Dois filmes, uma história
Foxcatcher (filme, 2014) e Team Foxcatcher (documentário, 2016) têm por base a mesma história verídica.
Ambos os trabalhos despertam grande interesse e são bons objetos de análise. Desde logo, poderão surgir perguntas como: será que o filme e o documentário estão muito diferentes? Ou então: o filme é tão fiel à realidade como o documentário? Para responder a estas perguntas convém, antes de mais, olhar com mais atenção para cada uma das produções. Mas antes disso, é oportuno ter uma ideia daquela que foi a vida de três personagens: Mark Schultz, David Schultz e John du Pont.
Eram os anos 80 e os irmãos Dave Schultz (1959, Palo Alto, Califórnia, EUA) e Mark Schultz (1960, Palo Alto, Califórnia, EUA) encontravam-se no pódio do freestyle wrestling. Ambos foram campeões mundiais e vencedores da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1984. Tal fez com que se tornassem o único par de irmãos a alguma vez cumprir esse feito. Eram uma dupla imparável.
Por outro lado, temos John Eleuthère du Pont (1938, Filadélfia). Na sua juventude, John sempre adorou wrestling, tendo o grande sonho de se vir a tornar um atleta profissional. Porém, tal nunca chegou a dar resultado, mas John continuou a procurar outras formas de estar ligado ao desporto. Decide, assim, estabelecer-se como um patrocinador de wrestling americano, o que não foi difícil de conseguir, sendo que este acabou por ser o herdeiro de uma enorme fortuna estimada entre os 200 milhões de dólares.
Com esse dinheiro, John cria o seu próprio programa de wrestling na universidade de Villanova. Mas para isso era necessário um treinador. Dá-se então início ao cruzamento entre o caminho de John e o caminho dos dois irmãos. Quando du Pont coloca uma tentadora proposta de emprego a Mark, este aceita.
John nomeia a sua quinta na Pensilvânia Foxcatcher Farm e constrói uma propriedade de luxo com o objetivo de formar e treinar uma equipa de potenciais competidores olímpicos. Assim que trouxe lutadores de wrestling para a equipa, o principal objetivo foi que estes vencessem os Jogos Olímpicos de 1988, em Seul.
Avançando uns anos, du Pont propõe a Mark que este faça parte da equipa, mudando-se para Foxcatcher Farm. Eventualmente, Mark persuade o seu irmão, Dave, a juntar-se ao programa.
Desde muito cedo, foi percetível o quão du Pont estava longe de ter um comportamento normal. Aliás, John já tinha problemas com outras drogas e álcool. Porém, desde que o trabalho corresse bem, a maioria daqueles que o rodeavam preferiam simplesmente ignorar as paranóias do multimilionário, nunca pensando que este pudesse revelar-se violento.
Todavia, a 26 de janeiro de 1996, num dia repleto de neve, Dave preparava-se para ir buscar os filhos, Alexander de nove anos e Danielle de seis, à escola, quando o carro de du Pont chega à casa de Dave. John pergunta: “Tens algum problema comigo?”; e dispara três tiros que acabam com a vida de Dave Schultz, com 36 anos.
Nunca se chegou realmente a perceber o que levou du Pont a cometer aquela atrocidade. O júri acabou por considerá-lo doente mental e culpado, com uma pena de 13 a 30 anos. No ano de 2010, John morreu sozinho na sua cela. Tinha 72 anos.
Passados 18 anos da morte de Dave, Bennet Miller, realizador de filmes como Capote e Moneyball, passava a história para o grande ecrã, com atores de renome como Steve Carell, no papel de John du Pont, Channing Tatum, no papel de Mark Schultz, e Mark Ruffalo como Dave Schultz. Um ano antes, Mark Schultz tinha escrito o livro de não-ficção Foxcatcher: The True Story of My Brother’s Murder, John du Pont’s Madness, and the Quest for Olympic Gold, que acabou por servir de base para alguns dos factos do filme.
O trabalho cinematográfico foi um enorme sucesso. Contudo, evidenciam-se algumas incoerências. Por exemplo, no filme, os dois irmãos chegam a viver durante o mesmo período de tempo na mansão, mas, na realidade, tal nunca aconteceu, pois estes habitaram a mansão em épocas diferentes. Aliás, quando Dave morreu, Mark já não ia à mansão há oito anos.
A mais recente cobertura dos acontecimentos aconteceu com o documentário Team Foxcatcher, publicado pela Netflix em 2016. De acordo com o The New York Times, o documentário é concreto e vai direto ao assunto, ótimo para quem ainda não chegou a “mergulhar” nesta história. O realizador Jon Greenhalgh procurou enfatizar a questão de que pouco ou nada foi feito quando John revelou comportamentos preocupantes. Para além de ter apontado uma arma à ex-mulher, passava horas a ver filmagens dos campos que rodeavam a mansão dizendo que as árvores eram mecânicas e que Dave Schultz usava túneis subterrâneos para se infiltrar na propriedade.
Fica a questão: será que poderia ter sido evitada uma catástrofe? Um pormenor interessante do documentário é a omissão de Mark Schultz. Em nenhum momento este aparece, o que causou alguma estranheza por parte do público, tendo em conta que era uma personagem central. Nenhuma explicação foi dada e o documentário acaba por se focar acima de tudo em du Pont. Para além disso, é possível perceber melhor o modo como Dave surgiu na vida de du Pont como uma oportunidade para este concretizar os seus sonhos desportivos. Dave chegou mesmo a treinar du Pont para competições, apesar da completa inaptidão deste para a modalidade.
Para além das já referidas diferenças entre o documentário e o filme, outro aspeto relevante é o facto de Dave ser dado a entender como o atleta preferido de du Pont. Na realidade, não era esse o caso. O próprio Schultz diz que esse pormenor foi apenas para tornar o filme um pouco mais entusiasmante.
Também no filme é deixada no ar a sensação de que haveria alguma relação de cariz sexual entre Dave e du Pont. Novamente, tal não aconteceu na vida real. Mark relata que, nos sete anos em que esteve na equipa Foxcatcher, nunca houve nenhuma discussão sobre John ter assediado quem quer que seja. Contudo, há uma cena em particular que foi construída de forma a ser o mais idêntica possível à realidade: a cena do homicídio. Mark Schultz encontrava-se no estúdio quando a cena foi gravada e afirma: “Foi um dia muito emocionante. Eles [Mark Ruffalo e Bennet Miller] fizeram tudo praticamente igual a quando Dave foi assassinado”.
Fonte da capa: Oregon Live
Artigo revisto por Lara Alves
AUTORIA
Lembro-me que em pequena tinha o desejo de pisar cada pequeno recanto do mundo. Assim que pude fugi da minha terra natal, onde a única coisa de que ainda tenho saudades é de comer tripa com chocolate enquanto apanho com um vento gelado no rosto e olho por entre o casaco para o mar bravo. Vim para Lisboa com o intuito de estudar algo que me fizesse realmente sentir feliz e realizada. Nos meus tempos livres o mais provável é encontrarem-me pelas ruas de Lisboa a tirar fotografias ou então enfiada numa biblioteca com uma pilha de livros à minha frente.