Opinião

O Efeito Colateral da COVID-19: O Abandono da Cultura

Quando o cidadão é sujeito a restrições pandémicas que prejudicam a sua saúde mental, é crucial reafirmar a importância da Cultura no seu desenvolvimento.

A Cultura é o elemento essencial na construção da identidade individual e coletiva e permite a afirmação de elementos de distinção, ou seja, de características que diferem uma comunidade da outra. Os costumes, os hábitos, os valores e o gosto musical e gastronómico são exemplos associados à raiz cultural de uma sociedade. Um indivíduo que não segue as suas raízes perde-se no meio da multidão, porque se distancia do seu sentido de vida.

A construção de uma cultura está repleta de símbolos e de significados que permitem identificar uma pessoa como pertencente a uma determinada sociedade. A nossa está em constante crescimento e as medidas de contenção da inesperada e invasiva pandemia da COVID-19 têm menosprezado o seu valor cultural. 

No entanto, a nova geração da sociedade moderna reconhece a influência positiva que a Cultura exerce e denuncia as regras divulgadas nas redes sociais do Governo português (@gov_pt no Instagram) a 13 de janeiro, no contexto do combate à pandemia. A declaração do encerramento dos estabelecimentos culturais, tais como das salas de teatro, e a autorização simultânea das cerimónias religiosas gerou comentários de revolta. 

No mesmo dia, a plataforma Comunidade Cultura e Arte publicou na sua conta (@comunidadeculturaearte) uma citação substancial. “Um país sem cultura é um país sem futuro”, afirmou o diretor editorial Rui André Soares. 

A afirmação surge face à observação de que a Cultura não foi tema de conversa nos debates dos candidatos à Presidência da República, apresentados ao longo do mês de janeiro. Dadas as circunstâncias atuais, o facto de o assunto não ter sido explorado por nenhum moderador ou candidato é inquietante. Foi discutido o nosso futuro, mas sem florescimento da cultura não há progresso social. 

Entretanto, as consequências económicas da crise gerada pela pandemia afetaram significativamente o setor das artes e das atividades criativas. A Cultura encontra-se em perigo, sendo que, segundo a Unesco, concentra 30 milhões de profissionais, e mais de 10 milhões de empregos foram suprimidos na indústria do cinema. De entre as soluções apresentadas, encontramos os espetáculos online e as ajudas financeiras. 

A 14 de janeiro, a Ministra da Cultura, Graça Fonseca, apresentou as medidas de apoio às entidades e empresas. Um apoio no valor de 438 euros, para todos os profissionais da Cultura, foi sugerido. De modo geral, desenvolveram-se programas para atenuar o impacto da crise nos profissionais do setor que, segundo os dados da Eurostat de 2019, representam 3,4% do emprego total de Portugal. 

Na área da Literatura, foram reforçadas bolsas de apoio, um futuro programa de aquisição de livros a livrarias independentes, no valor de 300 mil euros, e uma linha de apoio à edição no mesmo valor. Na área da Música, foi proposto um aumento da quota da música portuguesa nas rádios para 30%. Por fim, a área da Museologia receberá um apoio de 600 mil euros para a organização de atividades, logo que os museus possam reabrir. 

Uma imagem com céu, exterior

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Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), situado em Belém. Os monumentos nacionais verificaram uma quebra de 70,4% dos visitantes, em 2020. Fonte: NiT (New In Town)

As iniciativas do Ministério da Cultura revelaram-se insuficientes, porque em Portugal a Cultura não vive por si só. O espetador cultural, aquele que não cria nem difunde a Arte, mas aprecia o género, é responsável pela sustentação do setor. Por esse motivo, é importante, e até imperativo, sensibilizar os portugueses sobre o futuro da Cultura. 

A 15 de fevereiro, O Instituto Nacional de Estatística confirmou que o setor turístico perdeu, em 2020, dois terços das receitas, um decréscimo de 66,1% em relação ao ano anterior. Para além de gerar empregos e de pagar impostos, a Cultura está no coração do turismo, sendo o seu fracasso uma ameaça à economia nacional. 

A dimensão cultural está na base das nossas vidas e a Arte, como meio de comunicação, vive ao nosso redor. O confinamento levou à renovação das instituições artísticas em termos de ofertas de conteúdos. O serviço de streaming cujo tempo de visualização aumentou mais de 25% em Portugal foi o vencedor. 

Segundo uma notícia do Público, difundida a 20 de janeiro, o isolamento originou o pico do uso das redes de comunicações e fez disparar os assinantes da Netflix e da HBO Portugal. As plataformas encontram-se em atualização contínua, disponibilizando diariamente novos filmes, documentários e séries como modo de entretenimento e de educação. 

Dito isso, é correto afirmar que o cidadão atual depende da influência da Cultura e da Arte no seu processo de desenvolvimento. Na ausência do espaço cultural seria mais difícil viver em isolamento, sendo que o ser humano é, por natureza, um ser criativo que procura novos estímulos físicos e psicológicos.

A Arte é capaz de dizimar essa sede, porque abrange uma ampla coleção de obras artísticas que têm como objetivo fazer-nos sentir e refletir sobre algo. Para além de permitir a expansão dos nossos horizontes, estimula a criatividade de um ponto de vista universal. A título de ilustração, a pintura é uma fonte de informação sobre o passado e uma fonte de inspiração para o futuro. 

A filósofa e professora de ética Victoria Camps considera a Cultura uma arma para “enfrentar a brutalidade que todos carregamos cá dentro”. Durante um confinamento, as emoções negativas dominam. Segundo o pensamento da docente, as incertezas geradas pelo fenómeno pandémico têm as suas virtudes: permitem-nos avaliar as nossas necessidades. 

Uma das nossas obrigações é tirar vantagem da crise, porque o ser humano tem a capacidade de adaptação. O processo adaptativo garante a nossa sobrevivência e dá asas à evolução humana.

Todavia, em tempo de pandemia, autores e criadores foram para casa, levando a Cultura consigo . Um segmento indispensável da nossa personalidade sofreu danos e cabe-nos voltar a promover a identidade cultural que constitui a consciência humana. Sem ela, a nossa evolução será leviana. 

Artigo revisto por Lurdes Pereira

AUTORIA

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Aspirante a jornalista, nasceu no coração da Europa e foi laureada com o diploma do European Baccalaureate. O amor pela escrita está sempre presente na sua vida, sob a forma de diários de viagem e artigos de opinião. Sonha em ser redatora, vive da curiosidade e da criatividade. Desde nova, dedica-se a experiências que abrem os horizontes do seu mundo pessoal e profissional.