A Cor Púrpura: 37 anos depois
Na era cinematográfica em que vivemos hoje, que podemos, muitas vezes, descrever como repetitiva, uma vez que somos bombardeados todos os dias com notícias sobre sequelas, reboots e remakes de filmes, chegamos a achar que estas “reimaginações” excessivas estão a tornar-se aborrecidas e desnecessárias. Mas há alguns filmes que valem mesmo a pena refazer, reimaginar, assistir e aplaudir – The Color Purple (2023) é um desses filmes.
A primeira vez que A Cor Púrpura foi adaptado para o grande ecrã foi sob a direção de Steven Spielberg, nos anos 90. Agora, três décadas depois, vemos a mesma história brilhar sobre a direção de Blitz Bazawule.
Lançado a 27 de outubro de 2023, o filme revisita a emocionante história de vida de Celie, numa jornada de dor, irmandade e sororidade, religião, racismo, amor e perdão.
Nesta versão, Spielberg assume o papel de produtor. De forma semelhante, Oprah, que atuou no primeiro filme no papel de Sofia, também retorna para produzir este. Whoopi Goldberg, que fez o papel principal de Celie na produção original, faz uma pequena aparição no início do filme.
Baseado no premiado livro de Alice Walker, que ganhou o Prémio Pulitzer em 1982 e foi adaptado para a Broadway, onde conquistou os prémios Tony e Grammy, este filme musical contém a essência da obra original e, ao mesmo tempo, enriquece a história com particularidades que são únicas de cada versão.
Apesar das mudanças, a premissa central da história permanece a mesma, ambientada durante a época da segregação nos Estados Unidos, de 1909 a 1947. A narrativa foca-se, principalmente, na jornada e evolução de Celie, uma mulher negra do Sul dos Estados Unidos, que enfrenta o racismo, a intolerância e o abuso doméstico. Num dos momentos mais poderosos da longa-metragem – a cena de jantar no Dia de Ação de Graças – vemos o quanto Celie desenvolve e cresce como personagem ao longo da trama, quando finalmente confronta o seu marido abusador, Mister.
O filme de 2023 é, de forma geral, mais fiel ao livro publicado em 1982. Uma das críticas ao filme de 1996 é precisamente a ambiguidade e a falta de clareza em relação ao relacionamento entre Celie e Shug, deixando muito espaço para interpretação. A própria autora aplaudiu e celebrou a forma como esta nova versão cinematográfica retrata e deixa claro o romance entre as personagens femininas. Numa entrevista para o The Hollywood Reporter, Alice Walker disse estar feliz, visto que o público “conseguiu compreender que Shug e Celie se apaixonaram”.
Outro ponto crucial é a representação de Sofia, uma personagem que recusa curvar-se perante a opressão masculina. Embora este espírito selvagem seja também o que a faz passar por um dos episódios mais tristes do filme, é o que a torna uma personagem incrivelmente poderosa e leal. Definitivamente um dos destaques da obra.
O filme também aborda o tópico da negritude ao destacar a importância da luta e da música na história das pessoas negras. Apesar de ser uma história com temas bastante pesados, em comparação com versões anteriores, o diretor fez a escolha de não focar tanto na dor das personagens, que frequentemente é o aspeto que mais é representado ao contar a história de personagens negros nos média. Aqui, existe um balanço perfeito entre os momentos de angústia com a busca por esperança e paz na história dos personagens, sem retirar a intensidade emocional.
Não podemos esquecer de celebrar o aspeto musical, que é uma parte crucial do filme. O diretor aproveita a sua experiência em produção de música e como cantor e compositor para dar vida a este musical. Os números musicais que mais se destacaram para mim foram What About Love?, Miss Celie’s Pants, The Color Purple e I’m Here.
A escolha de um elenco experiente faz toda a diferença: Fantasia Barrino já tinha atuado como Celie na versão do musical da Broadway. Além dela, o filme conta com talentos como Halle Bailey, Corey Hawkins, Taraji P. Henson, Colman Domingo e a cantora H.E.R. Um elenco familiarizado em dança, música e atuação, adiciona autenticidade à história.
Nos Óscares deste ano, o filme recebeu apenas uma nomeação: Danielle Brooks na categoria de Melhor Atriz Secundária. Tivemos tantas performances incríveis de atrizes em filmes este ano mas, a meu ver, ainda poderia haver espaço para destacar Fantasia como Celie na categoria de Melhor Atriz.
The Color Purple (2023) é uma obra diferente do espetáculo da Broadway, do filme de 1986 e do livro, sendo cada adaptação uma obra de arte única. Todas as versões seguem uma mesma história e um mesmo propósito, mas esta variedade de versões pode apelar e ressoar para públicos diferentes. Desta forma, a história, que retrata temas que todos nós deveríamos debater mais, consegue chegar a mais pessoas.
Fonte da capa: Medium
Artigo revisto por Madalena Ribeiro
AUTORIA
A Luiza tem 22 anos e antes de integrar o Mestrado de Jornalismo fez uma licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas. A Música sempre foi uma grande constante na sua vida. Toca 3 instrumentos. O primeiro instrumento que aprendeu foi o piano, depois o ukulele e a guitarra (sem contar com a flauta no 5º ano). Vem de uma família que está constantemente a consumir filmes e a analisá-los. Luiza adora ir ao cinema e é conhecida por fazer binge watching de séries.