Opinião

Cadeira

Não sabia qual a palavra que deveria escolher para criar uma história com ela. Olhei à minha volta e decidi ficar com a primeira coisa que vi: uma cadeira. Parece difícil, mas uma cadeira pode representar muita coisa e eu gosto de desafios. Uma cadeira pode ser vista e representada de várias formas. Temos a visão elitista que remonta ao passado – quando um trono representava poder, mas, na verdade, era apenas um assento decorado com ouro. Também podemos oferecer-lhe uma visão metafórica, representando a cadeira como algo que suporta a vida. Mas decidi pegar nesta palavra e “mergulhar” nos tempos da minha infância. 

Ainda me lembro, como se tivesse sido ontem e não há 10 anos atrás, de todas as longas viagens que fiz até Braga, cidade onde residiam os meus bisavós maternos. Passava lá todas as festividades; a minha preferida sempre foi o Natal.

 A casa era enorme; cabíamos lá todos e mais uns quantos – os bisavós, os avós, os pais, os primos, os tios e até mesmo alguns meninos que residiam em casas de acolhimento. A minha bisavó gostava de encher a casa e de trazer um pouco de amor e de conforto a quem não o tinha. Apesar de ser uma casa grande e bonita, era uma casa muito velhinha, mas muito nossa. Gostávamos de brincar às escondidas, mas era difícil escondermo-nos, uma vez que, em tão tenra idade, tínhamos medo de nos esconder longe uns dos outros, pelo facto de a casa ser tão grande e assustadora; para nós, era assombrada. O chão de madeira escura fazia imenso barulho a cada passo – sabia-se sempre quando alguém ia comer os restos do famoso pão de ló da minha avó. As paredes estavam cobertas de retratos dos nossos antepassados e de figuras históricas que ocultavam o facto de precisarem de uma nova camada de tinta. Lembro-me de que sempre que lá ia, me contavam a história de D.Miguel, o rei exilado que, aquando da ordem para o seu exílio, se refugiou uma noite na nossa casa, deixando um retrato seu como forma de agradecimento. Nenhum filme de desenhos animados igualava a animação que era dar ósteas aos peixes que existiam no tanque e correr pelos longos jardins, descalça e livre. Sujava-me sempre toda, mas era assim que era feliz.

Na noite de Natal, éramos dezenas à mesa. Cada prato, antes de levar comida, continha uma prenda; e cada cadeira um membro da família. Falávamos sempre todos ao mesmo tempo, pelo que não se percebia nada. As gargalhadas das minhas primas eram contagiantes.

A verdade é que não sobravam cadeiras para jogarmos ao jogo da cadeira, porque estavam sempre todas ocupadas. Com o passar dos anos, as cadeiras começaram a ficar livres. Havia mais cadeiras para brincar e menos familiares com quem conversar. Agora, há mais cadeiras do que familiares. Os meus adorados avós começaram a partir e a minha família separou-se. Uns casaram, outros mudaram de país. Quando nos vemos, comentamos sempre o facto de estarmos todos mais velhos e de eu já não ser uma miúda – não nos vemos muitas vezes. E aquela casa está abandonada, mas todos os que por lá passaram vivem para sempre em cada um de nós.

Fonte da imagem de destaque: Tudo Desenhos

Artigo revisto por Ana Janeiro

AUTORIA

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Ana Rita, ou Rita, que é como prefere ser chamada, é aluna de Jornalismo. O sonho é a televisão, e a realidade atual é estudar para o alcançar. A escrita também sempre foi uma paixão, especialmente uma escrita que provoque algum tipo de reação no ser humano, pugnando por que exista ação para alterar se alterar e ter consciência face a problemas sociais. Estar informada é tão importante quanto ter o poder de informar os outros.