Cinema e Televisão

“A Grande Escavação”: a prova de que a verdade prevalece

Um filme sobre um marco histórico apaixonante, totalmente desprovido de paixão. A Grande Escavação está disponível na Netflix e foca uma descoberta verídica, enquanto, por si só, representa um marco histórico.

Enquanto a Segunda Guerra Mundial representa um cenário cada vez mais próximo, uma viúva, Edith Pretty (Carey Mulligan), rica e de boas famílias recorre a um humilde escavador, Basil Brown (Ralph Fiennes), para investigar um palpite que há anos lhe tira o sono.

Os protagonistas de A Grande Escavação, Ralph Fiennes e Carey Mulligan. Fonte: The Conversation

A premissa é simples: A Mrs. Pretty quer saber o que esconde uma determinada elevação na sua propriedade, sendo essa mesma curiosidade o que a motivou a adquirir os terrenos. Recorre a Basil Brown para concretizar a tarefa e o desenrolar da ação é o que dá vida ao filme que a Netflix nos apresenta.

“É por isso que quer escavar? Para encontrar tesouros enterrados?” é uma das primeiras frases proferidas pelo protagonista Basil Brown e talvez a que mais informação revela sobre o que estamos prestes a testemunhar. Se numa primeira instância Brown parece estar única e exclusivamente a menosprezar as motivações da jovem viúva, à medida que a trama avança percebemos que Mrs. Pretty sabe perfeitamente que a intuição não lhe falha.

Pelos primeiros instantes do filme, ninguém diria que o classificaríamos como incrivelmente lento ou estupidamente monótono. No entanto, se nos vinte minutos iniciais muito acontece num piscar de olhos, na restante hora e meia tudo se desenrola em slow-motion.

A partir do acordo de valores entre os protagonistas, a nau perdida surge como se de uma descoberta fácil se tratasse e, por si só, não levanta qualquer problema. Sem formação académica, Brown atua com base na área que o apaixona, a arqueologia, segue a intuição de Edith Pretty e depara-se com uma nau – do tempo dos Vikings ou Anglo-Saxónica (é ver para descobrir!) –  com 27 metros de comprimento, transformada em câmara funerária 1300 anos antes.

À esquerda, a fotografia original da descoberta da nau em causa, em Sutton Hoo, Suffolk, 1939. À direita, a recriação presente n´A Grande Escavação. Fonte: Superinteressante

Um tesouro que, mais do que pelo valor monetário, vale pelo peso histórico e pela revelação que personifica, sendo que, pormenores à parte, a descoberta redefiniu a integridade dos “bárbaros saqueadores” que povoaram Inglaterra há mais de mil anos.

“Na página do Museu Britânico, Sue Brunning, curadora das coleções europeias da Idade Média, também argumenta que a sepultura de Sutton Hoo veio reescrever a história, provando que Inglaterra não entrou na «idade das trevas» depois dos romanos: esta sepultura num canto bonito de Suffolk reflecte uma sociedade de feitos artísticos notáveis, sistemas de crença complexos e relações internacionais de longo alcance”, avança o Jornal Público.

Puxado ao extremo no que ao drama diz respeito e polvilhado com romances e temas paralelos, A Grande Escavação explora uma história real, baseada em factos verídicos, e homenageia, sob forma de um documentário biográfico, a história da arqueologia Viking ou Anglo-Saxónica – recuso-me a desvendar qual!

Ora, em todo e qualquer drama que se preze há um plot-twist  e A Grande Escavação não é exceção. Sem spoilers, o resto do filme gira em torno do destino do tesouro perdido, entre egos e desrespeito pelo trabalho honesto de quem escava por paixão e não pela ganância.

Repleto de clichês, A Grande de Escavação é demasiado lento e pouco cativante. Sem olhar para os créditos ou para qualquer tipo de crítica, rapidamente percebemos que se trata de uma produção de Simon Stone, tanto pelo seu cunho “à inglesa”, como pelas semelhanças ao filme A Filha, no que à realização diz respeito. Com especial brio no que à recriação histórica diz respeito, A Grande Escavação apresenta um ambiente que nos transporta para a época de 39. Com adereços tão bem cuidados que, pelo caráter aparentemente usado, dificilmente percebemos que de adereços se trata – característica pela qual as produções inglesas primam, sem competição à altura.

A fotografia do filme é exímia, a luz acolhedora e os planos de cortar a respiração. No entanto, este caráter visual a roçar o ambiente romântico é Sol de pouca dura. Nos primeiros minutos de filme, um percalço deita literalmente por terra toda a energia e aconchego a que nos estávamos a começar a habituar. A imagem fica imediatamente mais escura, com tons pesados e cinzentos e a banda sonora intensifica (ainda mais) o cenário dramático a que assistimos. Escusado será dizer que este clima tenso, acompanhado de uma meteorologia não muito promissora, se prolonga por grande parte do desenrolar da ação.

Acho relevante destacar a subtileza com que vários pormenores nos chegam pelas entrelinhas da história principal. Se é verdade que o drama histórico protagoniza o filme, é igualmente importante não descurar o facto de que por detrás de uma mãe, viúva ou mulher de famílias abastadas, está um ser humano dependente da sua frágil saúde e influenciada pelos seus medos e receios.

Na verdade, we don’t really die e, felizmente, há fotografias que o comprovam. E história e arte também. Se em vida o trabalho de Basil Brown foi ignorado, hoje o seu nome está eternizado no Museu Britânico, junto da descoberta que é sua, independentemente da ganância e das burocracias de terceiros.

Não creio que se trate de uma obra magnífica, cinematograficamente falando. No entanto, não tenho quaisquer dúvidas de que é uma produção (mais do que) relevante.

Afinal de contas, por mais camadas (leia-se anos) que se sobreponham, a verdade prevalece e A Grande Escavação é a prova disso.

Artigo redigido por Bruna Gonçalves

Artigo revisto por Lurdes Pereira

Fonte da imagem de destaque: Netflix

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