L’Âge Des Métamorphoses: um estado da arte sobre a cultura rave em Portugal
Preâmbulo
Numa fase inicial, antes de proceder à pesquisa teórica e à preparação de um guião de entrevista, tinha como intuito fazer uma avaliação da cena rave e clubbing em Portugal a partir de artigos, crónicas e reportagens anteriormente publicadas, limitando-me a levar a cabo um exercício sequencial que resultasse num ponto de situação do cenário atual. A realidade com que me deparei foi outra: à exceção do ensaio de Gabriel Feitor sobre a história da música eletrónica em Portugal publicado há um ano na Comunidade Cultura e Arte (grandioso, mas que cobre apenas o período inicial) e de uma reportagem da própria Gerador sobre a cultura underground, não existem (pelo menos no espaço digital) trabalhos jornalísticos de profundidade que se debrucem sobre esta temática na realidade nacional. E, mesmo nos meios académicos, apenas a socióloga Paula Guerra apresenta um currículo e uma bibliografia significativos acerca do movimento – breve menção honrosa para o artigo “O subcampo da música eletrónica de dança em Portugal” (2021), com autoria de Pedro Belchior Nunes. Assim sendo, a necessidade de colmatar uma imensidão de informação contextual, afinal inexistente, ditou o curso da primeira parte desta reportagem. Enquanto trabalho aparentemente pioneiro, espero que constitua apenas uma primeira pedra num exercício premente e (também) historiográfico que se impõe do qual o jornalismo não se deve omitir.
A palavra rave, e as suas consequentes manifestações na cultura popular, não são fáceis de delimitar. Num sentido objetivo e literal, uma rave é uma festa de música eletrónica de dança que pode acontecer numa discoteca, num armazém, num centro de congressos, na floresta, na praia, etc. e que pode ser oficial ou clandestina. Entre os géneros mais ouvidos numa rave estão o house, o techno, o electro, o drum and bass e, numa acepção alargada, o trance – este, porém, ocupando um território e um imaginário próprios. À medida que a cultura rave se foi consolidando e foi chamando a atenção das autoridades, este género de festa começou gradualmente a ser integrado na vida cultural institucional de cidades e regiões. Se as raves ‘originais’ tiveram lugar em armazéns e terrenos baldios, hoje é justo e aceitável afirmar que determinadas festas realizadas em discotecas entram no largo espectro que define uma rave. Este facto introduz uma habitual confusão entre a cultura clubbing e a cultura rave, que é necessário desde logo esclarecer. Puristas de uma e outra vertente dirão que são realidades bastante distintas, e não estão totalmente errados. De certo modo, os clubes, onde o house e o tech house são mais predominantes, existindo já antes das próprias raves, assimilaram estas culturas, deformando-as ou reinventando-as, dependendo do grau de purismo. De forma a clarificar esta confusão, diremos que uma rave pode acontecer num clube, enquanto um ambiente clubbing mais dificilmente se recria numa rave. Rave é, assim, um termo mais abrangente, o qual será utilizado ao longo de todo o texto, inclusive para nomear fenómenos clubbing.
1. O início
Não há um consenso relativamente à primeira rave ou ao aparecimento de uma cultura rave. Entre os que consideram que surgiu em Chicago com o movimento acid house, os que apontam para as festas de disco e house do Amnesia em Ibiza e os que começam a contagem a partir da abertura do Shoom em Londres. A resposta situa-se algures entre a segunda metade da década de 80. Este início é marcado por um espírito de rebeldia e contracultura marcadamente geracional e uma resposta à onda neoliberal encabeçada por Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Impulsionado pelos tablóides, o movimento ganhou, no Reino Unido, uma dimensão comparável ao punk na década anterior. Abertamente contra um hiperindividualismo por vezes predatório, estes jovens incorporaram nas festas os chamados valores PLUR: peace (paz), love (amor), unity (unidade), respect (respeito), os quais continuam a ser pilares da cena rave. Contrariamente ao habitual, em muitos casos, o álcool não estava disponível nas raves por ser uma droga potenciadora da violência – precisamente o oposto dos ideais estabelecidos. Quase paralelamente, a popularização do MDMA, vulgo ecstasy, coincidiu com a popularização das raves, o que tornou, até hoje, essa droga a preferencial entre os ravers, também por acentuar os valores PLUR.
Em Portugal, a onda acid aterrou em fevereiro de 1991, na anunciada ‘primeira house party em Portugal’, contando com os britânicos Adamski e Paul Oakenfold, recebidos pelo DJ Vibe – à época ainda com o nome artístico Tó – no Pavilhão Carlos Lopes e no dia seguinte na discoteca Cais 447, em Matosinhos. Numa ambiência mais rave e underground surgiram, dois meses depois, em simultâneo com a primeira edição da Moda Lisboa, as festas Xabregas 61, num armazém improvisado de cenário industrial. Estas raves, das quais começaram a despontar os nomes Tó Ricciardi e Rui Vargas, além de procurarem recriar as raves do Reino Unido, traziam alocadas os valores de resistência e protesto: no verão de 1990, o governo de Cavaco limitou vários espaços de diversão noturna, alegando ruído em horários inapropriados e falta de licenciamento, o que levou ao encerramento temporário do Kremlin e do Frágil. Tal como nos Estados Unidos – e posteriormente no Reino Unido – , também por cá o movimento encontrou bastante resistência por parte dos meios conservadores e institucionais, o que não o impediu de se consolidar, com maior ou menor dificuldade.
2. Ascensão e descrédito
De resto, a década de noventa continua a ser amplamente considerada como a década de ouro da música rave, ecossistema em que Portugal se inseriu. A certa altura, a popularidade do país levou mesmo a revista Musik a considerar Portugal um “paraíso” e uma “nova Ibiza”. A boa gastronomia, o clima quente, o público caloroso, a colaboração das autoridades no zelo pela segurança e a venda relativamente livre de álcool, tabaco e outras drogas eram os fatores apontados para tal epíteto. “Outros tempos, em que era tudo uma novidade.”, conta-nos Frank Maurel, um dos mais antigos DJs portugueses que está no ativo há 33 anos. Frank Ferreira, nascido em Paris e filho de portugueses, adotou (contra a sua vontade) o nome civil Franco quando se mudou para Portugal para viver com a avó na Póvoa de Lanhoso, então com 15 anos. Começou imediatamente a tocar na localidade, no Club Europa: “Foi onde aprendi a ler as pistas. Passei de tudo: rock, pop, comercial, mas na verdade só gostava de música de dança.” Após vencer um concurso de deejaying da DMC (Disco Mix Club), foi convidado, em 1992, a ser DJ residente do Rocks, clube de Gaia. “O único da zona do Porto que só passava eletrónica. Em Lisboa havia o Kremlin e o Alcântara-Mar, no Algarve o Locomia e o Kadok, e era isso que havia. Os outros espaços passavam eletrónica, mas também outros géneros.” As dificuldades, o amadorismo das equipas, os escassos recursos e o estigma eram muito vincados na época: “A eletrónica era um movimento novo em Portugal. Na altura os géneros mais dominantes eram o house, o techno e o garage com vocals. Aquilo foi agregador de outros movimentos: havia grupos de gays, lésbicas que se juntavam. As pessoas de fora diziam que era música para malucos, gays, drogados…, mas nós acreditávamos no movimento. As músicas eram de composição simples, mas tinham alma. Na maior parte dos casos, éramos nós que tínhamos de levar todo o material de casa, a mesa de mistura, os vinis, os pratos… e às vezes começamos a tocar e reparámos que as agulhas dos gira-discos estavam rompidas ou gastas.” Apesar das dificuldades naturais de quem se arrisca a ser pioneiro, só o Rocks recebeu por esta altura lendas da dance music como Jeff Mills, Richie Hawtin, Carl Cox, Josh Wink, Laurent Garnier ou Underworld – curiosamente todos ainda no ativo.
Esperava-se que esta explosão se aguentasse e viesse para ficar, alargando-se de forma paulatina a novos públicos; porém, tal não aconteceu. A estrela cadente dava sinais de quebra em 1997 aquando do Festival Neptunus, em Albufeira – o primeiro festival de música eletrónica realizado em Portugal. O evento não teve o retorno esperado, pelo contrário, provocou altos prejuízos. De acordo com o ensaio de Gabriel Feitor, “Portugal, afinal, não estava ainda preparado para o grande salto”. O fenómeno saiu do nicho fundador, mas não tanto como as altas expectativas colocadas. A “decadência progressiva” a partir de 1997 deveu-se, além de um público não fidelizado, à “falta de capacidade e experiência na organização de eventos”, ao consumo desmedido de drogas e aos cada vez mais frequentes “relatos de assaltos, agressões, violações”. Frank Maurel recorda: “Nos anos 2000 não havia limites. Podias fazer uma festa de 48 horas se quisesses. No norte havia grandes festas no Pacha Ofir e no Vaticano [em Barcelos] que só acabavam ao meio-dia. Esse excesso de permissividade levou a que começasse a surgir mau ambiente.” Esta versão é corroborada por Pedro Rodrigues (Amulador), DJ e proprietário da discoteca de techno Gare, no Porto: “Portugal viveu uma fase difícil, de grande carência, entre cerca de 1999 e 2006. Havia poucos promotores e os que havia estavam mais preocupados em fazer dinheiro de qualquer maneira, descurando a seleção à porta dos espaços. Nos anos 2000 era perigoso ir a uma festa. Criou-se um estigma. Ainda hoje estamos a pagar a fatura desse tempo. Felizmente, agora há uma nova geração com uma mentalidade diferente.” Musicalmente, também se assistiu a uma estagnação, principalmente do house, conforme refere Gustavo Pereira, DJ Gusta-vo, co-fundador e CEO do festival Neopop: “A partir de 2004, 2005, o house começou a ficar estagnado e refém de lógicas comerciais. Acabou por passar para uma onda mais minimal, que se estendeu ao techno mais tarde.” Opinião que é partilhada por Nuno Costa, DJ e produtor no coletivo Hayes, que assina com o alter ego Vil: “A linha old school é bastante rápida. Ouve os primeiros releases da Drumcode: muita influência de pista e a bater nos 140 bpm (batidas por minuto). A partir de 2003, o tech house baixou o ritmo para cerca de 120 bpm e ficou-se por aí durante muito tempo. Para se ter uma ideia, quando comecei a passar techno, se chegasse aos 130 bpm já era visto como um set de peak time e bastante rápido.”
3. Revitalização e consolidação
Ainda em passos de bebé e num processo demorado, algumas casas e promotoras foram tentando reinventar a realidade da música de dança em Portugal na segunda metade da década de 2000 e inícios da década seguinte. Os principais objetivos eram profissionalizar o nível da organização dos eventos, de forma a poder colocar Portugal novamente no mapa da dance scene europeia, assim como não dar razões aos detratores para prolongar por mais tempo o estigma de que as festas de house, e principalmente de techno, eram locais propícios a episódios de violência. O primeiro passo no sentido da profissionalização e credibilização foi dado em 2006 com o festival Anti-pop, mais tarde renomeado Neopop, que é hoje a referência no que diz respeito às promotoras de música eletrónica de dança.
Tudo começou algures em 2005, era Gustavo Pereira à época programador da discoteca Industria, situada na foz do Douro. Com contactos privilegiados para atrair grandes nomes internacionais e percebendo que não existia um festival de música eletrónica underground em Portugal, Gustavo, juntamente com Amulador e Raul Duro, tiveram “a ideia de fazer uma espécie de all-star do ano, misturando nomes já consagrados com novos talentos”, conta-nos Gustavo. “O Raul já tinha feito um evento no Forte de Santiago da Barra [onde ainda hoje se realiza o Neopop] e tinha contatos na Câmara Municipal de Viana do Castelo. Visitamos o espaço e todos nós gostamos, então, apesar de nenhum de nós ser de Viana, acabámos por decidir realizar o festival lá.” O crescimento foi gradual, mas lento, e até numa fase inicial com espaço para géneros musicais fora da música eletrónica: “A primeira edição teve apenas dois dias. Durante o dia tínhamos por exemplo reggae e outras músicas do mundo, e só à noite entrava a eletrónica, house e techno principalmente. Em termos de público começámos com uma média de 2000 pessoas.” Após três edições do Anti-pop, em 2009 o enquadramento conceptual do festival mudou, assim como os parceiros do evento: a Ofir Produções saiu de cena dando lugar a uma parceria entre a Connect Music (a agência de Gus-tavo, Amulador, Magazino e Miguel Rendeiro) e a Sonic Culture. De forma a marcar a mudança, o festival adquiriu o nome que ainda hoje perdura: Neopop. Ainda assim, em relação ao cartaz, as diferenças não foram drásticas face ao Anti-pop, apenas uma notória aposta continuada no minimal techno, a tendência da época. Apesar da consistência, a consolidação apareceria, mas não imediatamente. A perplexidade relativamente à reduzida afluência fica ilustrada nesta crónica da revista online Rua de Baixo sobre a edição de 2009: “O festival Neopop confirma o estatuto de melhor festival de música eletrónica em solo português, o pecado mora na afluência às bilheteiras pelo público. Apesar de relativamente mais composto que em edições anteriores, poucas são as justificações que se encontram para que um festival com um cartel de luxo como este não se equipare a alguns festivais de ‘nuestros hermanos’.” O preço do bilhete é acessível, a cidade de Viana do Castelo tem mil motivos para ser (re)visitada.”
Nesta altura, num universo mais indoor e underground, além do sempre consistente Lux, destacava-se a programação do também lisboeta Op Art – com convidados como Oxia, Boris Brejcha, Stephan Bodzin ou Joseph Capriati – ou do recém-fundado (2008) Gare, no Porto. Amulador lembra que “no início tinha um conceito diferente para o clube, em comparação com o atual. Trazia Ricardo Villalobos, Loco Dice, Laurent Garnier, grandes nomes com um grande cachet para um clube de pequena dimensão”.
Contudo, o grande fenómeno geracional da viragem da década não se deveu ao house nem ao techno, mas sim ao drum and bass, que colocou, na opinião de vários dos colaboradores desta reportagem, a cidade do Porto no lugar cimeiro da cena eletrónica nacional. Ficaram célebres as festas de drum no Gare, as organizadas pela Yellow-Stripe (ainda no ativo) e pela Kalimodjo (entretanto extinta), assim como as infames Therapy Sessions, realizadas no Hard Club. Daniel Sousa, raver e frequentador de discotecas, afirma mesmo que “o Porto ganhou uma identidade na cena eletrónica por causa das suas festas de drum and bass, ao ponto de virem pessoas de Lisboa de propósito para os eventos. O drum agarrou muito bem as pessoas, tanto que ainda hoje se lembra com saudade dessas festas. O Porto dominava na altura por causa do drum.” O impacto destas festas perdura até hoje, como veremos mais à frente nas novas tendências da música rave. Pode até dizer-se, de certo modo, que moldaram o tipo de raver da cidade e da região. ZXZX, DJ e produtor, considera que “no Porto as pessoas procuram algo mais obscuro”, opinião complementada por Gusta-vo: “O Porto tem uma maior abertura à novidade, assim como uma energia mais noturna. Há uma maior propensão para apreciar um estilo de música mais rápido e mais pesado.” Tal como aconteceu na viragem do século, o drum and bass viu o seu ciclo virtuoso esgotar-se à medida que as sonoridades iam ficando cada vez mais rápidas e violentas – novamente, relatos de assaltos e ambientes pouco convidativos começaram a ser mais comuns. Algures entre 2014 e 2015, o drum and bass voltou a ficar reduzido a um nicho de fãs fiéis que perduram até aos dias de hoje, mas longe de uma popularidade que chegou a desafiar a hegemonia do house e do techno – que, de resto, retomou logo de seguida.
Paralelamente à perda de força do drum and bass, um outro fenómeno ocorreu, de forma mais ou menos coincidente, embora sem uma relação de causa-efeito. Após uma autêntica febre de cerca de dois/ três anos, a cena EDM[1] (Electronic Dance Music), que encheu festivais e rádios por todo o país, começou a dar sinais de algum abrandamento natural, tal a intensidade vivida num período entre cerca de 2012 e 2014. O electro house e o progressive house europeu tão rapidamente invadiram a cultura popular e juvenil como perderam gás, abrindo espaço para o reaparecimento do deep house e o aparecimento do future house – géneros já de transição para o house e o techno, pilares da cultura rave.
É neste quadro que a marca Neopop se consolida. Em 2015, o festival introduz pela primeira vez um segundo palco, o Anti Stage, dedicado a apostas ousadas de artistas emergentes, nacionais ou internacionais – uma espécie de tubo de ensaio que, correndo bem, provavelmente levaria o artista em questão a tocar no palco principal do festival futuramente. Mais ou menos em simultâneo, começou a estender a sua programação a eventos ambulatórios durante o ano, fora do âmbito do festival: as chamadas ‘Neopop presents’, ora realizadas em discotecas (residências no Lux, Pacha Ofir, Gare e Industria), ora em espaços maiores como o Hard Club ou o Pavilhão Carlos Lopes. Gustavo explica que se tratou de um processo natural de expansão da marca: “Notámos que havia uma procura de eventos de música eletrónica underground durante o ano, não apenas no âmbito do festival. Notámos também que nos eventos que existiam, não existia um cuidado ao nível do espetáculo visual, organização, serviços ao cliente, que consideramos ser o merecido para o público. A profissionalização veio no sentido de suprimir esta falha.”
A dimensão que a Neopop atingiu, assim como o nível de profissionalismo, muito contribuiu para um processo de progressiva credibilização da cultura rave no seio de um público fã de outros géneros musicais. Com a credibilização veio a institucionalização e a massificação do produto, que abandonou por completo o rótulo de produto de nicho: eventos à tarde ou ao pôr do sol tornaram-se uma atração para um público mais permeável às modas, que dançava com o telemóvel em punho ao ritmo de um tech house melódico e alegre a rondar os 125 bpm. Só na última década, mencionando apenas alguns exemplos, assistiu-se a um crescimento acentuado da editora Fuse Records e as suas célebres matinés; à consolidação da LX Music como grande promotora capaz de ombrear com a Neopop (inclusivamente com o lançamento de um festival próprio em 2019); ao aparecimento de conceitos importados como o piquenique eletrónico (pela via do Brunch Electronik Lisboa) ou festas em locais históricos (Experience com eventos em armazéns, castelos, palácios, cais marítimos); e, ainda, num segmento de contracorrente, o Festival Forte – resistente a esta vaga de ‘house disfarçado de techno’ com uma proposta mais purista e com artistas que preferiam uma vertente mais industrial e crua, como por exemplo Ben Klock, Ellen Allien ou Oscar Mulero. Daniel Sousa, que chegou a frequentar o festival, afirma mesmo que “o Forte era o único exemplo de techno pesado que havia em Portugal, era mesmo para verdadeiros apreciadores”.
O alargamento da oferta e a popularidade, em especial do techno e da marca Neopop, lançaram, então, dentro da comunidade um debate interessante, porventura impossível de desbloquear. Onde começa e termina o underground? O que determina considerar algo underground ou não? O género musical? O modelo de negócio? A quantidade ou o tipo de público? O local onde os eventos se realizam? Até que ponto festivais como o Neopop, ou mais recentemente o Secret Project, não acabaram por se tornar uma espécie de EDP Beach Party do techno, abandonando forçosamente o espectro da cultura rave?
Enquanto muitos apreciadores de música eletrónica de dança se ocupavam na reflexão acerca da massificação dos eventos de house e techno e as suas consequências positivas e negativas, a pandemia da COVID-19 irrompeu e ditou, durante cerca de um ano e meio, o encerramento total de discotecas e a proibição de realização de festivais de música – que na prática acabou por boicotar dois anos de edições.
A idade das metamorfoses, que dá título ao álbum de estreia de I Hate Models, prodígio francês do techno rápido e industrial, estava a ser involuntariamente anunciada. Os sinais já notórios antes da pandemia só foram acentuados por esta mediante um confinamento violento que desafiou a nossa forma de estar e de pensar. Uma nova era do techno e da cultura rave emergiu e afirmou-se definitivamente a partir da reabertura de discotecas e festivais, desafiando a maneira de pensar a música eletrónica de dança outrora dominante. Em Portugal, apesar de não ser o epicentro, tem-se assistido a várias ondas de choque. Estaremos perante uma tentativa de revitalizar a cultura rave, ou apenas mais uma moda que procura substituir a anterior e capitalizar um produto em larga escala?
4. A retoma: um ponto de situação
4.1 Primeiras impressões
As perceções relativamente à reabertura dos espaços de diversão não foram unânimes. Inês Alegria, de 26 anos, habitual frequentadora de festas de música eletrónica, não notou diferenças, nem no ambiente, nem tipo de pessoas com quem se cruza nas pistas de dança: “Sinto que as pessoas não têm medo de sair. Há mais procura de eventos específicos, não tanto ir a uma discoteca por ir. Há eventos que agora se esgotam e antes não se esgotavam, como o Brunch Electronik. Há uma febre de ir a tudo, depois de tanto tempo fechados em casa.” Uma opinião bem diferente tem Dilen Magan, proprietário da discoteca/ espaço cultural Nada Temple, em Lisboa: “Noto que as pessoas têm medo ainda. Estão frustradas e amedrontadas. Penso que vêem a discoteca como uma forma de descarregar a sua raiva.”
4.2 A geração da velocidade
A pandemia veio ‘atrasar’ por quase dois anos as primeiras saídas a discotecas de uma nova geração, entre os 17 e os 20 anos, assim como, em oposição, confirmar o abandono das pistas de uma geração mais velha, na casa dos 30 anos. O corte geracional ficou visível a olho nu. Gracinda Magalhães, de 34 anos, raver assídua e criadora da label e promotora Réssonance, explica: “A malta da minha geração ou deixou de sair ou passou a frequentar eventos de dia. A pandemia marcou muito esta diferença entre a noite, dos jovens, e o dia, dos mais velhos.” E o que procuram estes jovens, musicalmente falando? Essencialmente duas coisas: vigor e velocidade. “Quando fazia festas da Réssonance, notava que, quanto mais ‘potente’ o som, mais adesão havia. O Frank Maurel e o Serginho chegaram a dizer-me que a malta mais nova lhes pedia que tocassem ainda mais potente, mais rápido”, acrescenta. O papel das redes sociais e da produção de conteúdos foi decisivo. Durante o confinamento, o público, impedido de dançar, teve a possibilidade de conhecer os DJ e produtores na sua intimidade como nunca antes, a tocar ou a produzir música enquanto não podiam atuar. Se a isso juntarmos os pequenos vídeos de raves que foram viralizando, a própria dinâmica ávida e veloz das redes sociais (em especial o Tik Tok) e a ânsia desmedida de voltar a pisar uma pista – ou fazê-lo pela primeira vez- , temos os ingredientes necessários para uma tempestade perfeita.
4.3 Desafios do lado da oferta
Embora essa vertente do techno mais agressivo, de certo modo, sempre tenha existido ao longo do tempo, só a partir da retoma parece ter encontrado em Portugal um público consistente e, sobretudo, numeroso. O que antes ocupava uma ponta do espectro da música de rave já no limiar do hardcore para algun,, deslocou-se para um território mais central, mesmo popular. Só assim se explicam as enchentes no Hard Club e no Pavilhão Carlos Lopes aquando das atuações recentes de I Hate Models, Kobosil, Shlømo e Dax J, algumas das principais referências deste subgénero de techno. Não havia muitas dúvidas de que seriam capazes de atrair público suficiente para eventos em espaços maiores, até porque já o faziam no estrangeiro. A dúvida era se seriam capazes de o fazer também em Portugal, um país onde as correntes mais pesadas e velozes nunca haviam saído de um nicho; até hoje. Esta mudança é saudada por Rui Mendes, de 20 anos, um dos casos de jovens que só verdadeiramente começaram a frequentar raves agora, a partir da retoma: “Estes eventos mais virados para o techno ácido, industrial e rápido vieram preencher um vazio que existia na oferta em Portugal. Não havia uma zona intermédia entre o tech house de fim de tarde ou mesmo um techno melódico, que para mim já é um pouco aborrecido e lento, e uma linha super musculada, repetitiva e ‘feia’ de uma Fatima Hajji ou uma Fernanda Martins, que são hardtechno puro sem grandes nuances.”
Ainda assim, enquanto frequentador de eventos essencialmente no Porto, gostava que houvesse mais oferta: “Desde a retoma, que já foi há nove meses, fui a todos os eventos de techno industrial na cidade, e todos foram uns cinco.” Talvez por ser um raver mais experiente, Daniel Sousa, que o costuma acompanhar em algumas incursões, relativiza a questão: “Artistas como NineTimesNine, SNTS ou o showcase da HEX eram coisas completamente impensáveis há uns anos no Porto. Tinha anos em que vinha o Ben Klock ao Gare no dia de Natal e era a festa do ano.” Ainda assim, ambos concordam que Lisboa tem neste momento uma oferta mais diversa e volumosa: “Só em Lisboa tens opção de subgéneros. Se queres house, vais ao Lux, se queres tech house ou techno, vais ao Kremlin, se queres hard techno, vais ao Nada Temple”, remata Rui. A pandemia acentuou uma tendência crónica de centralização cultural, onde a cultura rave se insere. Vil, um habitué pelas casas de todo o país, confirma: “Há algum declínio na música eletrónica fora de Porto e Lisboa. Nota-se menos afluência. Inclusivamente os promotores chegam a perder algum dinheiro.”
4.4 A estratégia das discotecas: mesmo objetivo, visões diferentes
Se o encerramento longo e duro das discotecas já por si só seria um desafio enorme para os proprietários, o aparecimento de novos públicos e a alteração das suas necessidades obrigou os espaços a repensarem as suas curadorias, sob pena de, numa altura crítica, ficarem para trás. Por um lado, a nova geração é um mercado apetecível para moldar, educar e capitalizar, ao sabor das novas tendências. Por outro, fidelizar e sedimentar um conceito, a médio prazo, pode trazer resultados mais satisfatórios. O que pensam os empresários?
Dilen Magan parece mais apostado nesta vertente nova, rápida e violenta. Muito próximo da promotora Disturb, o Nada tem recebido regularmente eventos da mesma, com destaque para a Tvrbølence: fast, heavy & hard, que acolheu recentemente nomes como Parfait, Nico Moreno ou Sara Landry. Os objetivos são claros: renovar a curadoria, apostar em talento jovem e fugir aos nomes óbvios: “O confinamento fez surgir uma nova geração de DJs e produtores que encarnam na sua música a prisão que sentiram durante a pandemia – apostam num estilo violento, próximo do hard techno, como revolta e descarga de energia perante esse período. Infelizmente, há um sistema corrupto na noite: quase só se aposta no que dá dinheiro. Em Portugal, vive-se muito de modas. Se dá dinheiro trazer a Nina Kraviz ou o Solomun, é isso que vão fazer. Neste momento, para mim, esses nomes são apenas pop; com a agravante de que a Câmara Municipal também só apoia quem já é conhecido. Temos uma cultura eletrónica ainda pobre e ignorante.” A partir do lema “minority of everyone”, o Nada assume-se como um espaço eclético na arte digital que procura um caminho próprio na música eletrónica, mas não só. No espaço é possível apreciar uma galeria de arte contemporânea, com ilustrações e pinturas, além do NadaLAB, um projeto dedicado à arte digital. A inflação na sequência da guerra na Ucrânia criou novas dificuldades: “O aluguer de material triplicou de valor e os apoios do Estado são reduzidos ou nulos. Ainda assim, recentemente, gastámos 200 mil euros num novo sistema de som, para melhorar a experiência do público e dos DJs.”
Mais a norte, perto de Barcelos, despontou um espaço que tem revolucionado a oferta de música techno no norte do país: o Gate13. Aberto desde outubro de 2019 e reaberto desde outubro de 2021, o espaço resulta de uma parceria entre Carlos Arezes, antigo proprietário do célebre Vaticano, e Lewis Fautzi, DJ e produtor português de renome internacional. Com uma programação marcadamente de techno e hard techno, semelhante à do Nada, só nos últimos meses recebeu nomes como Shdw & Obscure Shape, Køzløv, Wndrlst, Øtta ou Charlie Sparks – os três últimos em noite de entrada livre –, algo raro, uma vez que falamos de artistas de dimensão internacional. Porém, garante Arezes, nunca essa estratégia saiu furada: “Só com os consumos as pessoas acabam por “pagar” indiretamente a free entry. O psicológico muda quando não pagas a entrada. Se calhar, em vez de comprar no bar uma água ou uma cerveja, a pessoa compra um whisky. A casa nunca perdeu dinheiro em nenhuma noite de entrada livre até agora.” A ideia parece ser transformar o Gate num local de culto semanal, independentemente da proposta do clube: “Queremos que as pessoas venham e voltem, mas não as queremos sobrecarregar, muito menos nesta altura dos festivais de verão. Temos noção de que não é qualquer pessoa que pode dar dez ou quinze euros por semana, mais consumos, para se divertir.” Sobre o estado da cena techno, partilha da opinião de Dilen: “O techno, na minha opinião, não está bem. Toda a gente quer fazer noites de techno quando se vêem com mais dificuldades de tesouraria. Depois as casas e mesmo os próprios DJs queimam-se a si mesmos, porque não há qualquer credibilidade. Casos como o Pacha Ofir e o Pedra do Couto são exemplificativos: têm grandes eventos de techno, mas fazem de tudo um pouco. Não assumem a sua identidade. Mesmo no Neopop, por exemplo, já só vou ao palco secundário; o principal não me interessa. Sou empresário, entendo a lógica comercial, mas não acho que faça sentido trazer uma Peggy Gou, que já não tem nada a ver com o underground e o techno.”
Nem todos estão igualmente entusiasmados com esta nova vaga de techno. Num sentido marcadamente diferente está a programação do Gare, no Porto. Apesar de dar espaço a essa corrente de techno, não tem esquecido as origens do clube, ligado às noites de drum and bass; ao techno minimal e hipnótico; e ao lançamento e consolidação de artistas nacionais. Amulador reconhece que a visão para o presente e futuro do clube não sofreu alterações significativas na retoma, apenas se acentuou a necessidade de perseguir os objetivos anteriormente traçados: “Nos últimos cinco anos, tenho tentado essencialmente fidelizar clientes, através de uma eletrónica mais introspetiva – a deep techno. Com a reabertura e devido às dificuldades, seria muito fácil para mim programar noites comerciais, mas decidi continuar a fazer as coisas para um nicho. O ideal era haver outros clubes da dimensão do Gare na cidade, com visões diferentes, a procurar outros nichos. Infelizmente, a maior parte dos clubes quer agradar a todos. Isso foi um problema para o Gare: trazíamos (artistas) internacionais que enchiam a casa e depois os nacionais tocavam para 30 ou 40 pessoas. E mesmo esses internacionais, muitas vezes, não estavam motivados para fazer um bom trabalho. A pandemia só solidificou mais a ideia de trazer talento nacional e público jovem. No passado, já participámos em guerras de bookings por artistas, o que levava a cachês inflacionadíssimos. Neste momento, o Gare põe-se à parte dessas lutas.”
4.4.1 Possession: porta do futuro ou castelo de cartas?
Na senda de uma nova cultura rave mais interessada na libertação, na energia e na velocidade, foi comum a vários dos entrevistados um nome: Possession. Trata-se de um coletivo de techno parisiense fundado em 2015, liderado por Mathilda e Anne-Claire. No seu manifesto, lê-se: “As bolhas de poesia que criamos nas nossas festas são uma necessidade no ambiente cada vez mais duro e normativo das nossas vidas quotidianas” [tradução livre]. Entre os valores fundadores, estavam o pendor profundamente libertário, inflamatório, feminista, diverso e queer. Mathilda, de resto, numa videoreportagem da Mixmag, assume que a génese fundadora da Possession era criar espaços seguros para a comunidade LGBTQIA+. Desde então, o fenómeno escalou até atingir proporções internacionais – brevemente, chegará a Portugal uma festa Possession pela mão do Brunch Electronik Lisboa. O que começou com pequenas festas para menos de mil pessoas nas discotecas Concrete ou Gibus deixou de ser possível conter em espaços tão pequenos, passando para armazéns abandonados, adegas ou estúdios de cinema; nalguns casos, na periferia de Paris. Sem uma tradição de techno forte – contrariamente a cidades como Berlim, Londres ou Detroit, Paris deve mais à eletrónica melódica e ao french house –, a Possession teve o caminho relativamente facilitado para expandir o seu conceito ao som da EBM (electronic body music), acid techno, industrial techno e hardcore, acelerando as batidas, tal como nas raves dos anos 90, às quais não escondem ir buscar inspiração.
A grande questão que se coloca não é já o impacto indiscutível que o fenómeno Possession tem na rave scene europeia, mas sim se esse impacto possui sedimentação suficiente para se assumir como um marco na história da música eletrónica. As dúvidas multiplicam-se. Vil não se mostra entusiasmado: “A Possession é uma forma bonita de estragar ouvidos. Não tem groove, não tem alma, não tem baseline, não tem swings. Só kicks distorcidos e drops. É a Drumcode do techno pesado. Já é comercial para massas. Não é verdadeiramente underground. Vivemos no tempo do hard techno, do hard trance, do hardcore, do hard tudo.” Não consegue prever se estas sonoridades vieram para ficar, mas garante que os clubes ficam: “A Possession equivale a festas ambulatórias em armazéns. Se esse género de som morrer, o disco, o house e o techno vão dar a volta, porque são pilares. O som Possession não é um pilar; é uma moda. A moda agora é reviver os anos 90, não só na música – repara que as roupas estão mais largas outra vez. São ciclos. Desde 2001 até hoje, ninguém subiu os bpm: ou mantiveram ou baixaram. Algum dia tinha de acontecer e, tal como a onda oldschool, voltamos a tocar rápido.” A mesma cautela apresenta Amulador na sua curadoria: “No Gare, tivémos recentemente NineTimesNine e o showcase da HEX, que são sons do género da Possession. Mas não acho que tenha grande futuro. Podia usar a fórmula Possession: ia ter rentabilidade durante dois anos e depois rebentava. Percebo que os miúdos agora achem uma piada do caraças aos bpm altos (risos), mas no Gare tenho as portas fechadas a isso.” Já Frank Maurel relativiza mais e acredita que deve haver espaço para todos: “Os jovens pedem música mais pesada e agressiva, mais hardtechno. Fartaram-se de um techno lento; acham chato. Se querem mais rápido, eu também sei tocar rápido. A diversidade é o mais importante e o Gate é um clube quase exclusivamente dedicado ao techno industrial. É um exemplo de como pode haver oferta variada: têm desde o techno normalíssimo (a 135 bpm) ao hardtechno.”
4.5 Uma nova geração nas cabines
Ornella Luz tem 24 anos, é de Lisboa e é DJ residente no Kremlin. Há três anos, através de formações de deejaying da LXMusic, aprendeu a mixar e a produzir. Ligada à Plastik Galaxy, editora responsável pela curadoria do Kremlin, é uma das líderes de uma nova geração de DJs nacionais que procuram o seu espaço entre o techno e o hardtechno. Recentemente, iniciou a sua expansão além-fronteiras, com uma passagem por Itália – e mais estão a caminho. Apesar de se ter iniciado no registo mais padrão da casa lisboeta, rapidamente percebeu que era necessária outra abordagem: “A maioria das pessoas na casa dos 30 anos gosta de um techno mais lento e hipnótico. A geração mais nova é diferente: quer algo mais dinâmico e interativo. Foi através da internet que nós, jovens, descobrimos coisas que não sabíamos que existiam e que tinham existido, como é o caso do techno mais pesado. No meu primeiro ano, antes da pandemia, só tocava tech house, mas percebi que havia uma ausência de oferta de hardtechno. Acabei por ser eu a revolucionar o techno no Kremlin.” Ainda assim, defende que há um longo caminho pela frente: “Os estrangeiros ajudam, mas ainda há falta de cultura techno em Portugal. Por exemplo, há malta que confunde hard techno com tech house de bpm alto. Além disso, ainda há o problema de haver muita malta que tanto vai às discotecas comerciais como às de techno. O techno é uma terapia, uma coisa intimista. Há certos públicos que não interessam. Não gosto de quando o público está tipo morto-vivo. O público de que eu gosto é o público que interage.”
No norte, o nome de Raul de Almeida, 28 anos, tem ficado na retina, nos tempos mais recentes. Natural de Gondomar, ZXZX, como é conhecido, produz desde 2016, mas só subiu ao palco pela primeira vez em 2020. Nos seus sets, prima por um techno industrial, com kicks duros e profundos, e, de vez em quando, por uma bassline harmónica (ainda que sempre crua). Recentemente, tocou nas Naked Sessions em Faro, partilhou cabine com Køzløv no Gate13, e tem presença confirmada no festival da label lisboeta Waxxel, em agosto. ZXZX não encontra, à primeira vista, uma relação profunda entre o confinamento e a nova vaga de techno: “As pessoas procuram um techno mais violento porque a música é algo cíclico. O Klangkuenstler só toca praticamente músicas de 2004 para trás. Se ouvires um set do Sven Väth de 1999, reparas que se assemelha muito ao que está a voltar a ser tendência agora. As pessoas que vão ao Nada Temple são, em princípio, mais jovens do que as que vão aos eventos da Fuse.” A internet também teve a sua quota parte de influência: “Em casa, as pessoas aperceberam-se melhor no que consistem os trabalhos de DJ e de produtor. Passaram a ter junto dos fãs uma camada de personalidade, além do talento musical em si. Isso fez com que os DJs ganhassem mais prestígio e com que a procura de eventos personalizados aumentasse, porque determinado artista vai atuar em determinado sítio. Antigamente, era muito mais comum ir-se a uma discoteca apenas pelo ambiente.”
Da calorosa e intensa cidade de Buenos Aires, aterrou no Porto, há cerca de um ano, Leandro Zeballos Castroagudin, de 27 anos. Række, como assina atualmente as suas produções, considera-se “50% produtor e 50% DJ”. Portugal é a sua segunda aventura longe da terra-natal. Em setembro de 2020, Leandro partiu para a Europa, onde considera “haver mais oportunidades do que na Argentina”, rumo à Dinamarca. Na altura, ainda se apresentava com o seu antigo alter ego, Zalem, ligado ao subgénero do techno hipnótico. Pouco antes de partir para a Escandinávia, lançou a sua editora, a Imminent Records. Desde 25 de junho de 2020, conta com 14 lançamentos e, em breve, terá pela primeira vez produtores portugueses com a chancela Imminent. Atento às sonoridades de hardtechno e trance, que o próprio explora atualmente, Række não descarta acolher outras vertentes na sua label: “A música está a repetir os anos 90 e 2000, onde o hardtechno e o trance eram fortes. No entanto, para a Imminent, apenas procuro talento puro, onde quer que ele esteja.” Após um ano a angariar contactos e a adaptar-se à cena techno portuguesa, tem marcada a primeira aparição em Portugal, como DJ, para o próximo dia 6 de agosto, num evento da editora e promotora Waxxel. Inspirado na influência de Buenos Aires, Leandro considera-se um purista dos clubes; na sua opinião, mais próximos da verdadeira cultura underground. Encontra, ainda assim, semelhanças entre Portugal e a Argentina: “Musicalmente, Portugal é parecido com a Argentina. Há muito techno hipnótico; o Porto está muito dentro dessa onda, mas considero que se arrisca pouco. O Gare podia arriscar mais. Na Argentina, o Dax J tocou sete horas num clube pequeno. À partida, podia pensar-se que era impossível, mas é tudo uma questão de ter ambição e de negociar. Nesse ponto, gosto mais do Gate13, que me lembra o Under Club, um dos clubes de techno mais conceituados de Buenos Aires. Essa aversão ao risco não faz sentido. Repara na atuação do Kobosil no Hard Club: é um registo mais pesado e esgotou. O público quer mais disso.” Quanto ao futuro da cena techno em Portugal, mostra-se confiante, mas deixa um reparo: “Sinto que os DJs são um bocado explorados e, deixados à sua mercê, têm de crescer por si. Mas há muitos jovens produtores portugueses com um grande futuro – a Ornella e a Øtta, por exemplo. Há bons eventos fora do Porto, como a RSJ em Guimarães ou as Dark Sessions em Braga; e o público tem sangue quente, como na Argentina.” As condições, aparentemente, existem. Por fim, Ræekke deixa duas sugestões: “Os clubes deviam apostar num maior número de DJs residentes, e acho que deveriam ser sempre os grandes nomes a fechar as noites.”
4.6 Promotoras emergentes: Berlim e Paris ao virar da esquina
Nico Reichert (Le Skyy) é um DJ brasileiro de 21 anos com costela alemã. Em agosto de 2020, mudou-se para Portugal para a sua segunda experiência no país (já cá tinha morado entre 2013 e 2017 com a mãe). O primeiro contacto com a música eletrónica foi, pode dizer-se, tardio: “O primeiro festival a que fui foi o Lollapalooza. Fiquei super impressionado com a vibe feliz das pessoas a curtir a música. Desde então, comecei a pensar na ideia de organizar os meus próprios eventos.” E assim foi. Em plena pandemia, com as discotecas encerradas e com os festivais adiados, nasceram na periferia de Lisboa as festas Deep Motiøn. A influência das raves de Berlim é notória: o cenário minimal e purista, a proximidade entre o DJ e o público, o sistema de som, as cervejas frescas e a vontade de dançar. Não é preciso muito para fazer uma rave acontecer. Nico conta-nos como foram os primeiros passos do projeto: “Tentei usar a COVID como uma vantagem, já que os clubes estavam fechados, mas as pessoas queriam divertir-se. Organizei o primeiro evento Deep Motiøn numa floresta em Carcavelos, para 15 pessoas, e um segundo evento para 30. Correram bem, mas o sistema de som era muito ruim. Na passagem de ano de 2020 para 2021 organizei outra festa. Tinha grandes expectativas, mas foi um fracasso.” Nessa altura, percebeu que o projeto tinha potencial, mas que não poderia ser alcançado a solo: “Estive quatro meses parado, a repensar tudo. Para a primeira festa de 2021 usei outros métodos. Juntei-me com um amigo e recrutamos mais pessoas. Fizemos essa festa numa fábrica abandonada em Alcabideche. Explodiu completamente, com 300 pessoas, muito mais do que esperávamos ter, mas tivemos problemas com a polícia e paguei uma multa de 200 euros.” Esse susto não fez Nico abrandar. A relação com as autoridades veio a revelar-se um assunto sensível, mais à frente: “Continuamos a fazer festas, desta vez na praia, e vinha cada vez mais gente. Até que, numa delas, apreenderam três mil euros em equipamento. Foi um murro na cara; sem dúvida a fase mais fraca do projeto. Depois disso estive cinco meses sem fazer nada. Em novembro passado, voltamos a fazer uma festa, desta vez no meio do Monsanto, com algum receio, porque a polícia estava muito perto do local. Foi uma aventura, mas deu tudo certo, tivemos umas 150 pessoas. Depois dessa festa decidi tornar as coisas mais oficiais: criei uma página de Instagram para o projeto. Desde então, realizei mais quatro festas, com cerca de 300 pessoas em cada uma.” No dia 9 de julho, a Deep Motiøn realizou o primeiro evento oficial, na Garagem Lisboa, junto ao Jardim 9 de abril: entrada livre, dez horas de rave. A escolha do local não pareceu ter sido ao acaso. O facto de, desta vez, se ter tratado de uma festa oficial, não retirou o imaginário berlinense que Nico sempre idealiza para as suas festas: um armazém de estilo retro, amplo e alto, janelas e paredes grossas, luz escassa. No palco, o hardgroove veloz e grave ressoava por todo o edifício e contaminava de energia os ravers. Alguns resistiram firmes na frontline, outros iam circulando entre a pista e uma pequena zona no exterior do armazém, onde se podia fazer uma pausa no bailado com uma vista privilegiada para as Docas de Lisboa. Quanto à organização, um caso em que a simplicidade é, por vezes, a melhor receita: pulseira para entrar e sair do recinto à vontade; luzes vermelhas fixas na direção da pista; opções seguras nas bebidas (água, refrigerante, Red Bull, cerveja, uísque); sistema de som sólido; simpatia e descontração do staff. Nada de lasers, copos com desenhos, revistas abusivas, malas e mochilas, empresas de segurança privada e outras lateralidades: entrar numa festa Deep Motiøn é entrar numa rave despida até ao osso, onde se percebe o que é verdadeiramente essencial. Embora com naturais ambições de crescimento, Nico não quer deixar cair a sua origem: o movimento underground. No curto prazo o plano é continuar a organizar eventos oficiais, mas não descarta a possibilidade de voltar, por vezes, ao modelo anterior: “Podia apenas ter festas em clubes ou espaços ‘certinhos’, mas queria algo diferente em Lisboa. Faltavam estas raves em lugares abandonados ou com uma vista sensacional. Mesmo nos eventos oficiais, a ideia é recriar e imitar o ambiente das primeiras festas. As pessoas atraem-se pelas coisas clandestinas, porque a génese do techno é dançar em armazéns ou em bunkers.”
Jéssica Gabriel tem 25 anos e é fotógrafa e videomaker no Posh Club Lisbon, uma discoteca LGBT friendly, há quatro anos. Aficionada pelo drum and bass e pelo hardtechno desde tenra idade, fundou no início deste ano, juntamente com Eduardo Mota, a Cøde. Um autêntico caso de estudo pelo sucesso meteórico, que já chamou a atenção dos promotores do Neopop e do Secret Project. A Cøde, nome inspirado na linguagem HTML, é, mais do que uma festa, um conceito. Na apresentação e execução, é em tudo semelhante às festas da Possession, algo que Jéssica não esconde: comunicação convidativa à comunidade LGBTQIA+; flyers de estética futurista; capricho no espetáculo de luzes, com lasers e muita cor e, musicalmente, a agressividade crescente até ao delírio final, sempre com os bpm a subir, começando no techno, passando pelo hard techno e culminando no hardcore. O RCA Club, em Alvalade, tem sido o ponto de encontro, mas a marca já expandiu para fora de Lisboa, com a primeira festa Cøde no Porto, no Hard Club, a 9 de julho. Para Jéssica, a Cøde é um cruzamento de dois mundos que não deveriam estar separados: “Desde os 16 anos que vou a festas. Comecei com drum and bass e depois hard techno; uma coisa em que reparava é que não se via gays nessas festas. Antigamente, o ambiente era bastante hétero e pesado. Na Cøde queremos que toda a gente esteja à vontade para se apresentar como quiser e temos o cuidado de comunicar isso expressamente. Antes tinha amigos gays que não iam a festas por medo de sofrerem de homofobia. Uma prova de que o trabalho está a ser bem feito é que, pela primeira vez, uma produtora de hardtechno foi convidada a estar presente em celebrações do Pride Month. Nunca tinha acontecido.” Ao mesmo tempo que tenta abrir caminho para um futuro mais inclusivo, Jéssica não esquece as boas influências do passado: “Acho que entrei na altura certa. Antigamente eu era cliente de festas do género da Cøde. Depois quase deixou de haver festas de hardtechno. Encontro nas minhas festas, tanto público da velha guarda, como jovens que nunca tinham ido a uma rave. O hardtechno está a voltar. Outra grande influência é o drum and bass. Aliás, já passei drum numa festa e não descarto voltar a fazê-lo.” Como se de uma maestrina se tratasse, todos os processos têm o dedo de Jéssica – dos flyers aos vídeos, passando pelo contacto com o público, a divulgação na rua, a decoração do espaço, o espetáculo de luzes… e nem os DJ sets escapam ao seu cunho pessoal: “Dou um briefing prévio aos DJs para o que pretendo na festa e vou construindo o set com eles, vão-me mostrando o processo para ir dando feedback. Peço sempre para serem o mais agressivos possível. Normalmente eles queixam-se de que as discotecas lhes pedem para ser menos agressivos. Aqui é ao contrário.” Para já, o próximo passo é conquistar o público da cidade invicta. Ainda assim, a primeira festa foi, pode dizer-se, tímida. Talvez um espaço tão grande como o Hard Club não tenha sido a escolha apropriada para um público ainda por fidelizar. Com tanto espaço para cobrir e sem público suficiente para o preencher (cerca de 250 pessoas), o ambiente de rave ficou circunscrito à frontline, e o som teve dificuldades em propagar-se pela sala. Ainda assim, ficou na retina o cuidado com os detalhes, em duas situações: o espetáculo de lasers, sincronizado com a música e personalizado em termos estéticos, bastante mais ambicioso do que a maioria dos espetáculos de luzes que habitualmente se vêem numa discoteca que não passam das sequências básicas e a preocupação com o bem-estar do público, expressa quando a organização foi praticamente pessoa a pessoa pedir desculpa por uma alteração de última hora na ordem das atuações, explicando os motivos. Jéssica ficou satisfeita com o resultado, mas reconheceu que “a malta do Porto estava mais contida. Em Lisboa as pessoas chegam a gritar de tanta euforia. Não houve tanta gritaria. Acho que estavam ainda a analisar tudo.” Quanto ao futuro, a ambição passa por conquistar a Europa: “Penso expandir-me para outros países; Berlim, Paris e Madrid são sítios para onde quero levar a Cøde. A ideia é permitir que labels de outros países toquem comigo em Portugal, para que nos ajudem a tocar lá.” Aos ravers, deixa um aviso: “Ainda não cheguei ao meu limite. Na última festa acabei a bater nos 210 bpm. Mas quero mais, quero chegar até aos 240 bpm. E depois não passo daí também, porque quero que as pessoas voltem, não quero que fiquem esquizofrénicas.”
4.7 Institucionalização da cultura rave: encruzilhadas do presente e do futuro
Um dos maiores debates que assolam a comunidade rave, em Portugal e não só, tem a ver com o fenómeno de democratização e popularização da música techno e dos próprios eventos. O que surgiu nos anos 80 como um movimento cultural e político de nicho, tendo em vista acolher os ‘incompreendidos’, foi-se tornando um pilar da própria indústria cultural de muitos países. Inclusivamente, na Alemanha, os clubes foram declarados instituições culturais, com o mesmo estatuto que as óperas, teatros ou museus. Paralelamente, festivais de música eletrónica underground, como Awakenings ou Time Warp na Europa e Neopop em Portugal, expandiram o seu mercado para um público menos criterioso e exigente, mais volátil às modas da indústria musical. Como sempre acontece nestas situações, erguem-se trincheiras: entre os puristas da génese do movimento e os que saúdam a sua expansão para fora do nicho inicial. Por um lado, a massificação atrai um público padrão, não identificado com a forma de estar e de pensar do movimento, que pode a qualquer momento seguir outra moda e, além disso, ‘contaminar’ o ambiente dos eventos. Por outro lado, esta popularização permite divulgar e promover os valores em que assenta a cultura rave numa larga escala, educar novos públicos e fazer com que a comunidade cresça. Deste modo, o que está em discussão é na verdade em que consiste, hoje, a cultura rave, e quem possui autoridade para determinar uma definição estanque. Gracinda Magalhães, a propósito do crescimento do festival Neopop, defende que “a partir de uma certa é difícil ser-se purista, porque a coisa torna-se maior do que tu”. Já Rui Mendes acredita que há certos limites que devem ser preservados: “Vivemos na geração dos posers e dos wannabes, há pessoas que só querem fazer stories para dizer que foram a uma rave e não estão realmente identificadas. E depois os próprios eventos muitas vezes alinham nessa lógica. Soube, por exemplo, que uma festa do Experience, não sei precisar se foi uma ou várias, pediu dress code ao público. Dress code. Numa festa de techno.”
4.7.1 Dois casos práticos
Há cerca de três meses, o Gare introduziu uma inovação na casa: à entrada é colocado no telemóvel de cada cliente um autocolante para tapar a câmara. O objetivo é muito claro e conhecido: as raves são para dançar, não para filmar. No entanto, a questão é controversa. Há quem defenda que é positivo (de forma saudável e sem utilizar flash) captar fotografias ou vídeos de forma a ter recordações do momento. E há ainda os que alegam o direito a filmar para denunciar alguma situação anómala que ocorra dentro do espaço, como por exemplo casos de violência. Amulador recorda que a medida já vinha sendo pensada e visa essencialmente proteger os artistas: “O Gare é um clube pequeno. Já há algum tempo que os DJs se queixavam que o público dança pouco e tira muitas fotos. Quando trazíamos convidados internacionais era ainda mais notório: as pessoas já quase só filmavam, não dançavam.” Dilen Magan do Nada Temple não considera o argumento suficientemente convincente: “Acho que é apenas uma campanha de marketing. O Gare não é o Berghain, por muito que tente ser. Não vejo quaisquer benefícios na medida. Se as pessoas querem filmar para ter uma memória da noite, não vejo onde está o problema.”
Outro caso que tem dividido a comunidade rave, neste caso à escala global, é o conflito aparentemente insanável entre a DJ ucraniana Nastia e a DJ russa Nina Kraviz, a propósito da guerra em curso na Ucrânia. Outrora amigas, encontram-se de momento de costas voltadas. A razão? Nina tem-se mostrado, ao longo dos anos, apoiante do regime de Vladimir Putin, e desde o início do conflito ainda não apresentou publicamente qualquer posição sobre a guerra – à exceção de um post nas redes sociais com a palavra ‘paz’ escrita em russo, o que foi entendido por parte de muitos fãs como uma provocação. Perante uma artista de renome internacional, uma das referências da música techno e uma das caras da indústria, mas que se identifica com um regime autoritário, o que fazer? O que deve prevalecer? O talento intrínseco de Nina e a sua capacidade de atrair multidões, ou os valores fundadores do movimento, onde se incluem a paz e o respeito pelo próximo? Para Daniel Sousa, não há dúvidas de que, apesar de, por princípio, não ser partidário da cancel culture, este é um caso muito particular: “Se houver algum evento em que a Nina vá tocar, não vou comparecer. Há alturas em que não podes não falar. Se não falas agora, numa guerra, quando é que vais falar? Ninguém a condena por ser russa, mas por ser pró-Putin. A cultura e a política sempre estiveram ligadas e o techno sempre foi um refúgio para os deslocados. A Nastia cancelou a sua presença no Awakenings [recusa-se a participar em qualquer evento em que Nina atue] e a organização não se pronunciou. Ficou-lhes mal. O meu cordão sanitário não é a malta que vai de camisa branca e balão de gin, mas a que não compreende que, historicamente, o techno preza pela agregação e pela empatia. Esperava mais reação do público, no mínimo não aparecer num palco em que a Nina tocasse. Simplesmente não podes isentar a política de um movimento que é, na sua origem, de contracultura.” Por seu turno, Gustavo Pereira não acredita que haja uma interseção entre as duas coisas. De resto, Nina Kraviz é presença confirmada no Neopop, a 11 de agosto, no palco principal. Questionado sobre como atuar nestes casos, foi sucinto: “Nunca vi a Nina manifestar-se a favor da guerra, bem pelo contrário. Acho que tem sido uma manobra feia para a denegrir e boicotar. Nós somos contra a guerra, obviamente, mas não há provas de que ela a apoia. Não tenho conhecimento suficiente sobre o tema, então acho que não devo opinar. Não devemos criar guerras paralelas. A Nina nem vive na Rússia. Acho que a comunidade artística tem uma expressão própria. No cartaz deste ano do Neopop temos artistas ucranianos que aceitaram atuar, mesmo sabendo que a Nina vai estar presente. É um não-assunto.”
Nota de agradecimento especial à Joana Silva e à Diana Silva: apesar de não terem participado nos depoimentos, sem elas, esta reportagem não seria possível.
Fonte da capa: Unsplash (Maksim Zhashkevych)
Artigo revisto por Adriana Vicente, Ana Sofia Cunha, Miguel Tomás e Andreia Custódio
[1] De acordo com a definição de rave explicitada no início desta reportagem, impõe-se a ressalva de que a cultura EDM é uma cultura paralela e não inserida na cultura rave – contudo, não é naturalmente um apontamento factual. Pelas suas características, géneros musicais predominantes, ambientes dos eventos, tipos de público e modelo de negócio, o autor desta reportagem não abarca a EDM dentro da cultura rave, ainda que, numa aceção literal e distanciada, se trate efetivamente de música eletrónica de dança. Fica o apontamento, para não gerar equívocos.
AUTORIA
Um indivíduo que o relembra, leitor, de que os livros e as opiniões são como o bolo-rei: têm a relevância que se lhe quiser dar. O seu maior talento é insistir em fazer coisas que não servem para nada: desde uma licenciatura em literatura luso-alemã, passando por poemas de qualidade mediana, rabiscos de táticas de futebol (um bizarro guilty pleasure) ou ensaios filosofico-autobiográficos, sem que tenha ainda percebido porque e para que o faz. Até porque já ninguém sabe o que é um ensaio.