“Goodbye, Lenin!”: Uma viagem pela Ostalgie e os tempos que não voltam mais
A 9 de novembro de 1989, a Alemanha e o resto do mundo assistiam ao início da queda do Muro de Berlim. O fim da cortina de ferro que separava um país em República Federal Alemã (RFA) e República Democrática Alemã (RDA) marcou também a queda da União Soviética e da Guerra Fria e foi o final derradeiro dos efeitos secundários da Segunda Guerra Mundial.
Quase 14 anos depois, a 9 de fevereiro de 2003, estreava “Goodbye, Lenin!”
O filme de Wolfgang Becker conta-nos a história de Christiane, uma comunista devota do seu regime e cidadã exemplar, que sofre um ataque cardíaco e entra, consequentemente, em coma. Nos meses que se seguem, o muro de Berlim cai e começa o processo de reunificação da Alemanha. Pelo caminho fica a conservadora e mais atrasada República Democrata Alemã, o lado soviético onde sempre viveu, que dá lugar a uma cidade de Berlim americanizada e rendida ao capitalismo. Quando Christiane acorda, oito meses depois, a realidade que conhecia antes de ficar inconsciente já não existe. Aconselhado pelo médico a não sujeitar a mãe a emoções fortes e decidido a não lhe causar um desgosto, o filho, Alex, oculta da mãe as mudanças que ocorreram e finge que tudo continua como antes.
A partir deste momento, começa um esquema meticuloso e cuidadosamente pensado para manter a fachada de uma Alemanha Soviética: são trocados os rótulos dos frascos para esconder a existência de produtos americanos, cria-se um noticiário falso com a ajuda do amigo de Alex, Denis, que tem o sonho de ser um realizador de sucesso (e a quem devemos, em grande parte, as maiores gargalhadas que soltamos ao longo do filme), e até a Cola-Cola passa a ser uma bebida socialista cuja origem foi, durante anos, falsamente reclamada pelos americanos.
Arrisco-me a dizer que não há nada a criticar em “Goodbye, Lenin!”. Desde a música de Yann Tiersen à lindíssima (e carregada de simbolismo) sequência em que a mãe de Alex sai à rua sozinha e vê a estátua de Lenin a ser retirada de uma praça, passando pelas muitas cenas absolutamente hilariantes. Todos os momentos do filme de Becker são ouro puro. O elenco desempenha impecavelmente os seus papéis e trazem-nos para dentro da sua casa e dos seus problemas – é impossível não sofrermos com eles e não torcermos para que tudo fique bem.
E falar do elenco sem dedicar especial atenção ao Alex de Daniel Bruhl é quase crime. Bruhl, sempre brilhante e frequentemente desvalorizado (e, neste caso, com um permanente ar de espanto no rosto), interpreta Alex, o fio condutor e alma do filme. Alex tem pouco de herói: falha frequentemente na sua relação com a namorada e com a irmã e torna-se quase ditador nos seus esforços para manter a fachada da Alemanha socialista, mas a pureza e o amor incondicional por detrás das suas atitudes tornam-no num herói improvável.
“Goodbye, Lenin” encontra na comédia o veículo perfeito para explorar o sonho (e a desilusão) socialista dos anos 90. Os momentos que nos fazem rir são muitos, mas o simbolismo em todos eles mostra-nos que esta história vai muito além de um rapaz que troca os rótulos de um frasco de pickles. Becker leva-nos numa viagem pela Ostalgie, um termo que define a nostalgia pelos tempos vividos na Alemanha oriental. E, se é na personagem da mãe que se foca a razão do esforço hercúleo por manter esta fachada, é em Alex que percebemos que a falsa realidade criada por si vai muito além da condição da mãe. Enquanto a irmã recebeu de braços abertos o mundo modernizado e capitalista, tornando-se uma orgulhosa trabalhadora num Burger King, Alex sente uma nostalgia fortíssima pela Alemanha na qual cresceu e sonhou ser astronauta (o auge da corrida espacial entre a URSS e os Estados Unidos esteve na origem deste sonho). É um facto irónico quando temos em conta que, no início do filme, encontramos o nosso protagonista numa manifestação contra o regime. Alex sabia tudo o que havia de errado na sua República Democrática Alemã e que, para lá do muro, havia todo um mundo à sua espera. E é por isso que cria nesta falsa narrativa a Alemanha na qual desejava ter vivido e reconta a história à sua própria maneira. Mas “Goodbye, Lenin!” não é um filme sobre Capitalismo versus Comunismo. É uma história sobre a dificuldade em dizer adeus ao que sempre conhecemos, mesmo quando o que nos é familiar já há muito que precisava de partir.
Artigo redigido por Madalena Guinote
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
AUTORIA
Com 20 anos, Madalena, futura jornalista, já sabe há muito tempo que o seu futuro passa pela comunicação e é na escrita que se sente em casa. Mãe de três gatos, voluntária num abrigo de animais e fervorosa cozinheira amadora, ama dias de chuva e viagens de autocarro. É profissional da procrastinação e foi nas tardes passadas a ver filmes, para adiar o estudo, que surgiu a paixão pelo cinema.