Música

À conversa com Peculiar – “Não cortem pedaços de vocês para se sentirem menos sozinhos.”

A 1 de outubro, a Magazine celebrou o Dia Mundial da Música da melhor forma… com Talks! Um dos nossos convidados foi Peculiar (João Nicolau Quintela), jovem músico e compositor farense, que nos trouxe a sua visão sobre o papel da música enquanto forma de expressão e de identidade.

Em que ponto da história é que João se tornou Peculiar?

Desde cedo que a música faz parte da sua vida, mas não necessariamente através das influências familiares. Aos cinco anos aprendeu a harmonizar no coro escolar, mas foi no terceiro ano que a paixão pela música ganhou contornos mais definidos: ao ser confrontado por uma colega com uma partitura musical, que, na altura, não sabia decifrar, João sentiu-se “inferior” – sentimento que desencadeou a sua entrada no conservatório. 

“Logo aí, houve uma coisa de que gostava muito: fazer harmonias e harmonizar as vozes. Odiava tocar flauta (risos).”

No entanto, a criação e a composição musical surgiram mais tarde, quando entrou para o secundário. Frequentou o décimo ano em Ciências e Tecnologias, decisão que considera ter sido um erro. Estando muito aborrecido nas aulas e sem conseguir acompanhar os colegas, João começou a ter melodias a “vir-lhe à cabeça”, começou a apontá-las com o gravador do telemóvel e a tentar criar letras para elas. 

A sua primeira tentativa de composição parecia genial até se aperceber de que era baseada na música “All I Want”, dos Kodaline, e, por isso, considerada plágio. Foi a partir desse momento que percebeu que tinha potencial para compor e começou a “mergulhar” neste vasto mar que é a música.

Com a decisão de ser músico, João (agora Peculiar) mudou-se para Lisboa para estudar Criação e Produção Musical.

Fonte: Número F

A sua experiência no Algarve, embora rica, revelou as dificuldades que, infelizmente, os artistas enfrentam fora dos grandes centros urbanos. Em Lisboa, conseguiu encontrar oportunidades e pessoas com interesses semelhantes, fundamentais para o seu crescimento artístico.

“Estamos a perder determinada música que poderia existir e acho que, cada vez mais, e agora com a ascensão das boybands alentejanas, estamos a perceber que nem toda a música boa é feita só em Lisboa ou só no Porto. Quem quer muito isto vem para cá e tenta fazer acontecer, mas, às vezes, não têm as condições, seja económicas, sociais ou mesmo psicológicas, de conseguir ir para um determinado sítio, mudar a vida toda e estar ali a tentar, por durante não sei quanto tempo, fazer a música delas.”

– Peculiar acerca das diferenças de oportunidades que existem fora das grandes áreas metropolitanas.

Lágrimas de Pérola

A 10 de novembro de 2023 lançou o seu primeiro EP, composto, entre as saudades de casa e as “dores de crescimento”, desde que partiu de Faro para Lisboa.

Conta com as faixas: Escura Noite, Lua, Chora e Chover. É com estes temas que a sua estética musical se solidifica, após passar por um período experimental com outro nome artístico. 

“A Lua foi a primeira música que, se eu olhar agora para trás, continuo a gostar, continuo a sentir que me representa. Foi a primeira música do meu repertório enquanto Peculiar, até porque antes era Peculiar & Freak, uma péssima escolha de nome (risos).” 

Fonte: Instagram @peculiar.wav

Conversámos também sobre as várias referências ao mar feitas pelo músico algarvio, que fazem parte da sua identidade artística. Esta tendência involuntária acaba por criar um léxico à volta das suas canções que também se estende à sua componente visual. Peculiar afirma já ter “sofrido muito” na gravação dos videoclipes por estar constantemente a levar com água, principalmente de madrugada. O artista afirma que “todo este esforço vale a pena” e a prova disso está à vista de todos!

A Experiência no Festival da Canção

Já tinha submetido Adamastor a concurso em 2023, porém, só em 2025 – e com uma nova “roupagem” – participou no Festival a convite da RTP, num dos anos mais imprevisíveis em termos de tendências, em que ninguém conseguia prever um vencedor.

Adamastor junta elementos da história e mitologia portuguesa com uma abordagem moderna, representando a sua visão de que a música deve ser um espaço de identidade e transformação.

O Festival representou um momento de viragem na carreira de Peculiar, foi uma experiência descrita pelo próprio como uma “viagem pessoal de superação”, dando-lhe palco para mostrar o seu trabalho a quem ainda não o conhecia e aprendendo a lidar com feedbacks maioritariamente positivos, mas também negativos.

Videoclipe – Adamastor

“Não é como um concerto em que, se calhar há uma coisa aqui ou ali que vai ao lado, mas no final do concerto as pessoas lembram-se da experiência no geral. Ali não, estás em direto e depois estás no YouTube em HD para toda a gente ver qualquer erro que tu possas fazer. Essa confiança, a coragem, é mesmo importante!”

O novo EP – “E No Sétimo Dia Deus Criou”

O novo EP de Peculiar, a editar no dia 31 de outubro, será um projeto conceptual e ambicioso centrado na exploração de seres mitológicos e na sua associação a histórias do nosso dia-a-dia.

A narrativa visa questionar o que é certo ou errado. Peculiar pega em figuras tradicionalmente vistas como “vilões” e questiona se estes “monstros não são necessariamente monstros, mas sim personagens mal interpretadas”.

O pensamento que desencadeou a criação do EP está ligado à sensação de se sentir peculiar ou ostracizado. O artista reflete sobre as pessoas que são vistas como estranhas ou “monstros”, mas que, na verdade, são apenas alvo do sentimento de repulsa praticado pelos outros – os verdadeiros “monstros”.

Este contará com Adamastor, João Pestana – que explora a incapacidade de dormir pela inquietação de uma mente criativa que não se consegue desligar, sendo também uma metáfora sobre os sonhos: o artista sugere que as pessoas que cumprem os seus sonhos na vida real, na verdade, nunca acordam – Vampiros, Moura, Lobisomem e mais uma canção ainda não revelada.

O single Vampiros, uma reinterpretação da canção de Zeca Afonso, foi incluído por “encaixar extremamente bem” no tema dos seres mitológicos.

Fonte: Número F

É uma homenagem aos avós do artista e a toda a geração que lutou pelo 25 de Abril, funcionando também como um manifesto contra o crescente extremismo na sociedade. 

João tem uma grande admiração por Zeca Afonso, algo que começou desde muito cedo, embora de forma inconsciente.

“Os meus avós e a minha mãe costumavam cantar muito músicas do Zeca, mas eu não sabia que eram do Zeca. Pensava que eram eles que as tinham inventado. Muito mais tarde, quando vim para Lisboa, no início do meu tempo da faculdade, é que me apercebi de que as músicas eram do Zeca e comecei a explorar mais.”

Moura é “a música mais relatable”, uma canção de desamor e talvez a menos metafórica de todo o EP.  Esta canção aborda a tristeza e o estranho sentimento que se instala quando uma paixão desaparece – “o momento em que o brilho caiu dos meus olhos / o momento em que deixei de te amar”. O refrão – “Só quero mais” – expressa que não nos devemos satisfazer com o mínimo, nem com alguém que não nos dá aquilo de que precisamos. Peculiar enfatiza a importância de sermos “picuinhas” na escolha de um parceiro para que este nos trate como merecemos, pois é a pessoa com quem nos devemos sentir em casa.

Videoclipe – LOBISOMEM

Tivemos também a oportunidade de saber mais acerca do novo singleLobisomem.

É a quinta faixa desvendada do EP e trata-se de uma colaboração com os 10/16, a dupla por detrás dos estúdios COZY. Lobisomem foca-se na transformação, na aceitação corporal e na capacidade de nos sentirmos bem com o nosso corpo e com quem somos. É ainda um single que vem trazer algo peculiar… um desafio: o artista propõe-se a correr um metro por cada stream.

“Ou seja, se forem 10.000 streams são 10 km, e por aí em diante. Portanto, por um lado, eu estou muito entusiasmado e quero que ouçam a música e que esta tenha o máximo de streams possível. Por outro lado, eu não estou habituado a correr, pessoal (risos)”.

Concerto de Apresentação 

O concerto de apresentação em Lisboa terá lugar no dia 8 de novembro na Casa Capitão e estão todos convidados a aparecer! Está também prevista uma apresentação no Porto, a anunciar em breve. 

Após a conclusão e apresentação deste EP, o artista seguirá para um processo de criação, dedicando-se a novas músicas a lançar no próximo ano.

Leonor Almeida (3º. ano RPCE), Beatriz Mendonça (3º. ano PM) e Peculiar | Fonte: Número F

Uma mensagem aos nossos leitores:

“O motivo para eu fazer música tem muito que ver com a minha própria experiência enquanto pessoa. Vim de uma cidade mais pequena e às vezes não era fácil conseguir encontrar pessoas que se identificassem comigo e que gostassem de mim por quem eu era. Com a minha música, tento criar um bocado este espaço para as pessoas, independentemente das peculiaridades que tenham, se sentirem confortáveis e poderem ser elas próprias. Não estejam a cortar pedaços de vocês para se sentirem menos sozinhos. Mais vale a solidão durar mais um bocado e finalmente encontrarem pessoas que gostam de vocês por aquilo que são do que estar aqui a cortar pedaços e depois, do nada, não têm braços nem pernas, mas, pelo menos, toleram-vos, estão a ver? Sejam vocês próprios!”

Fica aqui o convite à escuta do trabalho de Peculiar, que pode ser ouvido em todas as plataformas digitais. Acompanhem-no também nas redes sociais: @peculiar.wav.

Fonte: Número F

Fonte da Capa: Número F

Artigo revisto por Mariana Ranha e Eva Guedes

AUTORIA

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A Beatriz não vive sem música e tem uma playlist para todas as ocasiões. Entrou na Magazine para escrever sobre quem mais gosta de ouvir e, após um ano como redatora de Música, aceitou o desafio de ser editora no mesmo ramo, mas não se ficou por aí! No futuro, espera vir a unir o gosto pela escrita e pela música à Publicidade e ao Marketing, mas, por enquanto, é Vice-Diretora da melhor revista de Benfica, a ESCS Magazine.