Opinião

Desprendam-se de quem não vos agarra

Consciente ou inconscientemente, estamos sempre a construir imagens daqueles que fazem parte da nossa vida. Estas construções, obviamente, não são fontes imparciais e fiáveis da realidade. Até porque parte da nossa perspetiva pessoal, isto é, da nossa observação e análise é baseada nos nossos filtros pessoais. Os filtros de que falo são aqueles que desenvolvemos ao longo da vida. Durante a nossa evolução enquanto pessoas, vivemos várias experiências aliadas aos sentimentos, às emoções, à imaginação, às expectativas, aos valores, à educação, às crenças e isso terá influência nos nossos filtros quando nos envolvemos com os outros. É isto que nos distingue deles e que nos permite, ou não, relacionar com alguém – nem sempre os nossos filtros encaixam com os filtros do outro e vice-versa.

Comecei a refletir numa frase que todos nós certamente já ouvimos ou verbalizamos provavelmente na mesma altura – na puberdade: “O problema não és tu, sou eu”. À primeira vista, não tem qualquer ciência, mas é uma frase com uma enorme profundidade e é extremamente aplicável. Esta frase faz todo o sentido, mas eu continuava insistentemente a culpar as outras pessoas por não corresponderem às minhas idealizações. No entanto, apercebi-me de que a culpa nunca é dos outros.

Tudo se resume àquilo que esperamos deles ou às nossas crenças. As nossas expectativas e crenças podem ser nada mais nada menos que: “um amigo é para a vida toda”; “um amigo não me rebaixa nem lidera”; “para ser bom namorado, tem de me dar rosas todas as semanas e fazer surpresas” e “um pai e uma mãe têm de ser presentes e dar bons exemplos para serem bons pais”. Ao fim ao cabo, nós já temos um chip que nos comanda e que decide se nos identificamos ou não com aquela pessoa, ou seja, a nossa interpretação. A culpa daquilo que sentimos e de como vemos as coisas é exclusivamente nossa. Mas, afinal, o problema estará nos outros ou na nossa interpretação?

Para mim, é uma grande conquista deixar de culpar os outros pelo meu mal-estar, desconforto, insatisfação ou infelicidade. Procurava sempre a fonte dessas sensações e, para variar, nunca era eu, mas os outros.

A expectativa é um ingrediente que tentamos manipular para sermos agradavelmente surpreendidos”, mas quando não acontece surge a desilusão. E por isso é que me assumo como uma autêntica otimista. Ainda que me esforce constantemente para baixar as expectativas, espero sempre o melhor de alguém e não desisto facilmente na esperança de que melhore, acabando obviamente por me desiludir vezes sem conta. Claro que não há nenhum culpado neste jogo ripostado de expectativas e desilusões a não ser eu mesma. Já os pessimistas sofrem menos, acredito. Estão sempre à espera do pior e acabam por, repetidamente, ficar satisfeitos com o que acontece, por não ser tão mau como previsto.

Mas não posso negar que me assusta a ideia de que somos intrinsecamente egoístas e maldosos. Tenho uma dificuldade enorme em aceitar que não podemos ser todos melhores pessoas ou mais empáticos e compreensivos. Parece que tudo é motivo de conflito e mais uma forma para dar algum drama à nossa vida. Faz-me lembrar uma tentativa de uma telenovela para quebrar a monotonia da nossa vida.

Se pudesse apostar, diria que é demasiado tempo livre ou até inseguranças que nos levam a querer andar sempre ao ataque para que não sejamos atacados, partindo do pressuposto de que, se alguém nos domina e “ataca”, nós temos, inevitavelmente, de atacar e dominar um outro para compensar. Um jogo psicológico desgastante que é totalmente evitável.

Mas, mais uma vez, a culpa é minha. Ninguém me diz que tenho de ver sempre o bem em toda a gente, quando nem sempre eles são como eu espero que sejam. É tudo uma questão de expectativa que foi criada por mim, por isso, a única culpada deste desgaste emocional e relutância em afastar-me quando algo não me faz bem sou eu.  

Fonte: Jornal El País

Modéstia à parte, custou-me mais ver-me ao espelho e aceitar que era eu quem estava errada depois de tanta viagem na imaginação e negação da realidade. Talvez porque, inconscientemente, associamos o errado àquilo que recusamos, desprezamos e nunca faríamos ao outro. Mas não é assim. É muito mais profundo do que isso. O errado é querermos ver o nosso reflexo quando olhamos para os outros. Desejarmos que tenham os mesmos filtros e o mesmo lema de vida que nós, o que nem sempre é aplicável.

Não podemos esperar milagrosamente que mudem aquilo que são. Nem sempre a nossa crença de como devemos agir é igual à do outro, ou seja, o outro pode não conseguir amar e tratar melhor, tal como nós desejávamos que acontecesse. Culpámo-los, porque carece-nos a força para sair daquele ciclo de ilusões. A nossa fraqueza de espírito e eterna esperança levam-nos a mergulhar num mar de espinhos – também conhecido por desilusão. Só devemos ficar se nos derem razões para tal – nunca devemos ficar apenas pela esperança de uma possível mudança. 

Aquele verso da música “Amar pelos dois”, do Salvador Sobral, é um exemplo básico daquilo que não pode acontecer. Se pensarmos nas nossas relações como se fossem dinheiro, rapidamente percebemos que, se existe um investimento nosso e não há retorno, está na hora de deixar de investir ou de mudar o destinatário do investimento. Se não conseguirmos perceber essa quebra do ciclo, corremos o risco de nos sugarem toda a nossa energia e mergulhamos num ciclo de falência de, neste caso, energia.

Não há receita mágica para isto, mas acredito que se torna menos sufocante se direcionarmos o nosso foco de solução para outro lado e percebermos que a única coisa sobre a qual temos o controlo total somos nós mesmos. É mais fácil deixarmos de comer doces do que os supermercados deixarem de vender doces, por exemplo. Nós temos de nos adaptar ao mundo. Na verdade, ele já cá estava, enquanto nós somos meramente temporários e emprestados uns aos outros.

Assim sendo, se já não queremos x pessoa, devolvêmo-la ao mundo e ele empresta-nos outra. Um processo simples que nós temos a tendência de complicar. No fundo, precisamos de aprender a lidar com a desilusão, aceitar que não nos identificamos e afastarmo-nos de algo que nos consome.

O problema é nosso, a solução também. Não percam tempo e desprendam-se de quem não vos agarra.

Artigo por Maria Carolina

Corrigido por Beatriz Rebelo Campos

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