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O julgamento mais aguardado do ano começou: o polícia que matou George Floyd enfrenta a justiça

Derek Chauvin, o ex-agente da polícia de Minneapolis acusado de homicídio de segundo grau de George Floyd, começou a ser julgado no dia 29 de março. O julgamento deve durar pelo menos um mês, visto que Chauvin enfrenta três acusações diferentes.

Um ano depois de o mundo inteiro ter sido confrontado com a violência da polícia americana, começa, finalmente, o julgamento do polícia que colocou o joelho sobre o pescoço de George Floyd durante vários minutos, resultando na sua morte. Este acontecimento trágico chegou a vários países, incluindo Portugal, reforçando o movimento Black Lives Matter. Pelo mundo fora, independentemente da cor de pele de cada um, ouviu-se “i can’t breath”, a frase que Floyd repetiu várias vezes antes de morrer.

Uma das manifestações do movimento Black Lives Matter, após o homicídio de Floyd / Fonte: Getty Images

Derek Chauvin é acusado de três crimes: homicídio não intencional de 2º grau, homicídio de 3º grau e homicídio culposo. Por isto, o ex-agente da polícia de Minneapolis pode vir a enfrentar mais de 40 anos de prisão. Chauvin não estava sozinho e, por isso, três outros polícias que estavam presentes no momento – Thomas Lane, J. Alexander Kueng e Tou Thao – vão ser julgados em agosto com as acusações de cumplicidade, encorajamento e auxílio a Derek Chauvin.

Derek Chauvin / Foto: Afp

No dia 23 de março deu-se como terminada a seleção do júri que irá acompanhar o julgamento de Chauvin. Desde cedo que se fez a promessa de que seria uma escolha devidamente diversificada e, um ano depois, temos essa confirmação. Dos 12 membros do júri, quatro deles são afrodescendentes e outros dois consideram-se multirraciais. Esta escolha, segundo o que Michael Padden, um advogado de Minneapolis, contou à Al Jazeera, não é comum: “O máximo de pessoas de cor que vi num júri foi três: dois afro-americanos e um asiático”. Apesar de isto parecer ser uma vitória, as críticas não pararam de chegar quando se soube da possibilidade de o juiz ter dispensado candidatos negros que já tiveram más experiências com a polícia americana.

Até agora, o julgamento está a ser marcado por momentos emocionalmente dramáticos e por um sentimento de culpa muito presente naqueles que testemunharam a morte de Floyd.

Derek Chauvin, à esquerda, durante o julgamento

O julgamento começou no dia 29 de março e, até agora, o espaço reservado à família de Floyd tem sido ocupado por Rodney, o irmão mais novo de Floyd. No início do julgamento, dedicou-se muito tempo à apresentação dos vídeos da detenção, principalmente do vídeo inédito do momento em que os polícias tentavam colocar George Floyd algemado dentro da viatura. Para além disto, também houve tempo para analisar, mais uma vez, o vídeo de nove minutos e 29 segundos que se tornou viral, onde George Floyd chama vezes sem conta pela mãe e diz 27 vezes a frase que ficou na cabeça de todos: “I can’t breath”. O irmão de Floyd, durante a apresentação destes vídeos, desviou o olhar e começou a abanar repetidamente a cabeça.

Christopher Martin, o empregado da loja Cup Foods, onde George Floyd entrou para comprar tabaco antes de ser preso, revelou sentir um enorme sentimento de remorso. “Se eu simplesmente não tivesse aceitado a nota dele, talvez tudo isto pudesse ter sido evitado e George Floyd ainda estaria hoje vivo”, disse durante o seu depoimento. A nota a que Christopher se estava a referir era a nota falsa de 20 dólares com que Floyd comprou tabaco. O jovem de 19 anos, apesar de desconfiar, nada fez e aceitou a nota. E quando é que a polícia foi envolvida no caso? Num dos vídeos inéditos apresentados em tribunal, conseguimos ver Christopher a tentar convencer Floyd a entrar novamente na loja para discutir com o gerente sobre se a nota que tinha acabado de entregar era falsa. Floyd, que estava sob efeito de estupefacientes, recusou-se a resolver o problema e foi nesse momento que a polícia foi chamada ao local.

Christopher Martin a depor em Minneapolis

Charles McMillian, o homem de 61 anos que presenciou a detenção violenta de Floyd, também testemunhou. McMillian incentivou Floyd a cooperar com a polícia porque, tal como disse em tribunal, “depois de estares algemado já não podes vencê-los”. Claramente emocionado, Charles McMillian fez questão de reforçar aquilo que disse a Chauvin durante a detenção de Floyd: “Você é um verme!”.

Charles McMillian a depor

Também Darnella Frazier, autora do vídeo que se tornou viral, testemunhou. “Todas as noites eu peço desculpa a George Floyd por não ter feito mais, por não ter conseguido interagir melhor com os polícias, peço-lhe desculpa por não lhe ter conseguido salvar a vida”, disse Fraizer.Mas depois penso que isto não é sobre o que poderia ter feito, mas é sobre o que ele [Derek Chauvin] não deveria ter feito”, disse, depois de ter refletido sobre a sua atitude durante os nove minutos e 29 segundos do vídeo que gravou.

Um dos agentes mais experientes da Polícia de Minneapolis, Richard Zimmerman, também foi chamado a depor. Com mais de 30 anos de experiência, 25 em Minneapolis, Zimmerman considerou “absolutamente desnecessária e injustificada” a “força mortal” usada por Derek Chauvin para controlar George Floyd.

Richard Zimmerman a depor / Fonte: LUSA

O paramédico que acompanhou George Floyd na ambulância também foi chamado a depor e não passou despercebido. Seth Bravinder confirmou que Floyd já não tinha pulsação, respiração e já não se movimentava quando a ambulância chegou ao local. Para além disto, uma das revelações mais polémicas que foram feitas ao longo do julgamento veio de Seth. O paramédico garantiu que na ambulância, já morto, Floyd continuava algemado. Foi o próprio paramédico que, com uma chave-mestra, retirou as algemas aFloyd.

O médico que declarou a morte de Floyd, Bradford Wankhede Langenfeld, garantiu que as tentativas de reanimação duraram cerca de 30 minutos e que até chegaram a colocar um tubo na garganta da vítima para ventilar os pulmões. Langenfeld reforçou durante o seu testemunho que “uma das possibilidades mais prováveis” era a de que Floyd tivesse morrido por asfixia. Para além disto, o médico garantiu que, até à chegada de ajuda médica, Floyd não recebeu qualquer tipo de tentativa de reanimação.

O depoimento da namorada de Floyd, Courteney Ross, era um dos mais aguardados. Courteney revelou que ambos eram dependentes de opioides, analgésicos de alta potência, para minimizar algumas dores crónicas. A mulher de 45 anos ainda confirmou que o casal comprava as drogas diretamente a um alegado traficante que estava com Floyd no carro antes do sucedido. O depoimento de Courteney serviu essencialmente para se perceber se havia ou não uma dependência de drogas da parte de Floyd, algo que, de certa forma, se confirmou e que pode ser dos poucos, mas dos melhores trunfos da defesa de Derek Chauvin.

Courteney Ross a depor

A previsão é de que o julgamento dure pelo menos um mês e, apesar de existir um número muito limitado de pessoas a assistir presencialmente, devido à Covid-19, todos podem acompanhar as várias sessões ao vivo, mas online

A morte de George Floyd trouxe para cima da mesa outros nomes de afro-americanos mortos pelas mãos da polícia. Segundo o jornal Washington Post, 1014 pessoas foram mortas a tiro pela polícia americana em 2019. Um estudo da ONG Mapping Police Violence confirma que, nos Estados Unidos, as pessoas com um tom de pele mais escuro têm quase três vezes mais de oportunidades de serem mortos pela polícia americana do que os brancos.Say Their Names”: Trayvon Martin, Eric Garner, Michael Brown, Walter Scott, Freddie Gray, Sandra Bland, Philando Castile, Botham Jean, Atatian Jefferson, Breonna Taylor e tantos outros nomes de pessoas que morreram nas mãos da polícia americana foram eternizados em vários murais, ditos em várias manifestações e serão para sempre relembrados. 

Mural na cidade de Nova York / Fonte: AFP

Artigo revisto por Ana Rita Sebastião

AUTORIA

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Estudante de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, onde se encontra feliz e com uma agenda cheia. Não nega um bom livro e muito menos negará uma boa série. É provável que a encontrem a chorar baba e ranho depois de um bom filme de romance. Natural da Invicta, mas veio parar à Ericeira.