Cinema e Televisão

“The Father”: Por favor, protejam Sir Anthony Hopkins a todo o custo

Talvez The Father não seja um filme para todos; mas é um filme que todos deveriam ver. Florian Zeller, romancista e dramaturgo francês, estreou a peça homónima (“Le Père”) em setembro de 2012, em Paris, e, depois de a mesma ter vencido um Prémio Molière e ter percorrido teatros de todo o mundo (incluindo Portugal), foi surpreendentemente transposta dos palcos para o grande ecrã.

Quando decidiu dirigir The Father enquanto sua primeira obra cinematográfica, Zeller sabia bem que a personagem do pai tinha de ser interpretada por aquele que considera ser o “maior ator vivo” – Anthony Hopkins –, tanto que decidiu alterar o nome do protagonista de André para… Anthony. A interpretação exímia valeu ao ator galês o Óscar de Melhor Ator na cerimónia realizada em abril deste ano, o segundo da sua carreira – o primeiro recebeu-o quando vestiu a pele do inesquecível Dr. Hannibal Lecter em The Silence of the Lambs –, tornando-o, assim, na pessoa mais velha a receber uma estatueta dourada, aos 83 anos. Esta vitória causou, apesar disso, algum rebuliço na Internet, uma vez que se supunha que seria Chadwick Boseman a receber o galardão a título póstumo.

Anthony Hopkins e Olivia Coleman são pai e filha em The Father. Fonte: MoMA

A narrativa é-nos apresentada como sendo relativamente simples. Anthony (o protagonista) é um senhor octogenário que habita sozinho no seu apartamento. A sua filha, Anne (interpretada pela atriz britânica Olivia Colman, que também arrecadou, em 2019, o Óscar de Melhor Atriz com The Favourite), está de partida de Paris, depois de se ter apaixonado por um homem, e luta para que o seu pai aparentemente temperamental aceite uma das enfermeiras que ela, em vão, tenta contratar para o auxiliar no dia a dia. Anthony passa o tempo todo à procura do seu relógio, o qual perde frequentemente – ou será que, na realidade, perde a noção do tempo que passa por ele?

A solidão de se encontrar preso dentro dos próprios pensamentos. Fonte: alternateending.com

A certa altura, o espetador começa a ser sugado para o interior de uma ampulheta infinita, não conseguindo sequer decifrar o tempo que separa as diferentes cenas. Será passado? Será futuro? Será que aconteceu mesmo? Perguntas pairam sobre Anthony e sobre a própria audiência que é forçada a entrar na mente da personagem e a sentir uma constante e estranha sensação de déjà-vu. Uma dúvida sufocante consome ambos quando o pai vê um homem estranho na sua sala que se apresenta como sendo o seu genro, quando Anne não é Olivia Colman ou até quando uma das enfermeiras que a mesma lhe apresenta tem a aparência da sua outra filha, a qual presumivelmente morreu num acidente. A confusão que percorre os pensamentos do protagonista é a mesma que se faz sentir nos do público. O espetador, impotente e como que anestesiado, assiste ao inevitável desmoronamento de Anthony, numa relação tempo-espaço distorcida com elegância e fluidez, mas, acima de tudo, com angústia.

A exímia interpretação valeu o segundo Óscar de Melhor Ator a Hopkins. Fonte: stuff.co.nz

The Father não é apenas um filme sobre a decadência e a demência de um homem outrora enérgico e cheio de vida. Conta-nos também a história da sua filha, que se depara com o mais doloroso dos dilemas, em relação a um pai cuja doença não permite valorizar e agradecer o amor de Anne, rebaixando-a e desdenhando-a. Florian Zeller é bem-sucedido naquela que foi, desde início, a sua grande missão com esta obra: envolver o espetador ao ponto de este questionar tudo e de sentir que pode perder tudo, incluindo a sua própria orientação ao assistir ao filme – a mesma perda sistemática de orientação de que sofre Anthony. Tanto que a longa-metragem lhe valeu o Óscar de Melhor Argumento Adaptado.

A mestria com que conduz e leva o seu guião a cena poderá em muito ter a ver com o facto de o próprio Zeller, quando tinha apenas 15 anos, ter acompanhado o processo de demência da sua avó, de quem era muito próximo. Aquilo que o realizador pretendeu de Anthony Hopkins não foi tanto a interpretação de uma personagem, mas antes a conduta de um homem real ao ser confrontado com as suas próprias emoções e com a sua própria mortalidade. Este facto, claramente aliado ao monstruoso talento do ator protagonista, contribuiu para que a história de The Father lançasse os seus tentáculos para fora do grande ecrã, esborrachando e possuindo a audiência de tal forma até ao ponto de esta já não saber distinguir o que é realidade e o que é ficção.

Florian Zeller, à direita de Hopkins, adaptou a sua peça de grande sucesso à Sétima Arte, sabendo que só o poderia fazer ao lado do ator. Fonte: Observador

O elenco é pequeno, mas a enormidade das suas interpretações preenche todas as medidas do grande ecrã, contando com nomes como Olivia Williams, Mark Gatiss, Imogen Poots e Rufus Sewell, ainda que, evidentemente, sejam as personagens de Hopkins e de Colman aquelas que mais se destacam. Apesar de The Father ser um filme triste e comovente, não arrasta o espetador para um drama intenso e hiperbólico; muito pelo contrário. Mantém os pés bem assentes na terra e retrata uma situação real, no suspense crescente que marca a demência enquanto enfermidade crónica – à qual todos nos encontramos expostos, enquanto seres humanos. Confronta-nos com a nossa própria vulnerabilidade. É por isso que é tão assustador.

Anthony Hopkins: um ator que marca várias gerações. Fonte: Youtube

E porque não há spoiler que valha uma película como esta, a cena final é dotada de uma genialidade suprema por parte de Hopkins – sendo, muito provavelmente, a melhor dos 97 minutos de filme. Felizmente, o merecido reconhecimento ainda lhe chega em vida. Long live Sir Anthony Hopkins.

Trailer oficial. Fonte: Youtube

Artigo redigido por Inês Sousa Martins

Artigo revisto por Miguel Bravo Morais

Fonte da imagem de destaque: justwatch.br

AUTORIA

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Uma pessoa de muitas paixões. Por isso, licenciou-se em Informação Turística, está a terminar o Mestrado em Jornalismo e quer tirar Doutoramento em História Contemporânea. A ideia de ter uma só carreira durante a vida toda aborrece-a. A Inês gosta de escrever, de concertos, dos The Beatles, de Itália, de conduzir e dos seus cães. Sonha em visitar, pelo menos uma vez, todos os países do mundo.