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The Hateful Eight

Três anos depois de Django Unchained, Quentin Tarantino está de regresso com mais um western – The Hateful Eight. Situado entre seis a doze anos após a Guerra Civil americana, dois bounty-hunters (ou caçadores de recompensas), uma prisioneira e um recém-nomeado xerife instalam-se numa pequena cabana onde já estão alojados quatro outros indivíduos, no mínimo caricatos, para se abrigarem de um agressivo nevão. O ambiente no Minnie’s Haberdashery nunca será pacífico e é marcado por tensão e ambiguidade quando o bounty John Ruth (Kurt Russell) começa a crer que um dos restantes homens planeia matá-lo e resgatar a sua prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), abrindo as portas para um típico filme de Tarantino.

O realizador do Tennessee apresenta um registo diferente em The Hateful Eight, não pela ausência dos habituais plot twists, de violência ou de sangue (esses são sempre mandatórios), mas sim pela sua sequência linear fluída, conseguida através da utilização de um único cenário na maior parte do filme. Excetuando a meia hora inicial, montada na paisagem branca do Wyoming a caminho de Minnie’s Haberdashery, a narrativa decorre nessa mesma cabana até à sua conclusão – um cenário fixo, assemelhando-se a uma peça de teatro dividida por vários atos (ou capítulos neste caso), por vezes com entradas e saídas de personagens dos planos. Além disso, as suspeições e inquietações entre os oito detestáveis fizeram-me sentir como se estivesse a reviver momentos de infância a jogar Cluedo – Tarantino escolhe o assassino, a arma utilizada e o local do homicídio, o tabuleiro é composto pelos compartimentos de Minnie’s Haberdashery e a audiência terá que adivinhar um culpado (ou mais) do leque de figuras compostas pelos oito detestáveis, à medida que estas vão expondo revelações acerca delas mesmas.

Esta interação entre as personagens ganha robustez graças aos excelentes diálogos e monólogos proferidos – enriquecem o filme ao torná-lo credível e natural, dão um toque de suspense, mistério e emoção e permitem um desenvolvimento constante da personalidade dos protagonistas. Mais do que nas produções anteriores, os diálogos são os alicerces do filme, pois caso Tarantino não se tivesse esmerado na qualidade interlocutória, The Hateful Eight era apenas mais um filme banalíssimo. Diálogos como estes já não se ouviam desde Reservoir Dogs ou Pulp Fiction e envolvem-nos no enredo ao mesmo tempo que nos dificultam a escolha por quem torcer, à medida que os acontecimentos se vão desenrolando.

Porém, para haver diálogos, tem de haver personagens para os verbalizar, e é aqui que entram as escolhas dos atores para interpretarem idealmente os anti-heróis da trama. Os oito nomes selecionados (a saber: Kurt Russell, Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, Demian Bichir e Jennifer Jason Leigh, a quem se juntam ainda, em papéis secundários, James Parks e Channing Tatum) são um conjunto de caras conhecidas com estreias absolutas nos elencos de Tarantino, entre os quais não “há uma grande estrela”, afirma o realizador, “dado que todas as personagens têm um papel de igual importância a desempenhar”. Todavia, e apesar da distribuição quase proporcional de preponderância entre os protagonistas durante as quase três horas de filme, há um que sobressai mais – falo, obviamente, de Samuel L. Jackson (então, Quentin, ele não é uma “estrela”?), que na quarta colaboração com Tarantino, faz, provavelmente, uma deslumbrante e arrebatadora performance, no papel do major Marquis Warren. Quem também merece destaque são Jennifer Jason Leigh, no papel da prisioneira Daisy Domergue, também uma das favoritas a ver o seu nome inscrito junto dos nomeados para Melhor Atriz Secundária dentro de umas semanas, e Walton Goggins, um nome menos conhecido que veio surpreender com a interpretação do excêntrico xerife Chris Mannix.

A trilha sonora é também um dos pontos fortes do filme. Composta por Ennio Morricone (um expert em temas para Westerns), o espectador é brindado com um brilhante som orquestral que se adequa ao estado de espírito e ímpeto das personagens. Para comprovarem a excelente música de fundo, recomendo a todos os leitores que ouçam o tema L’Ultima Diligenza di Red Rock, pois é capaz de ser uma das melhores composições orquestradas por Morricone e que também serve de tema introdutório ao que se espera de um filme épico. Escusado será dizer que o icónico compositor italiano já arrecadou vários prémios pelo seu trabalho neste filme, e espera-se que a lista continue a crescer nas próximas semanas. Ainda na banda sonora destacam-se a presenças das músicas Apple Blossom dos The White Stripes e There Won’t be Many Coming Home de Roy Orbison.

The Hateful Eight pode não ter tanta ação como nas prévias produções de Tarantino, mas este torna a não desiludir. Naquilo que considero uma fusão de Reservoir Dogs com Django Unchained, o realizador americano não procura dar uma lição de moral ou chegar a uma mensagem concreta no final do filme – quer unicamente entreter a audiência com uma mistura de humor e violência como só Tarantino sabe, proporcionando uma experiência visual fantástica ao utilizar uma bitola de 70mm, que caiu em desuso com o passar dos anos.