Música

À conversa com Cláudia Pascoal – “Comunicar é o nosso maior superpoder”

A 1 de outubro, a Magazine celebrou o dia Mundial da Música da melhor forma… com Talks! Tivemos como convidada Cláudia Pascoal, que nos trouxe a sua visão sobre o panorama musical português e a importância de manter a identidade artística num mundo em constante mudança.

Experimentar as Várias Facetas da Criação Artística – O Percurso de Cláudia

“Eu nunca quis ser artista de música, sempre achei a profissão mais instável de sempre.”, começa por confessar Cláudia.

Natural de Arco de Baúlhe, a artista cresceu num meio “onde ter qualquer sonho fora de algo estável era impensável”

No secundário estudou ourivesaria, atraída pela tradição da filigrana de Gondomar. Mais tarde, convenceu os pais a deixarem-na estudar Artes, porque tinha o sonho de ser “professora universitária de escultura, de arte… do que fosse”Em Artes, descobriu a paixão pelo cinema e ainda durante a licenciatura fez um casting para o programa Curto Circuito, da SIC Radical, onde acabou por ficar.

No entanto, a música já a acompanhava. “Eu tive sempre uma guitarra às costas no secundário”, recorda. Para ganhar algum dinheiro, tocava na rua de Santa Catarina e no Metro do Bolhão, experiências que considera terem sido “a melhor escola de todas”. Ainda assim, sempre pensou que o seu percurso seria mais ligado ao cinema.

Fonte: Número F

Passou pelo programa Ídolos, saiu do Curto Circuito, passou também pelo The Voice, criou uma empresa de videoclipes e, no decorrer de todo este processo, conheceu Isaura, que a convidou para interpretar O Jardim, música que acabou por vencer o Festival da Canção, em 2018.

“De repente, aquilo ficou mesmo viral. Chegamos à final. Mal eu saí [do The Voice], foi imediatamente a apresentação do Festival da Canção. No mês a seguir estava a cantar no Festival, que ganhei, e dois meses a seguir estava a cantar para milhões de pessoas. Foi muito rápido. Agora, com alguma distância, foi a situação mais violenta que acho que já me aconteceu em toda a vida. Não tive qualquer tipo de apoio ou de ensinamento sobre como se tratava esse meio.”

Ainda assim, Cláudia retira vários pontos positivos de toda esta experiência, considerando-a um ponto de viragem. Destaca ter conhecido e feito amizades com vários artistas que idolatrava – JP Simões, Samuel Úria e Francisca Cortesão – e o convite da Universal Music para escrever o seu primeiro álbum, em português, editado em março de 2020, intitulado: ! .

Cláudia confessou ter sentido a necessidade de regressar ao Festival da Canção, em 2024, para se reafirmar como artista, com Nasci Maria:

“Sou cor-de-rosa fluorescente e verde fluorescente, com danças. Sou minhota, sou Britney, sou tudo um pouco desse mundo esotérico que acho que não existe assim tanto em Portugal. Portanto, fiquei muito feliz de lá voltar.”

Nasci Maria – Videoclipe

A 19 de maio de 2023, lançou o seu segundo longa-duração – !! . Este conta com a produção de David Fonseca e com as participações de Manuela Azevedo, Marante, Natalia Lacunza e da humorista Joana Marques, assim como com alguns arranjos de Filipe Melo. Este disco é a prova de como a cultura pop consegue absorver as tradições e as raízes musicais do Minho.

Encontrar Conforto no Desconforto e a Indústria Musical Portuguesa

Para Cláudia Pascoal, o desconforto é essencial: “A partir do momento em que estiver confortável a fazer isto, não o faço mais. Gosto muito do desconforto, procuro sempre isso”, confessa, reconhecendo que o crescimento raramente nasce da estabilidade, algo que no seu passado era impensável. Essa necessidade constante de se desafiar reflete-se em tudo o que faz.

“Ser artista em full package é muito difícil. Às vezes preferia ser cantora, só. Já há muitos artistas que são cantores, aparecem para cantar, não produzem, nem escolhem a roupa, está tudo tratado. E às vezes penso: eu era capaz de ser mais feliz assim. Mas pronto, escolhi agora este rumo e sair daqui seria quase irresponsável da minha parte. Gosto do que faço […] sou eu que preparo tudo: o LED wall, as luzes, o timecode, as backing tracks… sou eu que lanço as coisas.”

Leonor Almeida (3º. ano RPCE), Beatriz Mendonça (3º. ano PM) e Cláudia Pascoal | Fonte: Número F

Apesar do entusiasmo, a artista é transparente sobre o lado mais duro da profissão. “Tive dois meses de baixa por burnout. Gerir tudo, equipa, produção, comunicação, é um trabalho 24 sobre 24 horas.”

Falou-nos ainda dos problemas da indústria musical portuguesa e do seu machismo inerente: “As pessoas acham que estamos a evoluir, mas estamos a regredir. Vivemos tempos em que há cada vez menos aceitação do que é “diferente”. O machismo dentro da área musical é enorme.”.

O que acaba por se refletir nos nomes predominantemente masculinos que vemos nos cartazes dos grandes festivais (e não só). A artista afirma que é necessário existir espaço para os artistas que, como a própria, fogem ao “normativo”.

Cláudia mantém-se inabalável na sua convicção de fazer tudo “à sua maneira”: “Adoro a lição do My Way, do Frank Sinatra — fiz da minha maneira. E se não correu bem, não interessa, porque fiz da minha maneira.”

Puras Donzelas: um manifesto feminista e político

Puras Donzelas nasce a partir de um olhar curioso sobre as diferenças rítmicas entre o norte e o sul do país, uma descoberta que fascinou a artista durante as suas viagens e concertos. “No Minho, as músicas são rápidas, quase frenéticas, porque está frio. No Alentejo, são lentas e cantadas em grupo, porque está calor. Tudo faz sentido: o clima molda o som.”

É um manifesto feminista que exalta a autenticidade e a força individual, rejeitando os padrões impostos pela sociedade. Neste novo single, que mistura gaitas de foles distorcidas, batidas eletrónicas e coros que evocam as tradições minhotas, a artista convida-nos a deixar de ser “mais uma ovelha no rebanho”.

“O ‘põe-te na fila, mãozinhas no compasso’ vem dessa ideia de nos quererem sempre certinhas, alinhadas, controladas. Daí a parte do ‘eu? não!’.” 

O single marca o início de uma nova fase criativa, mais autónoma e experimental: “Estou neste momento a fazer mesmo tudo sozinha, de raiz. A tocar os instrumentos todos e a produzir.” O processo de criação deste single está documentado tanto no Instagram, como no TikTok de Cláudia, para todos aqueles que tiverem curiosidade!

Puras Donzelas – videoclipe

Uma mensagem aos nossos leitores:

“Comunicar é o nosso maior superpoder. Nós conseguimos tudo o que quisermos, se soubermos comunicar bem. Por favor, utilizem esse superpoder para aquilo que querem de uma forma positiva, saudável e nunca larguem os vossos projetos. Nunca desistam. Nunca pensem: “Ah, este projeto não é assim tão bom. Se calhar as pessoas não vão ver.” Who cares? Se as pessoas vão ver ou não, façam. Eu fiz muita coisa que nunca ninguém viu, que está para aí na Internet, mas que foi o meu caminho até chegar onde estou agora. Portanto, façam, mas durmam também, por favor.”

Fica aqui o convite à escuta do trabalho de Cláudia Pascoal, que pode ser ouvido em todas as plataformas digitais.

Fonte: Número F

Fonte da Capa: Número F

Artigo revisto por Mariana Ranha e Eva Guedes

AUTORIA

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A Beatriz não vive sem música e tem uma playlist para todas as ocasiões. Entrou na Magazine para escrever sobre quem mais gosta de ouvir e, após um ano como redatora de Música, aceitou o desafio de ser editora no mesmo ramo, mas não se ficou por aí! No futuro, espera vir a unir o gosto pela escrita e pela música à Publicidade e ao Marketing, mas, por enquanto, é Vice-Diretora da melhor revista de Benfica, a ESCS Magazine.