Editorias, Opinião

Custa demasiado não matar

Segundo um estudo de 2009 publicado pela Worldwatch (um instituto estadunidense de pesquisa maioritariamente focada em temas de sustentabilidade ambiental) e desenvolvido por Robert Goodland e Jeff Anhang (dois conselheiros do Banco Mundial em Washington DC): 51% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) provêm da agropecuária, contradizendo o valor divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que comunicou em 2006 que do total emitido apenas 18% provinham da indústria do gado. Para contextualizar, é unânime que 13% das emissões de GEE através de ações humanas são causadas pela totalidade do dióxido de carbono (CO2) proveniente do setor de transportes. É igualmente unânime que a produção animal, por corolário, polui mais do que todos os automóveis, comboios, barcos e aviões juntos.

No entanto, os cálculos da FAO não incluíram a atualização do potencial de aquecimento global do metano, nem as toneladas de CO2 emitidas pela respiração (especificamente pela expiração) do gado, as emitidas pela transformação do solo num adequado à agropecuária, as pelos processamento e transporte dos produtos finais, as pelos tratamentos médicos de doenças zoonóticas e as toneladas de CO2 e equivalentes emitidas pela pesca; tal como generalizaram à escala global os dados da agropecuária do Minnesota, enquanto essa indústria possui uma muito menor eficácia nos países em desenvolvimento, libertando valores mais altos de GEE (fonte). Desta forma, o valor total de CO2 e equivalentes emitidos pela pecuária sobe (das 7 516 milhões de toneladas calculadas pela FAO) para 32 564 milhões de toneladas anuais, que correspondem a 51% da totalidade global da emissão humana de GEE.

Queria só realçar a principalmente preocupante quantidade de metano que o gado produz (150 000 milhões de toneladas por dia), que é praticamente a mesma que a libertada pelo gás natural. Tenhamos em conta que o metano tem um potencial de aquecimento global 86 vezes superior ao do CO2 (fonte).

Mas, além da poluição atmosférica e da aceleração do efeito de estufa no planeta, a produção de gado também causa a desflorestação (e consequente desertificação) e o desaparecimento de água potável.

A indústria pecuária é responsável por 91% da destruição da Amazónia (fonte) e o desaparecimento de 137 espécies de plantas e animais por dia devido à devastação de florestas tropicais (fonte). Isto acontece porque vivemos numa cultura que contém e reforça o carnismo [o sistema de crenças que defende a matança de certas espécies animais para o consumo da sua carne, afirmando que ela é natural e necessária (fonte)], levando a uma cada vez maior procura por alimentos de origem animal, o que consequentemente leva à necessidade (e felicidade) da indústria pecuária de produzir mais carne, para a qual é preciso espaço para o gado estar e o alimento dele crescer [tendo em conta que ele consome mais de 50% das plantas produzidas para alimentação (fonte: http://www.globalissues.org/article/240/beef)]; não sendo todo o tipo de terreno adequado à estada do gado é preciso criar um que seja, destruindo florestas, que vão dar lugar à produção pecuária, a qual ocupa atualmente 45% da superfície terrena sem gelo do planeta (fonte).

Enquanto que o fraturamento hidráulico usa até 530 mil milhões de litros por ano (fonte), a água utilizada pela pecuária anualmente é 280 bilhões de litros (fonte). O gado consome 30% da água potável disponível, que poderia ser bebida por seres humanos e usada para as suas atividades necessárias de uma forma sustentável, se eles não criassem 6 milhões de animais por hora com a única intenção de os matar a seguir e comer (fonte).

Deste modo, por que razão, ao ler sobre sustentabilidade ou ao aprender na escola as formas de diminuir o aquecimento global e a desertificação, eu me deparo com medidas que me dizem para fechar a torneira enquanto coloco sabonete nas mãos, ou tomar duches rápidos, ou partilhar o carro com outras quatro pessoas e utilizar transportes públicos e não com a seguinte “comer menos carne”? Por que razão ouço conversas sobre como é benéfico para o ambiente ir de bicicleta para o trabalho e não sobre os benefícios ambientais de não comer um bife ao jantar?

Não me interpretem mal: eu apoio todas essas pequenas medidas e tenho-as em atenção no meu quotidiano; mas sinto que estamos a preocuparmo-nos com pormenores (que ainda assim merecem atenção) enquanto ignoramos um aspeto fundamental da destruição da vida no nosso planeta e das condições mínimas para a sobrevivência do ser humano, apenas porque nos custa demasiado não matar vacas e porcos.