Editorias, Opinião

Tauromaquia

A tauromaquia é todo o processo que envolve as “atividades culturais” com touros, indo desde a sua criação à dos cavalos que são usados nas touradas, passando pelo desenvolvimento dos trajes dos humanos participantes e pela música que dá ambiente a essas práticas.

A 28 de outubro deste ano a União Europeia votou para que os subsídios agrícolas, que eram usados para alimentar touros que seriam envolvidos nessas atividades, acabassem. Isso pode levar a que haja um colapso financeiro na tauromaquia, levando consequentemente a que esta exista com menos frequência. Mas continuam a existir os subsídios para as touradas e isso é uma decisão nacional. Infelizmente.

Infelizmente porque, por ser uma tradição – ou seja, uma prática que tem sido efetuada há tempo suficiente para que ela crie raízes numa cultura (em particular na portuguesa) e, por isso mesmo, seja normalizada dentro do contexto do nosso país -, o povo já não a questiona e pouco se revolta com o facto de uma percentagem da percentagem que ele dá ao estado seja utilizada para a tauromaquia, ou, se nos apercebermos, seja utilizada para matar animais, sem não deixar primeiro de entreter as pessoas que apreciam assistir a uma boa tortura deles.

O objetivo da tourada é representar o domínio do ser humano, que possui o poder da razão, sobre a força violenta do animal que é livre de defender-se; e isto cria arte de alguma forma.

Algumas pessoas defendem que não há que ter pena do animal (não sei a qual deles se referem) porque é uma luta igual entre duas partes. Mas eu tenho uma dúvida: se é igual porque há uma que vai num cavalo e com umas armas na mão e a outra leva apenas o seu corpo, por vezes modificado para não magoar tanto o adversário? E a desigualdade é demonstrada pela frequência com que o touro morre (acontecimento que é certo) e a com que um humano se magoa (acontecimento raro).

A parte do domínio da razão do humano sobre a força física do touro também é compreensível, quando se observa o primeiro a espetar as farpas nas costas do segundo e depois o mata, por vezes na arena, demonstrando a sua capacidade racional claramente superior

Há também quem compare os espetáculos em que se envolve (a tortura d’) o touro a um jogo de futebol. Ou seja: a tourada é comparável a uma partida em que vinte e dois humanos andam atrás duma bola; é comparável a um desporto em que no máximo dois ou três dos envolvidos rebolam na relva a dizer que se magoaram na perna, ou algo do género. Comparam isto a uma morte certa que há em todas as vezes que decorre uma tourada

Mas o problema desta comparação não se reduz à quantidade de sofrimento que é causado aos envolvidos, mas também ao facto de ninguém ser obrigado (pelo menos direta e legalmente) a jogar futebol, enquanto que se assume que o touro quer participar na tourada e ser especialmente criado com esse fim; digo que se assume porque não tenho conhecimento sobre perguntarem aos touros qual a sua vontade e a maioria deles responder “com toda a certeza que aceito; obrigado pelo convite, meu caro”.

Podemos comparar o futebol e a tourada no sentido da igualdade ou falta dela num dos casos, como já falei. No futebol, na maioria das vezes, ambas as equipas têm apoio razoavelmente parecido, ou pelo menos, têm as duas apoio, mesmo que o de alguma delas seja pouco. Na tourada o touro é visto como o inimigo, enquanto que os(as) toureiros(as) recebem todo o incentivo.

E é essa ideia que a tourada passa, de que o touro é como que um obstáculo ao triunfo humano, necessário de ultrapassar para que o humano prove a sua coragem. Isto contribui para a dessensibilização da população, que: não só associa sangue a entretenimento, com o que vê na arena; como, além de não aceitar farpas num cão ou num gato aceita num touro (que tem um sistema nervoso inferior?), também associa o touro a um animal que ataca o ser humano: associação que é reforçada quando: o público torce pelo(a) toureiro(a), e aumenta o seu ódio para com um animal que não pediu para estar ali, quando veem uma tentativa de ataque por parte dele contra o humano, ficando, devido ao instinto natural de nos aproximarmos dos com quem temos mais semelhanças, do lado deste.

É necessário tornar ilegal a tauromaquia; mas não é suficiente, pois vai continuar a haver pessoas que acham que o sofrimento de outro ser é algo razoável se a falta desse sofrimento lhes tira o divertimento. O povo podia divertir-se doutro modo, mas foca-se demasiado na necessidade de manter tradições que se esquece de ver o sentido ou falta dele que elas têm.

[A Maria Gusmão escreve com novo acordo ortográfico]