Grande Entrevista e Reportagem

A GirlUp ISCAL traz ao IPL a luta feminista

Feminismo: com certeza, todos já ouviram falar deste termo, mas persistem ainda muitas questões. Afinal, o que é? Para que serve? Porque é que ainda se luta pelos direitos das mulheres se elas já podem fazer tudo o que os homens fazem? Na verdade, esta é uma luta que atravessa gerações e progride à medida que a sociedade evolui, pois a total igualdade de género ainda não foi alcançada, em pleno século XXI.

É para levar a cabo estas batalhas que surgiu a GirlUp ISCAL, uma filial da GirlUp Mundial, que faz parte da ONU. Em entrevista à ESCS Magazine, Carolina Ataíde, estudante do ISCAL e Presidente da GirlUp ISCAL, falou-nos um pouco do seu percurso na área da justiça social e do trabalho que esta organização desenvolve.

Uma breve pesquisa à página do Instagram da organização (@girlup.iscal) leva-nos até à definição de “Feminismo”:

Movimento social e político que promove a igualdade de direitos e oportunidades independentemente do género.

Infelizmente, este termo não é usado há tantos anos como deveria ser. Desde os primórdios da vida humana que se tem vindo a construir um papel da mulher como inferior ao do homem na sociedade, como se estivesse destinada a estar na cozinha e a fazer as tarefas domésticas. O início da luta feminina culminou com a Revolução Francesa (1787-1799), época em que Olympe de Gouges, ativista francesa, escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Neste panfleto, de clara provocação à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ela incitava as mulheres à mudança e defendia a plena igualdade de inserção na vida social e política. Como seria de esperar, esta declaração foi rejeitada.

Olympe de Gouges. Fonte: Wikipédia

Nos dias de hoje, são cada vez mais as ações que se têm vindo a realizar no sentido de haver uma maior igualdade entre homens e mulheres, sendo que uma das maiores lutas já foi alcançada: o direito ao voto. No entanto, Carolina afirma que O feminismo atual tem pequenos objetivos, mais abstratos, como mudar a mentalidade, o que demora muito mais tempo do que mudar uma coisa no papel.

Um dos entraves a essa mudança de mentalidades é precisamente o facto de, na escola, local onde nos são incutidos conhecimentos e valores, não existir qualquer tipo de sensibilização para estes temas.

Nunca me foi incutido nenhum tipo de cultura feminista. Quando muito aprendi em história, mas eu acho que feminismo não é algo propriamente teórico; é uma coisa que puxa pelos sentimentos das pessoas e pelos juízos de valor. Eu posso aprender sobre a representação da mulher na arte e não tirar dali nada, porque estou a ler sobre o quanto os corpos femininos eram sexualizados ao longo da história. Por que é que isto era feito?

A atual Presidente da GirlUp ISCAL, assim como a suas colegas, sentiu que, estando numa faculdade de ciências socioeconómicas, não havia uma grande sensibilidade para as temáticas de justiça social, uma vez que estas não lhes são incutidas pelas unidades curriculares e, por isso, os alunos não criam juízos de valor sobre isso. Estando numa área empresarial, onde existe uma grande desigualdade salarial, é preocupante que os “governantes de amanhã”, como assim lhes chama, não reflitam sobre esses temas. É por isso que, após participar em alguns seminários sobre o assunto, Sara Martins, a antiga Presidente, decidiu convidar mais quatro colegas, incluindo Carolina, para juntas levarem a cabo este projeto.

Fonte: Instagram da GirlUp ISCAL

Nasceu assim a GirlUp ISCAL, uma das apenas três filiais da organização GirlUp Mundial que existem no nosso país, sendo que as restantes se situam em Loulé e Braga. Apesar de se inserirem no programa a nível mundial, possuem alguma independência para gerir a área de intervenção segundo os seus objetivos

Ao início, em setembro de 2020, confessa que não foi fácil basear um projeto com apenas 5 pessoas; no entanto, em janeiro, abriram o primeiro recrutamento. Até agora, e dada a situação pandémica que o país atravessa, as campanhas de sensibilização e os eventos têm sido feitos online, através das redes sociais e por Zoom. As campanhas duram uma semana com um tema alargado e as publicações que vão saindo ao longo da semana tratam de temas mais específicos. Já incidiram sobre assuntos como a literatura, a fotografia ou o cinema, pois admitem que “Todas as áreas são boas para se comunicar acerca do feminismo. Há vários pontos pequenos por onde se pode pegar, porque há mulheres em todo o lado”.

Fonte: Instagram da GirlUp ISCAL
Fonte: Instagram da GirlUp ISCAL

Quanto à adesão, essa tem sido pouca no geral, em termos numéricos. No entanto, quem está presente nos eventos participa, comunica e mostra-se interessado, o que é bastante positivo pois indica que quem vai é porque realmente está interessado no tema.

Evento via zoom. Fotografia cedida por Carolina Ataíde.
Fotografia cedida por Carolina Ataíde.

Se Carolina Ataíde se assume neste momento como feminista e defensora dos direitos das mulheres, assim como dos direitos humanos em geral, nem sempre foi assim. Admite que antes de ir para a GirlUp “nunca tinha pensado no que era ser feminista nem se eu era efetivamente feminista, porque há muita gente que não tem esse tipo de noção”. Este facto deve-se à idade tardia – 18 ou 19 anos – com que começou a aperceber-se do machismo estrutural existente na nossa sociedade.

O primeiro passo para esta sua consciencialização foi o facto de ter entrado num curso superior e de tomar conhecimento da desigualdade salarial que as mulheres sofrem no nosso país.

O choque do “isto posso ser eu um dia” fez com que ficasse automaticamente consciente da situação que se vive num país que, apesar de ser desenvolvido, ainda paga menos 16% às mulheres do que aos homens, o que se transmite em 52 dias. Carolina alerta ainda para questões não factuais – como, por exemplo, as mulheres serem mais postas em causa no que diz respeito às suas decisões e capacidades. Para além disso, numa dimensão mais pessoal, afirma que houve pequenas coisas no seu dia a dia que a deixaram desconfortável durante a sua vida e que, até então, aceitaria, como por exemplo: “ser assobiada na rua, a minha avó queixar-se por eu não saber cozinhar ou perguntarem-me quando é que eu ia ter filhos, tendo 20 anos”, até que, um dia, pensou: Por que é que eu estou a aceitar isto?”. É esta a pergunta de partida que se deve ter em conta para uma mudança de mentalidades e engane-se quem pensa que esta luta pertence somente às mulheres, porque, como Carolina afirma, O feminismo não é só para as mulheres.

E se esta é uma luta feminista, não podemos apenas focar-nos nas mulheres brancas, cis, de classe média, pois estaríamos a alimentar estereótipos num movimento que pretende precisamente desconstruí-los. Há que incluir, portanto, todas as mulheres, nomeadamente aquelas que pertencem à comunidade LGBTQ+. Carolina, que pertence a esta comunidade e faz voluntariado LGBT, afirma que estas lutas estão intimamente ligadas, uma vez que as mulheres LGBT estão sujeitas a uma “dupla-discriminação”– tanto em relação ao seu género, como à sua sexualidade. “Por exemplo, quando uma mulher lésbica é discriminada, tu ficas sem perceber por quê: se é por ser mulher ou por ser lésbica.. A este encontro de duas lutas de justiça social chamamos interseccionalidade, pois engloba questões raciais, de género, orientação sexual e classe, entre muitas outras categorias.

“Tem de ser um feminismo transinclusivo, que é uma grande falta no feminismo atual”

Mas a questão que persiste, sendo este um tema tão frágil e sendo esta uma luta tão subjetiva que implica uma mudança geral de mentes, é: como podemos nós travá-la?

Carolina não hesita em afirmar: “Duas componentes: educação e mentalidade”. Para ela, a base da mudança é a mentalidade – e essa tem de mudar. Não basta estar escrito num papel, se, na prática, não se faz; se na cabeça das pessoas continua tudo igual. O machismo e o patriarcado são questões estruturais que requerem tempo, de tão intrínsecos que estão em nós. Nem mesmo Carolina, estando associada à causa, está livre dessas construções sociais, no meio das quais cresceu. Quanto à educação: essa é a responsável por formar os “governantes de amanhã”, aqueles que vão governar o país daqui a uns anos – querem que ele seja mais eficiente e que a sociedade se torne rica em valores sociais. Os estudantes têm de chegar aos outros estudantes. É por isso que o próximo grande objetivo desta organização é sair do ISCAL e estender-se a todo o IPL, não só por ser o único núcleo relacionado com a justiça social, mas também porque querem mostrar que toda a gente se pode associar a esta causa e pode, efetivamente, fazer alguma coisa.

“O nosso grande objetivo é a visibilidade, porque com ela vem tudo; vêm todos os nossos objetivos: sensibilizar, ensinar, desconstruir”

GirlUp na ida à ESCS FM. Fotografia cedida por Carolina Ataíde.

Neste próximo ano, em que já não será aluna do ISCAL, Carolina vai continuar como Presidente da GirlUp ISCAL e admite que os ensinamentos aqui adquiridos serão levados para qualquer lugar, mesmo que não se associe a nenhuma organização feminista quando sair. Com ela, leva para qualquer lugar mensagens importantes que partilhou com a ESCS Magazine, quando questionada sobre algo que considera que deve ser sempre ouvido pelas pessoas.

Se vivemos numa sociedade em que estamos descontentes com o seu modo de funcionamento, por que não mudá-la? Não há nenhum tipo de barreira que seja imposta, se temos oportunidade, vontade, conhecimento para o fazer. Não nos devemos contentar com algo só porque é o normativo.

Artigo revisto por Andreia Custódio

AUTORIA

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Luísa Montez é redatora da ESCS Magazine desde novembro de 2020, tendo começado por escrever apenas para a secção de Moda e Lifestyle. Após o sucesso do seu artigo escrito, excecionalmente, para a secção de Grande Entrevista e Reportagem, decidiu aceitar o convite e fazer parte da mesma. Antes de entrar na ESCS já sabia que queria pertencer à revista, pois a escrita é um dos seus pontos fortes.