Opinião

Portugal: estado não laico ou estado não laico?

O tempo passa a correr e, sem darmos por ele, já começamos a ver uns enfeites de Natal aqui e ali e o ano de 2014 a chegar ao fim. Mais um ano que passou e mais um ano sem quatro feriados que não têm data prevista de regresso. Esta medida, introduzida pela maioria PSD/CDS, foi algo que me deixou com vontade de dar uma chapada ao Sr. Passos Coelho e uma outra ao Sr. Paulo Portas. Primeiro: a forma como foram retirados os feriados foi a melhor? Segundo: Estará mesmo a valer a pena?

Foi em 2012 que o governo de Passos Coelho confirmou a abolição de quatro feriados a partir do ano seguinte: os feriados civis de 5 de Outubro e 1 de Dezembro e os feriados religiosos do Corpo de Deus e o de 1 de Novembro. Deixou, portanto, de ser feriado no dia em que se implantou a República no nosso país e no dia em que finalmente nos livrámos do domínio espanhol (1 de Dezembro de 1640) – duas datas marcantes da nossa história que constituem a identidade de um povo livre e soberano. Não consigo compreender o porquê de terem sido retirados; a meu ver, a questão era muito simples: é para retirar feriados? Então acaba-se com os feriados religiosos. É ridículo que um estado laico, como Portugal afirma ser na Constituição, tenha seis feriados religiosos (outrora oito) e três feriados civis (outrora 5). Não me irrita o facto de existirem mais feriados religiosos do que civis, irrita-me, simplesmente, que existam feriados religiosos especialmente associados à Igreja Católica. É ridículo que um Estado Laico, como o diz ser Portugal, tenha de abdicar de dois feriados que o caracterizam enquanto país democrático e independente quando se podia, simplesmente, fazer cair os feriados religiosos.

Dizem que existem feriados religiosos para preservar a tradição, mas, a meu ver, tradição não é nem nunca foi sinónimo de correcto. E se querem, realmente, preservar a identidade histórica de um povo católico, mantenham os dois mais importantes: o Natal e a Páscoa.

Portugal é um país envelhecido, pouco adepto da novidade e conservador –  a separação da Igreja Católica do Estado é algo que parece existir apenas na Constituição da República (pois isso não se vê no dia-a-dia) – e a Igreja impõe-lhe condições no que toca à abolição dos feriados religiosos. Mas como pode uma instituição religiosa impor condições a um Estado Laico?

A segunda pergunta que se impõe é: a abolição dos quatro feriados tem valido a pena? Nestes dois anos, o 5 de Outubro calhou ao fim de semana e o dia 1 de Novembro celebrou-se uma vez a um sábado evitando-se assim várias possibilidades de os trabalhadores fazerem ponte.

Em suma, quem beneficiou disto tudo foram as grandes empresas que, abertas ao fim-de-semana, nestes quatro dias, não se vêem obrigadas a pagar trabalho suplementar: mais uma vez, uma medida a beneficiar os grandes grupos económicos portugueses. O Governo pensa em manter centros comerciais abertos e maquinarias a funcionar, quando deveria apostar no desenvolvimento do turismo e esses poucos fins-de-semana prolongados eram bons momentos para isso.

Fico triste ao estudar e ver que a separação da Igreja Católica do Estado é um mito. Em Portugal, a Igreja continua a ter uma influência tremenda especialmente junto dos partidos conservadores, de centro-direita e de extrema-direita, e através de associações secretas como a Opus Dei. Este é um retrato de um país retrogrado, corrupto e católico onde os governantes preferem abdicar de feriados em dias que constituem e demarcam a identidade um país, com especial destaque para a restauração da independência, a seguir o laicismo invocado na Constituição e terminar com os feriados religiosos. É triste; mas que mais podíamos esperar de um país cujo Presidente da República nunca se dignou a usar um cravo ao peito?

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