Grande Entrevista e Reportagem

Quando a Vida Acontece: o primeiro livro de Bel Golim, ex-aluna da ESCS

O primeiro livro da jovem escritora Ana Bel Golim foi lançado dia 12 de dezembro. Quando a Vida Acontece narra a história de 50 personagens que divergem na sua percepção individual da vida, mas que se encontram na simplicidade. Cada texto é escrito num tom quase infanto-juvenil, e faz-se acompanhar de dois elementos que, segundo a autora, são essenciais à leitura: uma imagem, ilustrada por Marta Zanatti, e o título de uma canção.

A autora luso-brasileira, nasceu no Rio de Janeiro em 1996, e, com apenas dois anos de idade, mudou-se para Portugal. Após ter finalizado o secundário, ingressou no curso de comunicação social na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Entrou num estágio relacionado com redes sociais, mas, entretanto, após ter completado uma masterclass da Shonda Rhimes, percebeu que a sua vocação era o guionismo. Foi então que decidiu fazer uma pós-graduação em Storytelling na ESCS. Hoje em dia trabalha em guionismo numa produtora de cinema e publicidade, onde está a aprender e a ganhar experiência para que um dia os seus próprios projetos possam ganhar vida nos grandes ecrãs. 

Numa entrevista à ESCS Magazine, Ana Bel revela todo o processo por detrás do lançamento do seu novo livro.

Quando é que decidiste que querias lançar um livro?
Na verdade, eu nunca tive pretensões de escrever um livro. Mas se eu tivesse de escolher um momento, diria que foi aquele em que me virei para a minha amiga Marta, e disse: «Eu escrevo uns textos, tu fazes uns desenhos, no fim juntamos e imprimimos». Acho giro termos um projeto nosso em casa. Foi assim que começou um projeto de duas amigas cujo destino seria a prateleira lá de casa. 
O meu pai, quando soube, sugeriu que eu contactasse uma editora. Então, mandei e-mail à Chiado Books, apresentando a minha ideia. Foi quando recebi a resposta da editora, a dizer que estavam interessados na minha proposta, que eu me apercebi: «Ok. Eu vou lançar um livro». 
Este processo, de escrever e publicar um livro, foi muito longo. Ele foi para trás e para a frente várias vezes: textos, capa, músicas, edição… É difícil estruturar o que aconteceu ao longo destes (quase) dois anos na minha cabeça. 
O lançamento do Quando a Vida Acontece não encerrou o processo, mas deu início a uma nova fase. A partir do momento em que o livro foi impresso, ele deixou de ser meu e passou a ser de todos. Agora, chegou a parte em que eu posso ver como é que o público reage ao que eu fiz.

 

Por que é que escolheste escrever sobre personagens?
Durante a quarentena, a mãe de uma amiga perguntou-me se eu tinha escrito ultimamente, ao que eu respondi que não, e reconheci que era uma estupidez. Um dia, fui ver o mar, levei um caderno e pensei: «Vá, vou escrever coisas profundas sobre a quarentena». Não me saiu nada, como é óbvio (porque eu estava a forçar algo), então decidi começar pelo básico, que foi olhar para uma menina que estava lá sentada, e imaginar a vida dela. Adoro observar pessoas ao detalhe – a forma como falam e se comportam, as escolhas que fazem, as roupas que vestem… Sou muito curiosa nesse sentido! 
Portanto, o livro começou por ser, por acaso, sobre uma pessoa, e acabou por ser sobre 50. Não tive vontade de desenvolver a personagem da Verónica, que foi a primeira; tive muita mais vontade de aprofundar outras hipóteses de vida que eu tinha na cabeça e criar novas personalidades

Como é que surgiram estas personagens?
Os processos de criação das personagens são muito diferentes uns dos outros. Quando a editora comunicou que, para que o livro fosse lançado, eu tinha de escrever mais 30 textos do que aqueles que já tinha, pedi ajuda aos meus amigos. Solicitei, em vários grupos, que me sugerissem um nome, uma idade e uma característica – foi assim que surgiram muitas das personagens. Um dos amigos a quem me dirigi escreve músicas, então, em vez de me mandar esses dados, respondeu com uma música original sobre o filho de um pescador, que não queria seguir a profissão do pai, e ambicionava mudar-se para a cidade. Então, eu criei o Zé Miguel – o pai – e escrevi um texto, imaginando qual seria a sua perspetiva. 
Outros métodos que utilizei foram os de, simplesmente, observar pessoas, ou de deixar que a música me levasse para um outro universo. Ou, então, construir personagens à volta de certas questões e tópicos. Por exemplo, um dos textos é sobre um rapaz chamado Jesus, e fala sobre como às vezes nos sentimos pressionados a corresponder às expectativas dos outros. Achei pertinente falar sobre isto e, então, criei alguém que encaixasse nessa temática. 
Claro que algumas das personagens são também inspiradas em pessoas que conheço, especialmente em traços específicos que eu acho fascinantes. Por exemplo, tenho uma amiga que usa sempre um relógio que não funciona. Então escrevi um texto, não sobre a Júlia, mas sim sobre uma rapariga que apresenta esta mesma particularidade. Do mesmo modo, o texto “Madalena” começa com uma frase característica da minha amiga, no entanto, a personagem acaba por ser completamente diferente da pessoa em que foi inspirada.

De todos os textos que escreveste, qual é o teu favorito?
Eu gosto muito de “Rosa”, que foi o segundo texto que escrevi. Este aborda um princípio que rege a minha vida (ou que, pelo menos, eu tento que reja), que é o de que devemos encontrar o lado positivo em qualquer situação. Para Rosa, que é cega, o lado positivo da sua incapacidade física, é o facto de o mundo dela ter mais potencial do que o real. Visto que não conhece a realidade, ela pode imaginá-la como sendo maior e mais bonita do que, na verdade, é.

Leitura do LivroFotografia: Matilde Bettencourt

A cada texto é atribuída uma ilustração e uma canção. Qual é a importância destes elementos no livro?
As ilustrações complementam na parte visual, tornando o livro mais apelativo. Acho que o leitor deve considerar as duas partes, ou seja, tal como demora tempo a ler o texto, deve também demorar o seu tempo a ver e a interpretar a imagem, até porque existe profundidade nos desenhos, aparentemente, simples da Marta.
Eu incluí as canções porque, para escrever, eu ouço música e deixo que ela me leve. Uma amiga sabia disso e deu-me esta ideia de anexar uma música a cada texto. Algumas das canções, são aquelas que, de facto, contribuíram para a criação da respetiva personagem. As restantes são apenas músicas que eu atribuí mais tarde.
Há duas formas de ler o texto: com música, o leitor aceita que eu o oriente e está sujeito a sentir aquilo que eu quero; por outro lado, sem a música, ele pode ler o texto e interpretá-lo como quiser. Eu acho que a música acrescenta nesse sentido: é uma sugestão que o indivíduo pode, ou não, escolher aceitar, e que muda a experiência de leitura.

Porque é que escolheste Marta Zanatti como ilustradora?
Eu conheço a Marta há muitos anos; ela é uma das melhores pessoas que conheço. Eu escolhi-a para trabalhar comigo, porque sabia que ela ia ter a capacidade de perceber o meu estilo e adaptar-se a ele. Não que tenha muita experiência, ou que conheça muitos artistas, mas sei que às vezes as pessoas têm os seus próprios vínculos e trabalham à sua maneira. Eu teria escolhido a Marta de qualquer forma, porque já vi trabalhos dela e adoro o que ela faz. Mas acho que o que a distingue dos outros é essa sensibilidade. No lançamento, ela explicou que utilizou o lápis de carvão para as ilustrações, porque é a ferramenta mais comum que existe – é aquela que já toda a gente usou, pelo menos, uma vez na vida. Isto revela simplicidade, que é precisamente aquilo que define o livro. 
Estou muito satisfeita por ter escolhido a Marta. Ela esteve sempre disponível para ajudar e embarcou imediatamente no projeto, mesmo sem saber o que ia acontecer. Adorei trabalhar com ela.

Depois de teres completado a tua licenciatura em Comunicação, estudaste ainda Storytelling na ESCS. Em que medida é que o teu percurso académico te ajudou a escrever o livro?
Tenho memórias de ser criança e de criar histórias na minha cabeça, com base naquilo que observava. Na escola, os professores diziam que eu estava sempre “na lua”, porque a verdade é que eu tinha um mundo interno muito grande que me distraía. O dom de criar sempre esteve comigo, mas foi na ESCS que eu aprendi a dar nomes às coisas e a estruturar as minhas ideias. A parte prática e estrutural é essencial para um artista. 
Storytelling ajudou-me a escrever este livro em específico, porque é um curso onde se aprende a criar guiões, arcos narrativos, personagens… Personagens estão presentes na minha profissão e estiveram presentes, também, na minha formação.

No futuro, Ana Bel tenciona criar projetos que estejam ligados à televisão e ao cinema. Estudar Storytelling fê-la perceber que a sua vocação é, realmente, o guionismo. Neste momento, está focada em ganhar dinheiro e conhecimento, assim como encontrar pessoas que confiem nela e no seu trabalho, para que um dia possa apresentar os seus próprios projetos, que se encontram, neste momento, armazenados na gaveta. 

Artigo revisto por Miguel Tomás

AUTORIA

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Daniela nasceu nos Estados Unidos, mas cedo se mudou para a ilha da Madeira, onde foi criada. Embarcar para a cidade de Lisboa é um primeiro passo para conquistar o seu sonho de criança: ser uma renomada Jornalista. Ambiciona criar conteúdos para grandes revistas turísticas, porque, para além da escrita, a sua paixão é viajar. São os pequenos prazeres da vida que a movem, e deseja partilhar esse olhar único sobre a vida.