Opinião

Tolerar intolerantes. Até quando?

Sobre a ideia de tolerância, todos temos algo a acrescentar ao debate enquanto seres integrantes de uma sociedade estruturada e cumpridores de normas. Esta temática circular e intergeracional coloca-se no centro das conversações de variadíssimas organizações para a promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos. Assim, o Dia Internacional da Tolerância celebra-se, anualmente, a 16 de Novembro, fruto de uma louvável iniciativa da Organização das Nações Unidas

Quando colocados perante o que ser tolerante significa, nomeadamente numa situação que se revela opressora, atribuímos uma enorme confiança à premissa que enuncia que devemos ser infinitamente tolerantes para com o outro. Teoricamente, se este enunciado fosse cumprido na generalidade, estaríamos diante de um universo extremamente pacífico e empático, onde a concórdia reinaria. À partida, não parece desafiante ao cidadão bem-intencionado aceitar e defender a democracia e direitos fundamentais, inerentes à condição humana. Porém, não é essa a realidade com que somos confrontados diariamente.

Os nacionalismos e ideais não democráticos, que emergem como ervas daninhas, revelam-se ameaçadores da ordem. A incessante luta por problemáticas sociais parece não tomar um rumo favorável. Avançamos em direção ao progresso e à liberdade para seguidamente recuarmos. Teremos sido cegados pelo excesso de tolerância?

Esta problemática, exposta por diversos filósofos, revela-se pertinente em variadíssimos contextos políticos, sociais e morais. Uma sociedade democrática, progressiva e livre fortalece-se através de debates e de “conflitos verbais”, onde são expostos argumentos com pontos de vista diferentes, em prol da mudança e da cimentação dos seus valores. No entanto, o que é que acontece quando determinadas visões se revelam intolerantes? Para uma melhor tentativa de resposta a esta pergunta, é essencial mencionar um dos mais célebres paradoxos da tolerância elaborado por Karl Popper, um filósofo que testemunhou a ascensão do nazismo na sua cidade natal.

De acordo com Popper, “tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância, de forma ilimitada, aos intolerantes e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, assim como a tolerância em si mesma”. Analisando esta perspetiva, parece-nos irrealista continuar a invocar a tolerância em qualquer contexto, quando seria impossível aceitar determinadas práticas e comportamentos. Tendo compreendido esta posição, é-nos difícil contorná-la sem que nos desviemos daquilo que seria, para cada um, moralmente aceitável tolerar.

Deste modo, deparamo-nos com uma questão absolutamente subjetiva e valorativa, ao contrário do que provavelmente teríamos pensado. Posto isto, não é pretendido que não colaboremos com os outros ou aceitemos, também, as suas escolhas. Não ignoremos o facto de ser necessário colocarmo-nos na pele das pessoas ao nosso redor, para pensar na forma como agiriam em determinadas circunstâncias. Mais do que nunca, devemos refletir e consciencializar-nos acerca da posição que marcamos quando aceitamos ser benevolentes em relação a determinadas convicções e crenças, sem nunca criar hostilidade.

O apelo à livre manifestação de opiniões nomeia-se como uma estratégia utilizada por pregadores do ódio, para que a sua mensagem seja ouvida. Torna-se crucial relembrar que a liberdade de expressão não deve englobar discursos intolerantes. Tristemente, assistimos a uma abertura de portas ao fascismo, por parte de uma força política que desempenhou um papel relevante na recente democracia portuguesa, quando esta aceitou colocar-se no mesmo patamar de um partido racista, antissistema e não respeitador dos direitos humanos. O acordo parlamentar PSD/Chega (por outras palavras, a aliança entre a direita privilegiada e xenófoba) surge, assim, como um perigosíssimo ataque à democracia, pela violação de diversos princípios constitucionais. Relembremo-nos deste exemplo ilustrativo da tolerância que é dada aos intolerantes.

O debate e a predisposição à mudança revelam-se imperativos para que nos questionemos acerca daquilo com que compactuamos. Responsabilizar os intolerantes torna-se uma preocupação fundamental, tal como a luta contra ideais que não devem ser passíveis de tolerar. Independentemente do nosso destino, caminhamos em direção ao mais profundo estado evolutivo. Não cedamos ou toleremos quem nos faz retroceder.

Artigo por Margarida Alves

Artigo revisto por Ana Rita Sebastião.