Cinema e Televisão

Get Out: Uma análise fundamentada a uma pequena desilusão

A obra de Jordan Peele fala-nos sobre racismo e hipnose. Uma análise de um tipo que nunca vê filmes de horror nem de terror.

O filme Get OutFoge, em português – pertence aos géneros cinematográficos “mistério”, “thriller’‘ e ”horror”. Não podemos depreciar o filme pelo facto de não cumprir os requisitos que se exigem a uma produção de classe média alta de Jordan Peele.

Daniel Kaluuya personifica o fotógrafo Chris Washington. Fonte: Vulture

Olhemos para a obra de três ângulos diferentes: primeiramente, é necessário analisar o guião, as falas e a fluidez com que os atores conseguiram encaixar os diálogos durante a ação. Apesar de ter ganhado o prémio da Academia em 2017 na categoria de “guião”, parece-me uma premiação manifestamente desmesurada, se tivermos em conta o sentido literal das falas. Deixo já claro que não me vou aventurar em análises metatextuais.

O guião parece-me “porreiro, pá”, sendo que o mérito da naturalidade do discurso vai todo para as performances extraordinárias dos atores – com especial enfoque para Daniel Kaluuya, que já nos tinha brindado com atuações marcantes no segundo episódio da série Black Mirror e no filme Black Panther. Encaixou como uma luva na personagem de Chris Washington, um jovem afro-americano fotógrafo que, para além de ser atencioso, comunicativo e empático, tem um lado aventureiro e curioso. Uma personagem capaz de se emocionar, mas também de ter a frieza para agir quando não encontra saída. Realço então Kaluuya e a criação desta personagem.

Passo para o outro prisma, o de enquadramento social. Este tem que ver com o racismo e o preconceito que continuam a ser uma realidade tangível na era contemporânea. Se por um lado o tema é pertinente e nos são apresentadas personagens realisticamente racistas ao longo da trama, o que é um ponto positivo, por outro lado classifico como negativo e exagerado o protagonismo dado ao tema, até metade da duração do filme. A certa altura, sentimos uma súbita vontade de mudar de canal quando constatamos que todas as falas nos remetem para os chavões do racismo em Hollywood: a família caucasiana que tenta, de forma atabalhoada e ineficaz, mostrar-se tranquila com a relação interracial, os receios do jovem afro-americano por se sentir diferente e, como não poderia deixar de ser, as constantes referências à subjugação de negros num contexto burguês e aristocrata a uma família branca.

É neste momento que a segunda metade do filme, esta sim inovadora, nos salva. Os comportamentos bizarros dos empregados; a subserviência quase robótica e sintética da mulher-a-dias e do cortador de lenha; a descoberta de que a família que a personagem principal encontra é lunática; toda a violência, ação, suspense e horror preenchem os nossos instintos humanos. Todavia, será que isso é arriscar no cinema?

Acho que já perceberam que estamos no último ponto. Se apertarmos Get Out como quem aperta um pacote de leite com chocolate, percebemos que o tema é oportuno e importante. Contudo, nada é novidade e o filme é captado de um ângulo pouco instigante – o racismo num contexto de uma família elitista.

A segunda parte é rica não só  visualmente, como também na forma como retrata o processo da hipnose. As imagens e as mudanças bruscas de sons fazem-nos sentir o pânico e o terror que é estar no corpo do jovem Chris. É na segunda metade da história que Jordan Peele nos invade com a aclaração do verdadeiro sentido do filme. Eis a surpresa: o filme é nada mais nada menos do que um campo de escravos do século XXI.

O argumentista, guionista e realizador Peele consegue, num cenário misterioso e estranho para o espetador, colocar à frente dos nossos olhos aquilo que foram milhares de anos de escravatura e aquilo que é todo o processo de manipulação e transformação mental que ocorre numa pessoa que deixa de ter liberdade, perdendo a consciência.

A obra Get Out é uma estratégia subtil para que percebamos, através da modernidade indissociável de hoje, uma ínfima percentagem do contexto esclavagista de outrora.

Em jeito de finalização, quero ressalvar que esta análise tem apenas em conta o conteúdo bruto da ação, ou seja, o argumento, o guião, o realismo dos diálogos, os efeitos sinestésicos e o contexto social/a mensagem geral do filme. Acredito que haja inspirações e referências a antigas obras na categoria “terror” e/ou “horror”, mas isso transcende o meu entendimento sobre este estilo de filmes.

Fica uma classificação de seis valores, quando esperava sete ou oito. Ou seja, esperava um croissant misto, de massa quente, extraordinário, e encontrei um croissant de centro comercial, numa caixa de plástico, com sementes e bem saboroso.

Artigo redigido por Gonçalo Borbinha

Artigo corrigido por Andreia Custódio

Fonte da imagem de destaque: American Film Institute

AUTORIA

+ artigos

O meu sonho, para além de conseguir aprender a jogar xadrez, é tornar-me num homem dos sete ofícios da área da comunicação. Para além do jornalismo, tenho um fascínio enorme pelo entretenimento, representação, guionismo, realização e literatura. O cinema é a forma de expressão artística que mais me agita, juntar-lhe a escrita é aliar ao entusiasmo tresloucado um cubo de gelo refrescante e ponderado: o meu ying yang.