De que modo o conflito entre a Rússia e a Ucrânia poderá afetar Portugal?
Após uma reunião com os ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros e com o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, deu-se, esta quinta-feira, a primeira reação oficial do primeiro-ministro, em São Bento, Lisboa, ao ataque da Rússia à Ucrânia.
António Costa declarou que o Conselho do Atlântico Norte irá decidir “as medidas de dissuasão” que a NATO aprovará “para defender todos os países da NATO que têm fronteira com a Ucrânia ou estão no conjunto da vasta região que se estende da Islândia à Turquia”, insistindo que a resposta deverá ser sempre dissuasora, como forma de evitar a escalada do conflito.
O governante afirmou também que o Conselho Europeu desta quinta-feira irá centrar-se na discussão e na aprovação de sanções e consequências para a Rússia, em resposta aos ataques iniciados, depois de condenar veemente a ação da Rússia sobre a Ucrânia.
Em declarações aos jornalistas, o primeiro-ministro destacou que este ano Portugal integra as forças de reação da NATO, não a fim de intervir na Ucrânia, mas antes para meios de dissuasão junto de países da NATO que fazem fronteira com a Ucrânia, sendo que existe um “conjunto de elementos disponibilizados e com uma prontidão de cinco dias” para o efeito.
António Costa deu ainda uma palavra de “confiança” aos cidadãos ucranianos que residem em Portugal e promete solidariedade.
“Os seus familiares, amigos e conhecidos que entendam que devem procurar em Portugal a segurança e destino para dar continuidade às suas vindas são também bem-vindos”, afirmou.
Garantiu ainda que foram dadas instruções às embaixadas para que sejam dados vistos a todos os cidadãos ucranianos que queiram vir para Portugal.
O primeiro-ministro assegura que a última coisa que deseja é o “corte dos canais diplomáticos” e que “a resposta a esta crise deveria ter sido a solução diplomática e não a confrontação”. Relembra ainda que “devemos sempre manter a calma”.
Espera que este conflito entre a Rússia e a Ucrânia sirva para que “os 27 Estados-membros fiquem de uma vez por todas cientes de que o desafio de acolher refugiados, assegurar a sua proteção internacional e a sua inserção nas sociedades de forma a assegurar novas oportunidades de vida é mesmo um dever que implica todos.”
Entretanto, esta sexta-feira, o primeiro-ministro anunciou que será enviada uma companhia do exército português composta por 174 militares para a Roménia nas próximas semanas. Deu instruções para que as embaixadas de Portugal na Ucrânia e nos países limítrofes concedam vistos imediatos a toda a comunidade ucraniana.
Relativamente a possíveis alterações ao Orçamento do Estado, que será proposto na Assembleia da República, e depois do alerta para a escalada de preços que virá a caminho – dado pelo seu secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro –, o governante afirmou, esta quinta-feira, que era “cedo para fazer essa avaliação”.
“É preciso saber a extensão e a duração do conflito. Depois, em função das sanções da União Europeia, [é preciso]saber que contramedidas serão aplicadas por parte da Rússia e se vai assegurar o respeito pelo Direito Internaiconal.”
Contudo, garante que Portugal é “menos dependente do que os outros Estados”, complementando com a necessidade de “diversificar as fontes de abastecimento de energia à Europa e também diversificar as fontes de energia da Europa – como acelerar o processo de descarbonização e a utilização de energias renováveis.”
No entanto, o ex-ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, já afirmou que as empresas portuguesas vão sofrer danos colaterais decorrentes do conflito.
O impacto nas empresas portuguesas sentir-se-á de forma indireta, especialmente as exportadoras, dado que alguns dos maiores parceiros da economia portuguesa verão as suas exportações para a região afetadas. Há subida de preços de energia e é provável que, em alguns setores, parte da produção que se destinava à Rússia seja canalizada para a Europa, aumentando assim a oferta, admite o economista.
Não obstante, o ex-ministro da Economia salienta que há empresas e setores específicos que têm naqueles mercados um destino relevante e que poderão ser especialmente afetados nessa sequência, a par da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
“A Rússia não é um parceiro comercial particularmente relevante de Portugal, mas é para vários países europeus [e para] alguns mercados importantes para as empresas portuguesas exportadoras, pelo que haverá um impacto indireto por esta via”, sublinha o ex-ministro da Economia de António Costa.
Segundo Caldeira Cabral, é preciso fazer uma análise detalhada e aprimorada para perceber que empresas portuguesas concretas e serviços serão afetados e de que forma, algo que depende da extensão do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, da dimensão do mesmo e de como será a dificuldade de acesso aos mercados afetados, quer por interrupção de rotas de abastecimento, quer por sanções. É preciso também saber se os pagamentos serão afetados, e até que ponto o rublo será desvalorizado.
O impacto indireto sente-se em diversas frentes, de acordo com a mesma fonte. Refere que a instabilidade é um dos efeitos que esta guerra cria nos mercados de capitais e financeiros e, para o efeito de subida exponencial que provoca nos preços de energia (petróleo e gás) – o que acaba por se refletir, naturalmente, em inflação.
Outro efeito mencionado por Caldeira Cabral é o impacto que poderá ter nos concorrentes europeus das empresas portuguesas que, impedidos de exportar para a Rússia, venham a despejar a sua produção nos restantes mercados, pressionando uma descida de preços. Admite ainda que esse movimento aumentará a concorrência para as empresas portuguesas, o que poderá criar algumas dificuldades.
O certo é que a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia irá também ter impacto na imigração e no acolhimento de refugiados em Portugal. Segundo dados da Renascença, desde a anexação da Crimeia em 2014, os números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) comunicados ao Conselho Português para o Refugiados (CPR) refletem o impacto do conflito entre os dois países.
Em 2014, dos 442 requerentes de asilo espontâneos em Portugal, 157 tinham nacionalidade ucraniana. No ano seguinte, dos 872 requerentes, 367. Já em 2016, foram 142 ucranianos em 695 requerentes. Depois, 130 ucranianos em 1000.
Mónica de Oliveira Farinha,presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR), louva o “apelo realista e agregador” de António Costa, em declaração à Renascença. Disse ainda que o conflito na Ucrânia já se reflete no país desde 2014: “Porque Portugal era um país conhecido na Ucrânia. Era conhecida a sua estabilidade, a segurança que aqui se vive e isso foi um fator valorizado pelos cidadãos ucranianos. Aconteceu ainda um fator interessante: alguns dos cidadãos que apresentaram um pedido em Portugal já tinham estado no país como emigrantes. Portanto, tinham um conhecimento da língua. Conheciam bem a comunidade e a nossa sociedade”, explica.
Esta sexta-feira, em Bruxelas, o primeiro-ministro português revelou que Portugal já está a identificar oportunidades de emprego concretas para receber refugiados ucranianos e que espera que a União Europeia não repita os erros de anteriores crises humanitárias.
De acordo com o chefe do governo, Portugal reafirmou a sua total disponibilidade para “partilhar com todos os outros Estados-membros” a “obrigação de assegurar proteção internacional a todos”. Lembrou ainda que, “no caso concreto dos ucranianos, Portugal tem uma experiência muito positiva com a extraordinária comunidade ucraniana que já há quase 20 anos reside no país”.
Portugal encontra-se assim em condições, através do Instituto do Emprego e de Formação Profissional, de “poder também fornecer os dados para o perfil profissional adequado às diferentes oportunidades de trabalho que neste momento existem em Portugal e que são fundamentais para apoiar a retoma da economia portuguesa”.
Fonte da capa: Diário de Notícias
Artigo revisto por Andreia Custódio
AUTORIA
Lisboeta de nascença e de coração, a Cláudia é uma aspirante a jornalista e uma entusiasta do mundo da arte e da cultura. Desde cedo que a área de informação e de entretenimento a fascinam, vendo no jornalismo a conjugação de duas virtudes: informar os outros e dar voz a quem não é ouvido. É,por isso, uma eterna sonhadora pronta a explorar o mundo que a rodeia e a lutar pelos ideais em que acredita.