Editorias, Opinião

Um humorista, um parvo e uma loira entram num bar…

É difícil fazer humor no mundo em que vivemos. Toda a gente sabe isto, de uma forma ou outra; quase todos nós já tentámos fazer uma piada sobre qualquer coisa e acabámos por ser julgados em praça pública como se se tratasse de um homicídio qualificado.

Aprendi da forma dolorosa que nem todas as pessoas gostam de piadas sobre bebés mortos – perdi três seguidores no Tumblr. Não conseguem imaginar o estado de tristeza em que fiquei (spoiler: abri nova página e escrevi uma piada sexista. Perdi dez seguidores. Ri-me desalmadamente e depois parei, só para a minha família não pensar que sou louca.).

No mundo ‘real’, as pessoas são ligeiramente mais agressivas; se contar uma piada sobre bebés mortos, sou excomungada e alguém acabará por se tornar uma espécie de Rainha de Copas e gritará “cortem-lhe a cabeça!”. Geralmente, não ando por aí a contar piadas sobre bebés mortos e deve ser por isso que ainda não fui fazer companhia ao Luís XVI e à Maria Antonieta.

Isto não significa, claro, que as pessoas não me julgam quando entram no meu Facebook e vêem que coloquei gosto na página do Rui Sinel de Cordes. Pelo que percebi nos últimos dias, Cordes fez uma piada sobre a forma como o cancro é mediatizado hoje em dia (dirigida, claramente, não só à Sofia Ribeiro mas a todas as figuras públicas que utilizam esta doença para obter um qualquer reconhecimento na sociedade). Caiu-lhe meio mundo em cima.

Definição de meio mundo: pessoas que gostam muito de ler grandes headlines no Facebook; pessoas que levam a sério as notícias que saem no Correio da Manhã; comentadores de televisão que só eram relevantes no início dos anos 2000. Em formato de lista meio descritiva, apresento-vos algumas das coisas que foram ditas sobre Rui Sinel de Cordes:
1. O Nuno Graciano que manda piromaníacos irem levar com uma “fogueirinha pelo cu acima” foi o mesmo que disse que o Rui Sinel de Cordes era “uma besta” (piromania é uma perturbação mental. O Nuno Graciano não sabe porque ele próprio deve ter alguma. Mas não quero entrar nisto. Je ne suis pas Charlie).
2. Maya disse que Cordes era um “humorista sem h”. Para além de não saber adivinhar o futuro, não sabe falar português. O que é um umorista? É um humorista, só que em espanhol. Deve achar mais graça às piadas dele noutra língua.
3. Cláudio Ramos afirmou que aquilo que Cordes queria era que falassem dele e que lhe dessem tempo de antena nas televisões. Quero evitar fazer piadas sobre Cláudio Ramos porque, independentemente daquilo que eu disser, vai soar a piada altamente homossexual. Je ne suis pas Charlie. Mas não é ele que tenta fazer muitas afirmações chocantes sobre sexo para se manter relevante?

Eu gosto do Rui Sinel de Cordes. Gosto das piadas ofensivas que faz, gosto do facto de não estar minimamente preocupado com os portugueses hipócritas que ofende. Humor é humor. Em Portugal, acha-se muita graça à típica piada brejeira da loira burra ou dos alentejanos preguiçosos. Ninguém ofendido quando se começa uma história com “um inglês, um alemão e um português entram num bar…” Piadas sobre o dinheiro que as celebridades ganham ao mediatizarem uma doença de que milhões de pessoas no mundo inteiro sofrem já são outra coisa. Piadas sobre morte em geral são um problema. E religião, também.

Humor é arte. Humor negro é arte. Quadros são arte. Sabem qual a diferença entre um quadro e Jesus? Para pendurar um quadro, só precisamos de um prego. Religião não é arte.

Não saber distinguir humor de coisas sérias também não é arte. É estupidez.

A Marta Silva escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico