“Listen”: Mais do que um filme, uma denúncia
Foi no ano de 2016, que se tornaram conhecidos, através dos órgãos de comunicação social, os casos chocantes de adoções forçadas em Inglaterra. Crianças são retiradas às suas famílias – na sua grande maioria, de nacionalidade estrangeira -, que pertencem a classes baixas e não têm grandes possibilidades de contornar e de fazer frente a um sistema abusivo cujos processos são, à partida, dogmáticos e irreversíveis. Aliás, o Estado paga grandes quantias de dinheiro a determinadas famílias para que adotem estas crianças.
Listen, esta que foi a primeira longa-metragem dirigida por Ana Rocha de Sousa,valeu respeitáveis e meritórias distinções à realizadora (e também atriz) portuguesa no Festival Internacional de Cinema de Veneza, em setembro deste ano. Baseou-se nestes factos reais, de modo a retratar a dor trágica de uma família portuguesa a quem os serviços de Segurança Social britânicos retiram os três filhos menores, por suspeita de maus tratos. Bela e Jota (interpretados pelos atores Lúcia Moniz e Ruben Garcia), os pais, entram numa desnorteadora espiral de mentiras e de adoções forçadas, com desculpas esfarrapadas por parte do sistema daquele país, onde os interesses das crianças não são, de todo, salvaguardados.
A narrativa arranca com uma calma perturbadora, como que a prever a tempestade. Aos espetadores é apresentado este casal português e emigrante que habita nos subúrbios de Londres com a família. Pobres, lutam para satisfazer as suas necessidades básicas. Bela, a mãe “leoa” e impulsiva, vive com um agoniante pressentimento de que, brevemente, as suas vidas mudarão para sempre.
Durante 73 minutos, o público é sugado pelo desespero dilacerante das personagens. Os diálogos tendem a misturar as línguas portuguesa e inglesa (espelhando o que acontece no dia-a-dia de tantas famílias emigrantes) e vão-se intensificando à medida que a narrativa avança, de modo proporcional ao drama vivido pelas personagens principais, interpretadas pelo elenco de excelência liderado por Lúcia Moniz, Ruben Garcia e pela atriz inglesa Maisie Sly, de apenas nove anos.
A fotografia do filme é simples e não existem grandes bandas sonoras (ainda que a música que nos conforta nos créditos finais, Hold My Hand, de Nessi Gomes, seja soberba). Existe, apenas, a realidade, nua e crua, retratada através de cenas que não se prolongam muito e que são destacadas através de uma luz melancólica, típica dos subúrbios da capital britânica, onde o sol pouco resplandece – o que nos remete, igualmente, para o drama vivido pelas personagens, a quem lhes é tirado tudo o que de mais importante têm na vida. Esta situação acaba mesmo por levá-las ao limite, ao mesmo tempo que a angústia nos enterra, enquanto espetadores, na cadeira da sala de cinema.
Mais do que uma experiência cultural, Listen oferece ao público um momento de reflexão. Ana Rocha de Sousa desvenda os primeiros acontecimentos do filme de uma forma que procura manipular e induzir o espetador em erro, para que também ele tenda a criar juízos de valor precipitados em relação a esta família, como que caindo numa armadilha. Arrebatadora e sublime,esta coprodução luso-britânica apenas chegaria às salas de cinema portuguesas no próximo ano. Felizmente, chegou mais cedo e acabou por estrear em Portugal no passado dia 22 de outubro.
A primeira e bem sucedida longa-metragem de Ana Rocha de Sousa foi uma das pré-selecionadas, entre trinta e três filmes portugueses, para se tornar candidata à categoria de Melhor Filme Internacional da 93ª edição dos Óscares, a ter lugar em abril de 2021. É já no próximo dia 16 de novembro que ficamos a conhecer a decisão da Academia Portuguesa de Cinema.
Artigo redigido por Inês Sousa Martins
Artigo revisto por Bruna Gonçalves
AUTORIA
Uma pessoa de muitas paixões. Por isso, licenciou-se em Informação Turística, está a terminar o Mestrado em Jornalismo e quer tirar Doutoramento em História Contemporânea. A ideia de ter uma só carreira durante a vida toda aborrece-a. A Inês gosta de escrever, de concertos, dos The Beatles, de Itália, de conduzir e dos seus cães. Sonha em visitar, pelo menos uma vez, todos os países do mundo.