As páginas que construíram 2021
O ano de 2021 já lá vai, no entanto, foram imensos os livros que acabaram por ser publicados, embora a maioria ainda não tenha chegado a ser lida. Por isso, antes que comece a saga dos livros publicados em 2022, vamos dar uma vista de olhos pelas obras literárias que, nos 365 dias que passaram, foram recebidas com entusiasmo – aquelas que surpreenderam e ainda as que foram aclamadas pela crítica.
É o habitual, se faz favor!
Quantos de nós, quando nos dirigimos ao nosso restaurante de eleição, não temos já um pedido engatilhado? Nem é preciso olharmos para o menu. Quer porque já temos um prato preferido, quer porque gostamos de tudo o que ali é confecionado. Ora, aplicando essa filosofia aos livros, aqui vão alguns “pratos” que, apesar de novos, têm por detrás “chefs” já muito conceituados. É provável que, se já achamos algo delicioso produzido por este autor, possamos também vir a querer provar alguns deles.
Almoço de Domingo de José Luís Peixoto
“Hei de juntar fortuna, digo em voz alta. O meu amigo mais sincero fica a olhar para mim, o fumo ganha-lhe novo gosto. Hei de juntar fortuna, e vais ver, hei de arranjar uma casa como é devido. (…) Não é preciso, digo eu, basta uma casa onde não falte nada”.
Almoço de Domingo é o mais recente romance de José Luís Peixoto. Aqui temos o percurso de várias gerações portuguesas de 1931 a 2021, que irá tocar em momentos históricos como a Guerra Civil Espanhola ou o 25 de abril. E personagens como Marcelo Caetano, Mário Soares e Felipe González. Para além deste plano de fundo, seguimos a biografia de um homem famoso. Uma história sobre o amor, a morte, a pobreza e a família, reunida num almoço de domingo.
O Último Olhar de Miguel Sousa Tavares
“Sempre em pé, debaixo da luz do candeeiro do tecto, desapertou os botões da bata e abriu-a lateralmente, fez o mesmo com a camisa que vestia por baixo, e, depois fez escorregar, uma de cada vez, as alças do soutien, descendo-o até à barriga de modo a expor o seu peito, grande e desafiante, como toda a vida que ainda tinha pela frente. – Obrigado, doutora… Inez”.
Em 2010, publicou o seu primeiro romance intitulado Equador, que teve um enorme êxito. No entanto, antes disso, está um longo percurso pelo jornalismo. Hoje continua e é também comentador político no Expresso e na TVI.
O seu novo livro, intitulado O Último Olhar, é o regresso do escritor aos romances e conta-nos a história de Pablo, um homem de 93 anos que viveu durante a guerra, em campos de refugiados e campos de extermínio; Inez, de 37 anos, médica em Madrid; e Paolo, médico italiano que combate o novo vírus da Covid-19. É precisamente o surgimento da pandemia do SARS-CoV-2 que virá alterar a vida destas três personagens.
As Doenças do Brasil de Valter Hugo Mãe
“Sou branco. E esta cor não é cicatriz, é ferida e não sara. O inimigo parasita em mim para sempre. Um espírito baixado sobre minha dignidade abaeté. Sou um bicho como nenhum outro da mata”
Conceituado autor de romances como A Máquina de Fazer Espanhóis, O Filho de Mil Homens e Homens Imprudentemente Poéticos, bem como de crónicas, poesias e livros transversais a todas as idades, Valter Hugo Mãe lança agora As Doenças do Brasil. Isto acontece depois de ter lançado, em 2020, Contra Mim, livro premiado com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores.
Neste livro é-nos dado a conhecer dois jovens, Honra e Meio da Noite. Situa-se numa época em que os brancos escravizaram e mataram os povos originários do Brasil e em que muitos negros fugiram para se virem a encontrar com povos de peles vermelhas, dando origem ao entendimento entre os dois grupos. O jovem Honra, por seu lado, é fruto da violação de uma abaeté por um branco. Uma história que parece, acima de tudo, falar-nos da busca pela paz.
O cantor e compositor Salvador Sobral escreve: “Li-o há dois meses e ainda estou de luto, a passar por livros rebound, desesperado à procura de uma sensação minimamente parecida com a que tive com este livro tão importante. É urgente que este livro faça parte do Plano Nacional de Leitura. Não é o livro do ano, é o livro da década. Obrigada, Valter.”
Let Me Tell You What I Mean de Joan Didion
“I write entirely to find out what I’m thinking, what I’m looking at, what I see and what it means”.
Depois do grande sucesso de The Year of Magical Thinking, Slouching Towards Bethlehem, Play It as It Lays e Blue Nights, a literatura de Joan Didion teve uma adição: Let Me Tell You What I Mean. Não é um novo romance, mas não é menos importante e apreciado que todos os seus outros livros. A obra promete ser mais uma porta aberta para a mente desta brilhante escritora, revelando também, uma vez mais, a capacidade de Joan de analisar o mundo à sua volta.
Aqui realizou-se uma compilação de algumas das peças publicadas pela escritora entre 1968 e 2000. São focados temas como: a imprensa, a política, a entrada na universidade de Stanford, as mulheres, inspirações, influências e reflexões na sua própria escrita.
A escritora e jornalista estado-unidense, infelizmente, faleceu no mês de dezembro de 2021, com 87 anos.
Klara and the Sun de Kazuo Ishiguro
“Until recently, I didn’t think that humans could choose loneliness. That there were sometimes forces more powerful than the wish to avoid loneliness”.
Viajando um pouco ainda mais longe, o escritor japonês que vive na Grã-Bretanha desde os cinco anos é Kazuo Ishiguro. Foi vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2017 e de entre das suas aclamadas obras temos: Never Let Me Go, The Remains of the Day e agora Klara and the Sun.
Klara, em Klara and the Sun – em português, Klara e o Sol – é uma rapariga artificial exposta na montra de uma loja. É através daquele recanto que ela observa e analisa todos aqueles que passam e que, inclusive, entram na loja. O seu grande desejo é que algum cliente a escolha. Um livro que promete falar de modernidade e do significado de amar.
Surpresa!
Aqui a abordagem dá uma reviravolta. Para os mais aventureiros, mas também para quem quer sair da zona de conforto, porque não apostar num novo autor? Quem sabe se não poderá vir a ser um novo favorito. Afinal, quem não arrisca não petisca.
Milk Fed de Melissa Broder
“There was something nice about being forced to be done with everything by sunset, to be excused from life. It was like a teacher’s note from the ultimate authority”.
Autora de livros que ainda não tiveram grande projeção em Portugal, a estado-unidense Melissa Broder tem alguns romances que, nos países de língua inglesa, tiveram algum sucesso: The Pisces, So Sad Today: Personal Essays e agora Milk Fed.
Milk Fed, cuja capa promete deixar qualquer um curioso, fala precisamente daquilo que, ao início, nos pode passar pela cabeça: comida e sexo. Juntando um bocadinho de Deus à mistura, esta é uma escrita criativa, erótica e humorística, sem dúvida uma junção que deixa qualquer um ainda mais curioso do que a própria capa. No entanto, alerta-se para a existência de conteúdo sobre distúrbios alimentares.
A personagem principal é Rachel, de 24 anos, que trabalha numa agência de gestão de talentos. Rachel controla compulsivamente as calorias e tem rituais alimentares muito restritos. Rapidamente conhece Miriam, uma jesuíta ortodoxa que trabalha numa loja de iogurte gelado. Uma junção que, sem dúvida alguma, nos irá transportar para uma longa e entusiasmante viagem.
No one is talking about this de Patricia Lockwood
“I was just thinking that you and I have seen very different memes in our lives”.
O livro de título inconfundível e memorável é um dos mais falados pela sua originalidade e diversidade. Patricia Lockwood ficou definitivamente nas bocas do mundo com esta obra contemporânea que aborda a temática das redes sociais.
Uma rapariga, cujo nome não sabemos, designa este mundo online por “o portal”. É aqui que decide publicar sobre os muitos sítios para os quais viaja um pouco por todo o mundo. Também ao redor do mundo estão os fãs, e são estes que a nossa personagem decide ir conhecer. Numa era em que as plataformas se enchem de discussões sobre a crise climática, política e solidão, cada publicação parece arrastar-nos cada vez mais para o “portal”.
Este processo é quebrado assim que um acontecimento inesperado surge. A partir daí, a jovem inicia um processo de reflexão naquele que é um confronto entre a realidade e o mundo caricato do portal. Promete ser um livro diferente e muito atual sobre amor, linguagem e conexões humanas no mundo moderno.
Detransition Baby de Torrey Peters
“She knew that no matter how you self-identify ultimately, chances are that you succumb to becoming what the world treats you as.”
Torrey Peter é a próxima descoberta nesta lista. Apesar de já ter publicado Infect Your Friends and Loved Ones e The Masker, Detransition Baby está a dar muito que falar.
Esta história fala-nos de três mulheres: Reese, transgénero, numa vida feliz junto de Amy, e com o desejo de ter um filho; Amy, que iniciou uma “destransição” e se tornou em Ames, acabando por arruinar a relação que tinha com Reese; e Katrina, amante de Ames e agora grávida do seu filho. Ames pergunta-se se esta será a oportunidade para as três se reunirem como uma família.
Outlawed de Anna North
“In the year of our Lord 1894, I became an outlaw”.
Outlaw destaca-se e não é apenas pela surpreendente capa. Anna Nort, jornalista e escritora estado-unidense, já trabalhou para Buzzfeed, Salon, Jezebel e The New York Times e agora encontra-se como repórter no Vox. Em 2021 lançou mais um livro, sendo que já tinha publicado em 2015 The Life and Death of Sophie Stark e, em 2011, America Pacifica.
Ada acaba de casar e sente-se sortuda. No entanto, o dever da mulher é ter filhos, como forma de compensar aqueles que morreram na grande pandemia. Depois de um ano de casamento e nenhum filho, Ada vê-se obrigada a fugir de tudo aquilo que conhece. Eventualmente vem a juntar-se a um gangue, que tem como objetivo ser um espaço seguro para mulheres ostracizadas pela sociedade. Todavia, esse sonho não vai ser fácil de alcançar. Estará Ada disposta a arriscar a própria vida por um novo começo?
Fonte da capa: Inês Alegria
Artigo revisto por Lara Alves
AUTORIA
Lembro-me que em pequena tinha o desejo de pisar cada pequeno recanto do mundo. Assim que pude fugi da minha terra natal, onde a única coisa de que ainda tenho saudades é de comer tripa com chocolate enquanto apanho com um vento gelado no rosto e olho por entre o casaco para o mar bravo. Vim para Lisboa com o intuito de estudar algo que me fizesse realmente sentir feliz e realizada. Nos meus tempos livres o mais provável é encontrarem-me pelas ruas de Lisboa a tirar fotografias ou então enfiada numa biblioteca com uma pilha de livros à minha frente.