DESCOLONIZAR O CÂNONE LITERÁRIO – ARGUMENTOS, PROPOSTAS, INCOERÊNCIAS
Em maio último, o CIES – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE – realizou uma conferência online cujo mote era o tema “Descolonizar o cânone literário”. Como estudante e razoável acompanhante das notícias da arena literária, assisti ao colóquio de forma a tentar refletir, primeiro enquanto cidadão, e segundo como membro de uma etnia nacionalmente maioritária, sobre as questões subjacentes à temática. O termo “debate” foi algumas vezes referido, embora eu não conceda na totalidade esta designação. Considerei os ângulos de análise e as perspetivas abordadas bastante relevantes. No entanto, o painel estava composto por oito participantes que não possuíam grandes divergências entre si. Senti que faltou um pouco de contraditório, mas talvez não fosse essa a génese do evento, pelo que acaba por ser uma falsa questão.
A conferência passou em revista alguns dos tópicos principais alocados à questão da descolonização na literatura portuguesa, os quais tentarei problematizar sumariamente neste artigo.
CONTEXTUALIZAÇÃO
O pretexto dado por Cristina Roldão, académica e socióloga que promoveu o encontro, prendeu-se com três casos recentes que envolvem a problemática da representatividade étnica e racial: o caso da obra Os Maias, a tradução para holandês da autora Amanda Gorman e a dobragem para português do filme Soul. Sintetizemos cada um dos casos. Sobre Os Maias, a investigadora cabo-verdiana Vanusa Lima (presente no colóquio) propôs uma melhor e mais apurada contextualização histórica relativa ao clássico de Eça de Queirós. Em seu entender, o substrato racista de algumas personagens não está devidamente contextualizado no programa de Português do ensino secundário, o que mereceria uma “nota pedagógica”. Algo que foi erroneamente interpretado como uma tentativa de cancelar a obra, estalando a polémica na opinião pública. Os restantes casos são relativamente semelhantes: Gorman iria ser traduzida para holandês por Marieke Rijneveld, uma escritora caucasiana, que renunciou depois de críticas por não ser uma tradutora negra a fazê-lo; já Soul, tem uma dobragem para português feita pelo caucasiano Jorge Mourato, mas, mesmo depois de uma petição à Disney, o dobrador não foi alterado.
Debruço-me para já sobre Os Maias e, mais à frente, a propósito de outros tópicos, comentarei as outras duas situações. A obra de Eça é estudada no 11º ano do ensino secundário por todos os alunos do ensino científico-humanístico. De acordo com a minha experiência, sou tentado a concordar com a perspetiva de Vanusa Lima. Não existiu, que me recorde, qualquer enquadramento histórico sobre o século dos imperialismos europeus, o mesmo do livro, em que a questão do colonialismo é central. Creio que, acima de tudo, as palavras acabaram por trair a investigadora. O termo “nota pedagógica” parece à partida propagandístico e pouco apologista do pluralismo do sentido crítico. Na conferência, Vanusa esclareceu que o que propôs era apenas acrescentar mais uma lente de análise a Os Maias além das já existentes, o que me parece razoável e plenamente legítimo. Esclareço, ainda assim, que no ensino universitário, pelo menos o que eu frequentei, o enquadramento colonialista em Eça existe e é, a meu ver, suficientemente abordado, pelo que esse enquadramento existe no ensino do autor, apenas não está generalizado e não me chocaria que isso acontecesse.
“O QUE IMPORTA É A QUALIDADE”
Entre os rebates mais frequentes às intenções de descolonizar o cânone, certamente o mais recorrente tem que ver com a falácia da qualidade. Segundo este argumento, o primeiro critério para desempenhar qualquer trabalho deve ser a competência da pessoa, não a sua cor de pele, etnia, género ou outra condição. O que, em abstrato, evidentemente faz sentido. No entanto, e como explicou a professora de literatura Inocência Mata, esta ideia acaba por ter a fragilidade de partir do pressuposto que, então, sendo assim, significa que, aplicando o argumento à tradução de Gorman ou ao filme Soul, não haveria negras ou negros com qualidade suficiente para assumir o trabalho, o que é provavelmente falso. Deste modo, o argumento da qualidade não considera aquilo que Inocência refere como a “identidade grupal”, tornando essa noção de igualdade numa espécie de igualdade cega. Na verdade, existe um termo para isso: color blindness, que resulta da ideia de que não se deve olhar a cores na avaliação das capacidades humanas, sejam elas técnicas ou intelectuais. O problema, como Vanusa Lima explica, é que este argumento acaba por, na prática, resultar numa tentativa de desculpabilização da realidade concreta, em que a falta de representatividade de pessoas racializadas em Portugal é uma constante na maioria das áreas. Assim, usar a carta da qualidade tem o reverso que é exercer color blindness e acabando por ser, intencionalmente ou não, areia na engrenagem do progresso neste campo porque, refere Vanusa, “se eu não olho a cores nem sou racista, então está tudo resolvido e não preciso de fazer nada”.
Não se trata, então, de negar a igualdade, mas antes de tentar por novas vias que ela seja atingida. Naturalmente, quem já está representado tem mais dificuldades em reconhecer a falta de representatividade de outros grupos, chegando mesmo a negar a existência do conceito de grupo, o que, intencionalmente ou não, também contribui para a manutenção do status quo.
RACISMO E MERCADO LIVRE
Na sequência do ponto anterior, surge em pano de fundo uma das matrizes das democracias liberais, que consiste em não discriminar qualquer cidadão devido, quer a condições de natureza biológica, como a etnia ou raça, quer a condições advindas de decisões, como a identidade sexual ou de género. Contudo, como vimos, esta premissa não tem grande substância se não sair do abstrato e é aí que considero estar a raiz do problema. Democracia liberal rima com mercado livre e, portanto, com a crença de que a sociedade possui mecanismos de autorregulação das relações de poder que fazem com que a premissa anterior saia do papel e seja plenamente posta em prática. Ora, na prática, é observável que a igualdade racial não existe. Houve avanços nas últimas décadas, mas para já insuficientes. Uma vez que o pano de fundo é um sistema político democrático liberal com uma livre circulação de pessoas, bens e serviços – o que, à partida, não parece levantar objeções -, acredito que a questão do racismo não pode ser olhada sem este substrato.
Assim, na minha leitura, o cânone, e o sistema que decide o que é ou não é cânone, não é necessariamente racista, pelo menos de forma ostensiva e direta. E quem diz racista, diz contra qualquer outro grupo considerado minoritário num certo território. O cânone atual é um resultado dos resquícios das políticas imperialistas europeias do século XIX em concomitância com a instauração na ordem ocidental do modelo de economia liberalizada. Este modelo preza a igualdade, sim, mas uma igualdade cega em que prevalece a chamada tirania da maioria, porque esta é sempre mais rentável economicamente. Por acaso, essa maioria é caucasiana, como poderia não ser. Não é tanto uma questão de cor, mas uma questão de modelo. A maioria como falácia do todo acaba por invisibilizar as minorias, sejam estas raciais, religiosas, sexuais ou outras. É evidente que, do ponto de vista individual, continua a existir preconceito racial que funciona como obstáculo à emancipação. Enquanto sistema, não creio que o problema central seja a existência de preconceito (não o nego, claro), mas o funcionamento prático do próprio sistema em si. Como a maioria da população beneficia desse modelo (outro debate), perdura uma falsa presunção de igualdade de circunstâncias entre cidadãos. Pensando a partir deste ângulo, o racismo não seria, assim, uma questão originária, mas antes uma consequência de um sistema que, em abstrato e do ponto de vista constitucional-legal, não promove o racismo. Na prática, acaba por redundar no mesmo, mas mostra-nos que provavelmente a via liberal não é a única solução que nos resta para mitigar este problema e, a seu tempo, aboli-lo.
“DESCOLONIZAR É MUDAR AS INSTITUIÇÕES”
Sendo uma questão, como vemos, histórica, mas também sistémica, é importante pensar sobre a perspetiva de Margarida Calafate Ribeiro, investigadora da Universidade de Coimbra. No colóquio, começa por lançar outra das questões centrais do debate: “O conhecimento científico é produzido por quem, para quem e com que objetivo?”. Nesse sentido, defende que a qualidade do saber científico é uma entre outras características importantes, de entre as quais a diversidade e o pluralismo, de forma que a academia não se mantenha como uma instituição que repete a visão ocidental do mundo sem que aceite outras ou, pelo menos, não exista uma coabitação pacífica e bilateralmente frutífera. Segundo a ensaísta, “não se trata apenas de rever o cânone literário. Trata-se de rever o que queremos ser enquanto sociedade”. Certamente o cânone literário não é uma preocupação central na vida das pessoas. Contudo, o cânone não impacta só nas instituições universitárias. Impacta também nos programas de ensino de escolas básicas e secundárias. Se não existir um equilíbrio entre a excelência estético-literária e a pluralidade de perspetivas, não estaremos a reconhecer que a sociedade portuguesa não é feita apenas de cidadãos europeus caucasianos. Deste modo, “descolonizar o cânone é descolonizar as instituições”, isto é, parlamento, tribunais, universidades, escolas e outras instâncias ao serviço do direito democrático. Esta visão resulta da ideia de que o cânone não é meramente uma imposição arbitrária, mas uma consequência das estruturas de poder ao longo da história. Conforme foi dito por vários participantes, o cânone não tem de ser algo sagrado e imutável. Isso não significa, claro, que passemos a remeter, por exemplo, Camões, a uma nota de rodapé na história da literatura portuguesa, mas antes adicionar novas leituras do poeta que se ajustem ao período histórico em que vivemos. Até porque a obra canónica é precisamente a que é contínua e ininterruptamente lida ao longo do tempo.
LÍNGUAS DE CULTURA E PATOÁS
Por fim, no âmbito dos tópicos centrais, o painel debruçou-se sobre a noção de língua de cultura e as implicações dessa questão na reavaliação do cânone. Nesse quadro, a doutora Inocência Mata lamentou o facto de muitos colegas seus da área dos estudos africanos, assim como escritores da lusofonia, colocarem o português europeu num patamar de superioridade cultural, algo que, em seu entender, dificulta o trabalho de integração das literaturas lusófonas nos programas escolares e no cânone literário. Inclusivamente questiona “qual é a língua que não é de cultura?”. Lembra ainda uma posição recente da escritora Clara Ferreira Alves, que classificou o português do Brasil, Angola e restantes países dos CPLP, como patoás, ou seja, dialetos que se desdobram a partir do português europeu, o que os colocaria numa posição hierarquicamente inferior. A partir desta menção, o painel recordou que são também estes episódios de eurocentrismo forçado e bacoco, muitas vezes vindo da parte de ilustres senadores da opinião pública, que contribuem para a manutenção das relações de poder desiguais. Conforme explicou Inocência Mata, “os estudos africanos são um projeto de poder”, portanto, segundo entendo, acabam por ser uma espécie de extensão da visão ocidentalista às culturas africanas, numa lógica assimilacionista, o que tem sido amplamente condenado. Na verdade, de nada valerá a existência de estudos pós-coloniais, africanos, etc., se não servirem para trazer uma nova visão do colonialismo que não vá ao encontro da versão europeia até aqui reproduzida.
AS PROPOSTAS
Depois de analisadas as problemáticas fundamentais, foram apresentadas algumas propostas para levar a cabo a necessária descolonização do cânone, das quais destaco e comento duas, apresentadas por Vanusa Lima. A primeira é a já referida introdução de notas pedagógicas nas obras literárias do ensino secundário. Embora entenda a ideia, conforme expliquei anteriormente, não me parece que a nomenclatura seja a mais apropriada. O termo “nota pedagógica” é impositivo e acabaria por virar a ideia contra si mesma. Bastaria, a meu ver, explicar aos professores a necessidade de expandir o pluralismo de perspetivas sobre as obras em estudo da leitura pós-colonial, como de outras, pois é desse pluralismo que vive o fenómeno literário. Porém, esta alteração não se afiguraria fácil. Seria necessário reformular o programa da disciplina de Português e, se os professores já se queixam de que não têm tempo para o cumprir, mais difícil seria se fossem adicionadas mais perspetivas sobre as obras além das que estão pensadas. Além disso, seria necessário um investimento na formação de professores, pois tem sido documentada uma considerável falta de sensibilidade para o pluralismo dentro das salas de aula, situação referida por Cristina Roldão. Portanto, a ideia de notas pedagógicas parece-me uma solução simplista, ainda que concorde com o objetivo, de uma forma genérica.
A outra proposta prende-se com uma adaptação dos programas curriculares à diversidade étnico-racial da sala de aula. Em termos práticos, a título de exemplo, o programa seria diferente numa escola do município de Barcelos e no município de Amadora, de forma a colocar os alunos perante perspetivas com as quais se consigam identificar. Esta ideia vem responder e contrariar a lógica da assimilação cultural, que tantos obstáculos tem criado às comunidades racializadas. Ainda assim, possui também as suas fragilidades. Em primeiro lugar, existe o risco de colocar os estudantes em contacto apenas com as perspetivas que vão ao encontro das suas convicções prévias, pelo que existe um trabalho de equilíbrio a ser realizado e acautelado. O segundo grande problema tem a ver com a implementação desta ideia. Não havendo dados étnico-raciais sobre a população portuguesa (e os recenseamentos de 2021 novamente não colocaram a pergunta), é mero preconceito meu e observação enviesada da realidade achar que existe mais população negra na Amadora do que em Barcelos. Provavelmente sim, até existe, mas medidas desta natureza não podem evidentemente ser tomadas com base em dados amostrais ou observação participante. O INE justificou que a colocação dessa pergunta e a revelação de informações étnico-raciais poderia dar força às fações políticas extremistas que se alimentam do ódio racial. Cristina Roldão, no Programa Cautelar da RTP, refere que entende esse argumento, mas acredita que a recompensa justificaria o risco, pois a revelação desses dados permitiria uma capacidade de mobilização e resposta a situações limite mais eficaz e produtiva.
INCOERÊNCIAS
Como nenhum debate deve estar fechado definitivamente, é importante pensar algumas questões que, na minha perspetiva, ficaram por responder.
Dentre as incoerências ou, se quisermos, pontas soltas, que identifiquei, destaco o dilema que orbita em torno do argumento da qualidade e a consciência grupal. Ambos os vetores se afiguram, na minha perspetiva, conflituantes, pelo que se exige o consenso para não cair futuramente noutro tipo de ortodoxias igualmente lesivas. E se é legítimo afirmar que a academia e o cânone sofrem da “ortodoxia da qualidade”, é preciso cautela para não levar a consciência grupal a um ponto que espolete segregação ou autossegregação. Exemplificando: num dado momento do colóquio, a propósito do tema Os Maias, Inocência Mata defendeu que Vanusa Lima não necessitava de ter nacionalidade portuguesa para emitir juízos críticos sobre a obra de Eça de Queirós. Recorde-se de que essa foi uma das acusações dirigidas à investigadora cabo-verdiana, que alegadamente não estaria plenamente consciente do património cultural português por não ser portuguesa de nascimento. Se esta posição é objetivamente racista, creio que não há dúvidas. Mais à frente, a propósito de outro assunto, a professora da FLUL parece entrar em contradição com esta posição, quando ironizou com o facto de existirem “especialistas” em estudos africanos que, e passo a citar, “estiveram uma semana em África e leram cinco livros”. O que me leva à seguinte questão: se é evidente que o património étnico de Vanusa Lima não é de forma nenhuma um entrave à sua competência em literatura portuguesa, do mesmo modo não me parece que uma ou um investigador caucasiano não possa, mediante trabalho de campo e estudo afincado, conhecer com a devida profundidade a área dos estudos pós-coloniais, africanos ou outras áreas do saber semelhantes. Se há coisa que não pode em momento algum ser esquecida é que a academia pressupõe, em teoria, a ideia de que são sempre, no fim, as competências de pesquisa, reflexão, criatividade, acutilância, pertinência, entre outras, o que afere o valor de um trabalho académico. Estes tipos de raciocínios reversíveis colocam muitas vezes a coerência do ativismo antirracista em causa, e parece-me importante lembrar isso. Entendo que, no âmbito académico, a nossa identidade – a qual não nego de forma absolutizante – étnico-racial ou outra não deve ser um fator limitativo na nossa capacidade de entendimento, ainda por cima numa área que é eminentemente racional e intelectual por natureza. Se, como parece introduzir Inocência Mata, a nossa identidade biológica tem interferência significativa e nos colocará sempre em posição de insuficiência, eu, enquanto português europeu de nascimento e caucasiano (condição que não escolhi nem me desperta qualquer orgulho ou repulsa, é-me simplesmente indiferente), nunca vou estar em plenas condições técnicas e intelectuais suficientes em relação à literatura pós-colonial face à professora Inocência ou a Vanusa Lima, pelo simples facto de não ser negro – o que me parece altamente redutor e um apelo, não propositado claro, ao anti-intelectualismo, coisa de que estou certo que ninguém do painel defenderá. Uma coisa é dar oportunidade a tradutores negros ou dobradores negros com toda a valia necessária para desempenhar um trabalho, o que, mesmo contrariando um pouco o argumento da qualidade, é algo que me parece totalmente legítimo, porque o foco é dar a oportunidade que o sistema deveria conceder e não consegue. Outra coisa é colocar na identidade étnica um teto para a nossa valia, os nossos objetivos, os nossos projetos, o que me parece uma outra espécie de preconceito que acaba por não ser tão diferente face à primeira. Se um português branco não tem capacidade suficiente para se tornar académico em estudos africanos, então Vanusa Lima também não teria as tais competências para entender um autor europeu como Eça, o que me parece um raciocínio levado ao absurdo.
Outra situação que me chamou à atenção tem a ver com aquilo que se debateu sobre a chamada literatura engagée, isto é, literatura politicamente empenhada. A discussão é antiga e teima em não findar: afinal, a arte deve ser política ou não? E neste âmbito, não me parece que aplicar critérios de ativismo civil à literatura antirracista seja a melhor forma de a valorizar a longo prazo de maneira a constar no cânone. Este, por definição, é o que extravasa épocas históricas, correntes de pensamento, ideologias, contextos. Premiar literatura que pode vir a comprovar-se meramente instrumental, ao serviço de um ativismo de cidadania, acaba por não ser, paradoxalmente, um grande serviço dos pensadores pós-coloniais tendo em vista a canonização destas literaturas. Historicamente, tendemos a desculpabilizar a arte que é meramente propagandística quando esta está do lado das forças de oposição ao poder. Não vejo a questão dessa forma, porque a obra de arte não deixa de ser o que é e sempre foi caso as forças de poder se invertam ou simplesmente alterem. E isto é válido para qualquer obra canónica. Os critérios de canonização não deveriam estar ao serviço de qualquer fação, seja a do poder ou a do contrapoder, mas a verdade é que estão e não parece que haja grande interesse de parte a parte para que a situação se altere, o que se lamenta. E nesse sentido, não negando a arte politicamente atenta, considero que quanto menos ela se deixar contaminar pela sujidade do fenómeno político contemporâneo, quanto mais ela se afastar do conjuntural, do quotidiano, do contextual, e mais se aproximar do límpido, do eterno, do que respeita à condição humana universal, mais próxima estará de aspirar ao cânone. A menos que queiramos alterar a definição de cânone, o que também é uma hipótese.
Fonte da Imagem de Capa: Flickr, pelo autor Ted Eytan
Artigo revisto por Maria Ponce Madeira
AUTORIA
Um indivíduo que o relembra, leitor, de que os livros e as opiniões são como o bolo-rei: têm a relevância que se lhe quiser dar. O seu maior talento é insistir em fazer coisas que não servem para nada: desde uma licenciatura em literatura luso-alemã, passando por poemas de qualidade mediana, rabiscos de táticas de futebol (um bizarro guilty pleasure) ou ensaios filosofico-autobiográficos, sem que tenha ainda percebido porque e para que o faz. Até porque já ninguém sabe o que é um ensaio.