Opinião

Choquemo-nos!

O nome Greta Thunberg tornou-se cultura geral. Não há um meio de comunicação que não tenha escrito ou dito o seu nome e isto não é bom.

Que seja claro que tenho não só respeito pela Greta como tenho admiração. Por mais que os motivos me deixem a desejar que não a conhecesse de todo, estamos a falar de uma adolescente com Asperger que não tem nem a cara colada ao telemóvel nem um complexo de inferioridade. Troca isso por um passe para a Climate Action Summit das Nações Unidas e uma nomeação para o Prémio Nobel da Paz. Por isso, o chamado “Greta Thunberg effect” dá-me um sabor agridoce: por um lado, um orgulho na minha geração; por outro, a desilusão de tudo isto ser necessário.

Aquilo de que tenho a certeza é de que não gosto dos insultos que lhe têm sido feitos diariamente, e desde que tem ganho mais relevância. No entanto, entre críticas à sua idade, negações dos problemas ambientais e piadas à sua condição autista, a adolescente sueca continua a impressionar, fazendo exatamente aquilo que devia e que inspira tantos jovens: continua a desempenhar o papel de ativista que se propôs a fazer. Greta tem uma missão e não vai desistir por ouvir comentários desagradáveis – até porque, se desistir, estamos todos lixados, pois esta é bem capaz de ser a voz que ainda vai impulsionando mais mudanças.

O primeiro comentário a que quero dar destaque é o do ilustre presidente Donald Trump. Nestes quatro anos nunca me tinha referido a esta personagem como presidente, porque até parece piada… Mas pronto. Isso ficará para outro dia, ou quiçá para reprimir nas nossas memórias. Não obstante, este homem, reconhecido pelos seus tweets inteligentíssimos e importantíssimos, fez um comentário sarcástico sobre Greta em que confessou que era bastante agradável ver uma rapariga nova e muito feliz com esperança para o seu futuro maravilhoso. Bem… que dizer? Poderíamos elaborar o facto de que é grave quando uma adolescente leva a crise climática mais a sério que o presidente de uma das maiores potências do mundo. Mas acho que, infelizmente, isso já não nos choca. E aquilo que vos peço é que se choquem!

Choquem-se por termos como um dos líderes mundiais um homem de 73 anos cujo único comentário sobre um discurso que nos avisa de que o tempo está a passar e o planeta não aguenta muito mais é uma piada sobre uma adolescente!

Choquem-se por as pessoas verem os discursos de Greta como má educação, por dizerem que não é aceitável que ela seja emotiva nos seus discursos… Temos de entender que se trata de uma rapariga de 16 anos que está a compreender que, ao ritmo a que estamos, não vai continuar a poder ter o mundo do mesmo modo. Ela ainda agora chegou ao mundo e, sem ser culpa dela, vai deixar de poder respirar ar puro, nadar no mar ou mostrar o campo aos filhos. Nem ela sabe se o planeta dura até ela poder ter filhos, se vai poder reformar-se e ser avó… Aquilo que a faz descontrolar-se nas suas emoções é o sentimento de quem sabe que ainda agora começou a vida e já a tem condenada a ser mais curta que o suposto.

Fonte: Wikipedia

Choquem-se que seja dito que “ela tem é que ir para a escola” e que “ela não sabe do que fala porque não vai à escola”. Parece que ficam irritados por a Greta estar a tentar pressionar os nossos governos a tomar uma ação. Se esta é uma coisa de que eles vão beneficiar, não entendo porquê estar contra. Quanto aos seres obviamente superiores em inteligência e conhecimento que comentam no Facebook que ela precisa de ir para a escola aprender do que está a falar, apenas tenho de vos elogiar; porque eu, quando ouço a Greta a falar das suas coisas científicas, ouço-as precisamente desse modo: coisinhas científicas sobre as quais nada sei.

Vejo as suas consequências, mas não entendo metade do que ela entende. Mas, pelos vistos, esses seres muito inteligentes que habitam a secção de comentários no Facebook e a enchem de palavras ofensivas entendem ainda mais. Ainda bem, Jek Howe Long, Gabriel Chia, Alexander Yanuar Koentjara e outros que são absolutamente ninguém no mundo da ciência. Fico feliz por vocês.

Vamos, por bem da nossa esperança nas gerações mais antigas, ignorar os homens crescidos e famosos que decidiram fazer piadas sobre Greta morrer (créditos do brilhante momento a Aaron Banques), ou que se referem à mesma como uma “criança sueca doente mental” (este é da autoria de Michael Knowles), ou mesmo que afirmam que Greta é certamente a esquerda a imitar os nazis com as suas propagandas com raparigas loiras de tranças (esta verdadeira “diarreia mental” é de Dinesh D’Souza). Diria que se chocassem com tudo isto, mas é capaz de se tornar complicado manter o positivismo se ligarmos ao que estas personagens dizem; por isso, esses vamos só ignorar.

Antes de acabarmos podemos ainda fazer uma espécie de menção honrosa aos comentários e tweets estúpidos feitos acerca da Greta:

Posição 6: “A pobre miúda é doente”;

Posição 5: “Ela precisa é de levar uns açoites”;

Posição 4: “Nunca quis tanto esbofetear uma criancinha”;

Posição 3: “A Greta é uma ameaça para a nossa prosperidade e civilização”;

Posição 2: “Convocar uma greve porque o mundo está a acabar é totalitarismo”;

Posição 1: “Ó meu Deus, ela é tão irritante. Eu só quero atirar-lhe uma garrafa de plástico à cara. Aproveitava e atirava também um tampão porque claramente é aquela altura do mês”.

As pessoas surpreendem-se por a Greta estar chateada… É tristeza e é raiva. Porra, eu também estou furiosa. Somos duas, Greta.

Pode ser que, se te chocares, os outros também percebam e se choquem, e assim consigamos mudar alguma coisa e recuperar o planeta. Olha, se não der, foi um prazer.

Artigo revisto por Vitória Monteiro

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