Cinema e Televisão

A vida imita a arte – “ROSEMARYS’ BABY” e o #FREEBRITNEY

Usar filmes como um comentário de momentos e problemas contemporâneos é quase como um pilar desta forma de arte. Apesar de ser visto como um género mais superficial, o terror é provavelmente dos meios mais criativos para abordar esta vertente da 7.ª arte.

Existem diversos exemplos disso. Desde a análise do luto como n’”O Babadook” ou “Hereditário”, até à proteção sexual em “It Follows”, passando pela guerra e violência em “Jacob’s Ladder”, e, mais relevante para este artigo, feminilidade e maternidade em “Rosemary’s Baby”. 

Rosemary’s Baby

Mia Farrow em Rosemary’s Baby
Mia Farrow em Rosemary’s Baby (1967)
Fonte: Vanity Fair

Baseado no livro de Ira Levin com o mesmo nome, o filme de 1967, realizado e escrito por Rowan Polanski, segue Rosemary que, após se mudar para uma nova casa e engravidar, começa a duvidar das pessoas à sua volta e da natureza da sua gravidez. Considerado um dos melhores filmes de terror de sempre, é famoso não por basear o seu horror na ideia de que o perigo não está num homem de máscara ou num fantasma na cave, mas nas pessoas que achamos que nos querem o melhor.

Quando a vida inspira a arte não é surpreendente. O que é mais interessante é quando a vida espelha a arte, mesmo quando as circunstâncias diferem. É, por isso, interessante ver como é que o recente caso de Britney Spears e toda a sua conservadora se relacionam com este clássico dos anos 60.

Britney

Para aqueles que não tocam num telemóvel há um ano, Britney Spears recebeu uma conservadora há 13 anos, após ter sofrido psicologicamente devido a anos de perseguição e assédio feitos pelos media

Apesar de ser capaz de trabalhar, tendo lançado imensos projetos desde 2008, Britney foi considerada demente e incapaz de tomar conta de si própria. Para além de lhe serem retirados milhões de euros, foi posta sobre efeitos de drogas, forçada a trabalhar e chantageada de modo a fazer o que lhe era pedido. Isto é um claro caso de violação de direitos humanos e, de certa maneira, um filme de terror passado na vida real.

Mesmo lugar, hora diferente …

Quando comparamos as viagens de Rosemary e Britney, pode parecer que existem poucas paragens comuns. Contudo, quando olhamos mais profundamente, conseguimos ver onde estas mulheres se cruzaram.

Parte da intemporalidade do clássico de Polanski é devida às suas mensagens e ao facto de ser uma cápsula do tempo e um comentário sobre exploração e egoísmo que o separa do resto, sendo que o final icónico faz parte do legado do filme. O que torna a história de Rosemary trágica não foi o facto de dar à luz o Anticristo, mas sim o facto de todos à sua volta terem estado envolvidos, de uma maneira ou outra, na sua gravidez para o seu propósito.

Britney espelha este mesmo pesadelo, com toda a sua família a beneficiar da sua situação, sendo incapaz de pedir ajuda mesmo tendo tantos olhos sobre ela, silenciada pelo medo de não ser acreditada, algo que Rosemary partilhava.

Rosemary’s Baby (1967)
Rosemary’s Baby (1967)
Fonte: Taste of Cinema

O termo ‘gaslight’ é um termo que tem ganho popularidade atualmente, graças a memes, e que pode ser aplicado a estas duas mulheres. Consiste numa forma de manipulação em que alguém nos faz duvidar da nossa própria realidade. Este silenciamento é um verdadeiro sentimento de terror – é assustador saber que estamos em perigo. Porém, é ainda mais perturbante quando duvidamos da voz na nossa cabeça que diz quando estamos. 

Estas figuras foram forçadas a acharem que eram loucas mesmo que o seu estado tenha causado preocupações válidas. Rosemary quebra, após sentir que todos os aspetos da sua vida estão a ser controlados ou influenciados, sendo acusada de ingratidão e egoísmo, e Britney passa pelo mesmo quando se recusa a tomar medicação e a trabalhar, mesmo que outros digam que é ‘para o seu bem’. 

É fácil julgar estas mulheres por se renderem à sua situação, mas não por entender a vertente psicológica, que é ignorar a necessidade básica de estabilidade e rotina na vida de uma pessoa. Seja por ser uma dona de casa, por ser financeiramente dependente do seu marido; ou uma cantora pop, cujas visitas aos seus filhos são diretamente afetadas pelas suas ações. Às vezes a submissão não é cobardia, mas simplesmente a escolha mais inteligente para ter uma vida. 

Britney Spears via Instagram
Britney Spears via Instagram

Final Alternativo 

Com o movimento do “Free Britney” a colher os frutos da sua luta, e com Britney a conseguir contratar o seu próprio advogado e tirar o seu pai do papel de conservador, é positivo ver os desfechos destas duas mulheres a diferenciar-se.

Até hoje, muitos veem a aceitação de Rosemary do seu filho como um ato de conformidade às expectativas femininas – o seu amor de mãe foi superior a qualquer ódio ou profecia diabólica. Britney, por outro lado, mesmo admitindo que quase não realizou o seu depoimento, lutou de volta, recusando ser silenciada e usada. 

Mesmo assim, é ainda mais dececionante que, numa sociedade que deveria estar em constante evolução, seja possível encontrar paralelos entre um filme de terror que analisa o papel da mulher nos anos 60 e a vida de uma mulher nascida 15 anos depois da sua data de lançamento. #FREEBRITNEY

Britney Spears via Instagram
Britney Spears via Instagram

Fonte da foto de capa: 10wallpaper.com

Artigo revisto por Miguel Tomás

AUTORIA

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Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.