Editorias, Opinião

Sorrir tem que ser o único remédio

Chove. O dia não agoira algo mais do que isto. Não tenho nada a comentar sobre o orçamento de estado, ou sobre o estado das coisas, ou sobre as coisas do orçamento. Não me perguntem se voltar a pagar menos 25% pelo passe (até aos 23) é uma boa ou má medida, se temos dinheiro para devolver ao povo, mesmo que apenas uma miserável gota do oceano que sofreu. Também é ele parvo e ignóbil, também ele se endividou. Não me peçam, portanto, para comentar a atualidade, até porque a realidade é que não a sigo como devia, presto-me pouco a esse tipo de sadomasoquismo. E por favor não tentem que fale sobre a Maria Leal. Muito respeito pela senhora que está a fazer o seu trabalho (e bem), porém até o meu feed do Facebook já está cansado da mulher!

Agora que estamos entendidos, peço então, se não for pedir muito, que me deem alguns minutos da vossa preciosa atenção. Nem tem de ser atenção total, podem estar a bebericar o vosso café ou a ouvir musica, ou mesmo a conversar com o colega.

Otimismo. É uma palavra que carrega em si muito mais do que a sua origem. Sempre foi um mistério para mim as pessoas que conseguiam possuir este dom. Agora que inicio o pequeno, mas tão saboroso processo de aprendizagem, começo a questionar porque raio fui tão casmurro e resoluto em adotar, durante quase 22 anos de vida, uma conceção tão negativa e permanente da realidade. Vi num filme uma analogia, embora básica, bastante categórica do estado das coisas. Era quase uma fábula, dizia-se que dois lobos habitavam na floresta, um constituído pela tristeza e sofrimento e o outro pela luz e esperança. Perguntava-se então qual dos dois sobrevivia, ao qual a resposta seria: aquele que era mais alimentado. Embora se perceba que a simplicidade possa ter brechas evidentes argumentativas num mundo tão complexo, os princípios estão efetivamente presentes.

A verdade é que diariamente escolhemos percecionar o mundo de uma determinada forma, optamos por ver a sombra da pessoa em vez da pessoa que origina a sombra. Que o mundo é um local constantemente marcado pela conspurcação humana em toda a sua extensão é um facto. Que o mundo é um local constantemente marcado pela bondade humana, tão nossa, é outro.

Num artigo já longe, eu centrei a minha atenção na patente relatividade do mundo que nos rodeia. Disse não querer discutir se uma visão negativa seria mais ou menos benéfica para uma vida em sociedade. Agora vejo o quão necessário é esta discussão. Aliás, o otimismo deveria ser ensinado nas escolas, é um mecanismo que promove o avanço, ao contrário do ceticismo fácil e demagogo. Este é tão simples e intuitivo, é tão fácil constatar a desgraça alheia, conceber a inqualificável falta de progresso humano, onde os homicídios, os ódios, a corrupção, a guerra, se mantêm estanques e erradicáveis.

É fácil olhar para o mundo e retirar dele uma amálgama de sofrimento e uma consciencialização de um fatalismo que nos liberta, nos permite desculpabilizar e desresponsabilizar. Difícil é aceitar esse cenário e mesmo assim vestir um sorriso no rosto e tentar ser melhor. Difícil é ser corajoso, pois coragem não é aquele que avança sem medo, é sim aquele que tem consciência do medo e mesmo assim decide avançar. É não permanecer fechado na sua construção do mundo e olhar para o lado, é perguntar e não somente responder. É sorrir. É amar.

Se este caminho é mais tormentoso? Claro que sim, basta pensar na facilidade com que se consegue criticar qualquer coisa com pertinência e a quase impossibilidade de criar uma coisa nossa de raiz sequer semelhante ao anteriormente criticado.

Qualquer um de nós consegue olhar para uma fotografia, uma pintura, um jogo de futebol, e dizer que existem erros aqui e ali, que devia ter colocado mais profundidade, a tática não devia ter sido aquela, a cor tinha de estar mais vincada. Qualquer um de nós consegue apontar a um texto e encontrar dezenas de erros ortográficos, falhas na construção frásica, ou até lacunas de argumentação. Pede então que criem de raiz à sua maneira e estará irremediavelmente patente o paradoxo da capacidade humana: somos capazes de facilmente identificar falhas e apontar melhoramentos, contudo a construção dessas alterações esbarra sempre na nossa inaptidão natural para quase todas as coisas.

Qual a resposta? Sê corajoso, e por consequência otimista. Acolhe o erro e faz. Falha e faz melhor. Sorri para ti e para os outros. Aceita a sombra que faz parte do mundo, mas não a define. Alimenta o otimismo. Sorri novamente, desta vez com mais força. Faz a pessoa mais perto de ti sorrir. Vês? O mundo já é um local melhor.

Chove. O dia não agoura nada mais do que isto, e já é tanto. A chuva alimenta os campos que nos dão saciedade no estômago; a chuva dá-nos contexto para um serão refastelados no sofá a ver um filme; a chuva permite-nos adormecer serenamente ao seu som perfeito e acolhedor. Continuo sem ter nada a comentar sobre o orçamento de estado, ou sobre mil assuntos dos
quais tenho de estar melhor informado. No entanto, posso comentar a beleza de uma gargalhada que me proporcionaram, uma pequena ajuda que dei e recebi no olhar o melhor de todos os pagamentos. Pequenos impactos positivos transformam efetivamente o mundo. E se não for pedir muito, sorri mais uma vez. Com vontade.

“O João Garrido escreve ao abrigo do novo acordo autográfico”