Cinema e Televisão

O desejado regresso

Eastwood volta com um filme simples e comovente. Não se aproxima de outras obras do Americano, mas não deixa de ser um grande filme. Fica a certeza de que o cinema de Eastwood precisa da sua cara a ser filmada.

Ei-lo de volta e ainda bem. Clint Eastwood, 88 anos, um dos maiores nomes do cinema, voltou a representar. Em Correio de Droga não só assina a realização e produção do filme como volta, passados 10 anos (depois do magnífico Gran Torino https://escsmagazine.escs.ipl.pt/na-sombra-do-guerreiro/), a ser o ator principal. Eis então um resumo da trama baseada em factos reais tornados conhecidos por um artigo do The New York Times: Afundado numa grave crise financeira, Earl Stone (Clint Eastwood), um veterano da Guerra da Coreia (um paralelismo com o Walt Kowalski e Gran torino, outra vez), vive da criação e venda de flores. Porém, o negócio já não é sustentável e a internet acabou com a clientela, levando Stone a uma outra profissão, a de transportador de droga. Por isso, aceita atravessar o estado do Michigan a mando de um grupo de narcotraficantes. Apesar dos riscos inerentes, a sua idade e um registo criminal imaculado torna-o insuspeito aos olhos das autoridades. Todavia, tudo se complica quando ele se vê na mira de Colin Bates (impecável Bradley Cooper), um detetive da agência norte-americana de antinarcóticos.

Em Correio de Droga, Eastwood volta ao tema da família fraturada.  Há muita coisa de Eastwood de Poder Absoluto (de 1998) como a aceitação da criminalidade, os diálogos em tom paternalista da personagem Earl para com os traficantes de droga, mas também os conflitos de um pai que deixou a família para trás e abdicou desta em favor do trabalho. É então que a personagem Stone tenta a aceitação de uma família que não o compreende. Há, no filme, uma maneira de “encenar” o Earl em tons familiares: entre a ligeireza até à gravidade, da pura comédia ao puro drama e o Earl solitário mas imponente, conduzindo a sua carrinha, cheia de droga, pelas estradas do Michigan. O regresso ao classicismo americano que Eastwood abandonara em alguns dos seus filmes, à cabeça o insonsso Sniper Americano, já não se encontra muito no cinema atual.  É consequência de Eastwood e da sua magnética presença no ecrã: é ele que tudo domina, é nele que gravita a grande força do filme; nele e na “secura” com que trata as cenas, a tal simplicidade do classicismo americano, sendo ele um velho herdeiro de Ford ou Huston, um dos últimos sobreviventes de uma época que o cinema americano não soube resgatar.

Clint Eastwood
Fonte: IMDB, foto tirada por Chris Jackson, Getty images

As extraordinárias cenas, dos lugares comuns e mundanos, assustadores e vulneráveis voltam a estar lá. Como no momento em que Eastwood come com dois capangas do cartel de origem mexicana num restaurante cheio de “Brancos” que os olham com desconfiança. Ou ainda quando as personagens de Bradley Cooper e Michael Pena param um veículo suspeito só porque o condutor tem uma aparência hispânica. O velho Clint a mostrar a verdadeira América, não que este esteja numa demanda pelas causas sociais, isso pouco interessa no filme, mas sim com a preocupação de transmitir um espelho do quotidiano da sua sociedade. Há também momentos quase filosóficos como na cena em que, num sublime contraluz, Eastwood enceta um diálogo final com a personagem de Bradley Cooper.

Correio de Droga vem confirmar aquilo que suspeitávamos: O cinema de Eastwood só é verdadeiramente redentor quando a sua cara é filmada, como no plano gasto em que a cara de Earl jorra sangue rumo a uma rendição. A sua presença magnética conduz toda a sua obra, é ela que convence o espetador de que aquilo que vemos é fidedigno e real, se bem que Eastwood, no alto da sua figura mitificada, se esteja pouco a importar com a reação do espetador. Para ele, o importante é  contar a estória da forma que quer. É um regresso em grande; esperança temos que ainda nos deixe mais qualquer coisa, mais um “monumento” para a sua filmografia, porque dele podemos ter sempre essa esperança. Correio de Droga não é uma obra prima (não se compara a Gran Torino ou Imperdoável) mas é um simples grande filme e só isso já chega para nos deixar felizes.

Artigo revisto por Maria Constança Castanheira

AUTORIA

+ artigos

Olá, sou o Luís, tenho 27 anos e nasci em Cascais. Vivo desde, quase sempre, em Sintra e sinto-me um Sintrense de gema.  Adoro cinema - bem, adorar não é a palavra adequada, venerar parece-me um adjetivo mais justo -  e sou também obcecado por política e relações internacionais. Gosto também muito de desporto.