Grande Entrevista e Reportagem

Saltar fora da Ilha

Se ingressar no ensino superior já é um grande passo para alguns jovens, para aqueles que têm de sair da sua ilha para vir estudar para Portugal continental esse passo é, na verdade, um grande salto. Não se trata apenas de ter uma segunda residência, mas sim de estar, pelo menos, à distância de uma viagem de avião de casa e de passar meses sem estar com a família. A ambição por um curso de que a universidade da região não dispõe é uma das razões que leva os estudantes a tomar esta decisão.

Filipe Torres. Fotografia cedida pelo mesmo.

Filipe Torres, aluno do 3.º ano da licenciatura em Jornalismo da ESCS, é natural de São Miguel, nos Açores. Referiu que sempre se interessou pela área da comunicação social e que estava consciente de que isso significaria sair da ilha para estudar: “sempre quis seguir a área da comunicação social, curso que não existia na Universidade dos Açores; tendo isso em conta, decidi que tinha de ver quais as melhores opções para mim, por isso vim para Lisboa”.

Já para o aluno do 3.º ano da licenciatura de Relações Públicas e Comunicação Empresarial da ESCS, e também natural de São Miguel, Hugo Andrade, a vinda para Lisboa não foi uma decisão propriamente planeada: “quando concorri não era minha ideia vir estudar para o continente. A minha primeira opção era entrar nos Açores, mas não tive média e entrei cá com o contingente”. No entanto, o micaelense revela ter tido “sorte no azar” dadas as qualidades da Escola Superior de Comunicação Social. 

Hugo Andrade. Fotografia cedida pelo mesmo.

Quer seja uma escolha ponderada com tempo ou uma consequência do destino, mudar de vida em busca de um sonho requer uma grande adaptação. Uma vez que as idas a casa não são um cenário frequente, a necessidade de construir uma segunda família é uma realidade ainda maior para os estudantes deslocados. Para isso, as atividades de integração (as chamadas “Praxes Académicas”) são uma via óbvia. “Acabamos por conhecer quase toda a gente”, declara Filipe Torres. 

Se para Filipe era a primeira experiência fora de São Miguel, para Hugo a experiência de emigrante em Londres já lhe dava alguma bagagem. O estudante do curso de RPCE afirma que a adaptação a Lisboa foi muito mais suave pelo facto de ser uma cultura mais próxima da sua (face à inglesa) e pelo facto de já ter iniciado a licenciatura aos 22 anos: “Já tinha maturidade suficiente e capacidade para gerir a minha vida sozinho. Neste sentido, foi um pouco mais fácil”

Independentemente do ambiente da instituição onde se estuda, que, no caso particular da ESCS, é descrito como acolhedor e “quase de escola secundária” (nas palavras de Filipe Torres), ser um estudante das ilhas ainda traz algumas dificuldades acrescidas, que poderão dificultar o percurso no ensino superior. 

Hugo Andrade confessa que a sua maior dificuldade foi conciliar o trabalho com os estudos: “sabia que, se não trabalhasse, não estudava”. Financeiramente, a família não tinha meios para o sustentar em Lisboa e por isso Hugo teve de sair de São Miguel sob promessa de que iria trabalhar para ajudar a suportar as despesas. Dada esta situação, admite que o 1.º ano “não correu tão bem”. Apesar das dificuldades, foram os pais quem o incentivaram a matricular-se na ESCS: “quando soube que tinha entrado cá, recusei, durante uns dias. Achava que não fazia sentido para mim, mas os meus pais disseram que estavam muito orgulhosos e que queriam que eu tirasse a minha licenciatura. A maior dificuldade para qualquer estudante deslocado é, de facto, sustentar as despesas de arrendamento, ainda para mais em Lisboa”

Ao contrário de Hugo – que já tinha experiência em morar sem os pais – Filipe Torres explica que viver sozinho foi a sua maior dificuldade quando se mudou para Lisboa, nomeadamente, gerir a casa e realizar sozinho as tarefas domésticas. Contudo, assume que isso também lhe trouxe mais independência. 

Além das despesas e da realização das tarefas domésticas, sem dúvida que o desafio incontornável a qualquer estudante das ilhas é lidar com as saudades. Não é possível um jovem preparar-se emocionalmente para estar tanto tempo longe de casa, dos amigos e da família. As idas a casa aos fins de semana não são propriamente possíveis quando um oceano se mete pelo meio… Por isso, ficar meses sem ir a casa torna-se inevitável, mas ambos os estudantes veem as tecnologias como forma de encurtar a distância. As videochamadas, embora não substituam a vivência física do dia a dia, simulam o ambiente familiar e até permitem aos estudantes “entrar” nas festas de família em que não conseguem estar presentes. 

Por outro lado, a saída de casa revela ter oferecido ensinamentos a quem já assume o papel de estudante deslocado há três anos. “Deixei de ser um antissocial. Agora falo com toda a gente e até falo pelos cotovelos”, brinca Filipe Torres. Por sua vez, para Hugo Andrade a adaptabilidade a novos ambientes de forma rápida é uma soft skill que considera resultado da sua experiência fora da ilha. 

Mesmo sendo uma realidade cada vez mais comum, sair de uma ilha para vir estudar para o continente ainda assusta muitos jovens. Na opinião de Filipe Torres não há que ter medo: “se eu tivesse ficado na minha zona de conforto tinha ficado nos Açores e tinha tirado um curso totalmente diferente daquele que estou a tirar neste momento. Se tivermos medo não vamos chegar longe. Se tivermos ambição para algo, não podemos deixar fugir os nossos sonhos”. Hugo Andrade partilha da mesma opinião e aconselha os jovens ilhéus a arriscarem: “é fundamental para crescermos enquanto pessoas”. Fala ainda sobre a possibilidade de desistência – acredita que isto não deve ser um impedimento para arriscar, mas que, se acontecer, não é uma derrota: “Sei que muitas vezes é complicado e não há mal nenhum em desistir; às vezes é uma questão psicológica, mas arrisquem. Não se sintam menos capazes por não terem tido a capacidade de continuar.”

Direcionando-se aos estudantes que já se encontram na sua experiência fora da ilha, Hugo incentiva-os a agarrarem as oportunidades que Portugal continental proporciona, e Filipe chama a atenção para a diversão, que não deve ser absorvida pelo stress dos estudos. 

Fonte: Mariana Silva

Com uma licenciatura quase terminada, a questão que se coloca aos estudantes das ilhas é sobre se pretendem ou não regressar a casa e lá estabelecer a sua vida. Para o estudante de jornalismo Filipe Torres a resposta é clara. Tendo em conta os seus objetivos profissionais declara que optará por ficar por Lisboa: “se der para trabalhar nos Açores tudo bem, mas não é o meu primeiro objetivo. Devido ao largo ramo de oportunidades que há em Lisboa, preferia trabalhar aqui, obviamente”. Por sua vez, Hugo Andrade confessa que gostava de prosseguir estudos além da licenciatura. Em relação ao futuro, ainda não tem certezas. Diz que não se vê circunscrito a uma só realidade e que gostava que a sua vida profissional lhe permitisse isso. Não descarta, porém, a hipótese de voltar aos Açores: “sei que mais cedo ou mais tarde vou lá voltar. Se é numa fase da minha vida em que tenho de adquirir novas experiências, não sei. Ainda é incerto”

Assim, é desta forma que se muda de vida. Ora por escolha, ora por obrigação do destino, os estudantes das ilhas vivem submersos em saudades, mas também em sonhos e ambições. E são essas ambições e sonhos que os levam a saltar fora da ilha. 

Fonte da capa: ByAçores

Artigo revisto por Catarina Peixe

AUTORIA

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Margarida sempre se interessou pela escrita desde pequena. Nasceu em São Miguel, nos Açores, mas mudou-se para Lisboa para ingressar na ESCS e seguir o seu sonho e vir a ser jornalista nos grandes meios de comunicação portugueses. Desde fevereiro de 2022 até junho de 2023, foi editora de Grande Entrevista e Reportagem, mas agora aceitou o desafio de ser Diretora-Geral da ESCS Magazine. Espera estar à altura.