Editorias, Opinião

E se o Homem de Ferro fosse uma mulher?

Vaguear pelos corredores de banda desenhada nas livrarias é, para mim, uma das melhores experiências da vida. Gosto de comprar aqueles livrinhos, sejam da Marvel, DC, Dark Horse ou Devil’s Due Entertainment. Gosto de entrar nas livrarias com as minhas camisolas do Iron Man. Mas não gosto de algumas pessoas que encontro nesses corredores. Não gosto das conversas que temos.

Uma vez fui abordada por um rapaz (se conta para alguma coisa, parecia ter uns 20 anos) que se sentia muito ofendido por eu estar na secção da banda desenhada quando claramente eu só conhecia o Iron Man por causa dos filmes da Marvel. Pobrezinho, lá tive de lhe explicar que o Iron Man já teve direito a umas poucas dezenas de arcos de história desde 1963, o ano em que foi criado, e que a probabilidade de ele ter já ter conseguido ler 53 anos de história era muito pequena.

Também já fui abordada por uma criatura que achava que eu não conhecia todos os ‘bonecos’ que estavam na minha camisola – e, mais uma vez, tive de lhe explicar como se fosse uma criancinha que, sim, sabia quem era o Iron Man e o Hawkeye e o Wolverine e o Thor e o Daredevil e o Captain America e que, já agora, também sabia que o nome verdadeiro do Hawkeye é Clint Barton e que na banda desenhada ele é surdo, coisa que não é nos filmes, e que o Captain America se chama Steve Rogers e na banda desenhada ele não conhecia o Bucky Barnes desde criança como acontece nos filmes, e que o Daredevil se chama Matt Murdock e é um bocadinho mais pervertido do que as interpretações de Ben Affleck e Charlie Cox o fazem parecer.

Na verdade, eu não tinha necessidade nenhuma de explicar isto a pessoas que, por serem do sexo masculino, já sabem de nascença todos estes detalhes. Porque é isso que acontece, não é? Os homens já nascem a saber tudo sobre a vida da Black Widow e a saber as piadas todas do Deadpool. Na verdade, não entendo bem porque é que ainda gastam dinheiro em banda desenhada. Não sabem já toda a história de todas as personagens de todas as empresas de banda desenhada?

Não sabem tudo? Afinal no que é que ficamos? Porque é que olham de forma estranha para uma rapariga numa secção de banda desenhada, se muitas vezes nem sabem qual a verdadeira razão da criação do Superhuman Registration Act? Pensei que já tínhamos ultrapassado isto. Durante a exibição de um filme de super-heróis, seja da Marvel ou da DC, vejo rapazes e raparigas a divertirem-se. Saio da sala de cinema, entro num mundo de hipocrisia. É assim tão estranho ver uma rapariga que se interessa por homens em fatos de ferro (não, na verdade são ligas de titânio) e mulheres que usam nomes de aranhas como codename?

No máximo, raparigas que lêem banda desenhada deviam ser consideradas mais interessantes. Graças à minha leitura, sei neste momento um grande número de feitiços para afastar o Diabo, sei como ser uma espia implacável e retirar informações ao inimigo e sei mais sobre ciência do que o Einstein.

Façam-me um favor: da próxima vez que virem uma rapariga num corredor de banda desenhada, não lhe peçam para se ir embora – façam antes um pedido de casamento.

A Marta Silva escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico