Opinião

E agora, Charlie?

2015 começou da pior forma. No dia 7 de janeiro, dois homens (recuso-me a chamar-lhes islamitas) mataram a tiro doze pessoas: dez funcionários do semanário satírico francês Charlie Hebdo e dois polícias franceses. Este não foi “apenas” um acto terrorista aleatório, digamos assim. Foi uma vingança a cartoons feitos pelo semanário relativos a Maomé, que, na opinião destes extremistas, eram um insulto ao Islão. No fundo, foi um ataque à liberdade de expressão. O mundo sentiu o golpe e uniu-se em torno da causa “Je Suis Charlie” – francês para “Eu sou Charlie” -, pela liberdade de expressão. Os culpados foram apanhados e mortos e, no domingo passado, mais de um milhão de pessoas, incluindo governantes de todo o mundo, marcharam em Paris pelo direito à opinião. O ébola ia matar toda a gente. Agora, parece que nem morreram já mais de 7 500 pessoas e que existem 20 000 infectados. Como será com Charlie?

Na década de 90, os EUA começaram a fazer guerra como quem joga videojogos. Uma tecnologia única e poderosa que os fez sentirem-se indestrutíveis. Mal mudou o século, todos sabemos o que se seguiu. Em 1993 foram avisados, com uma carrinha a rebentar junto ao World Trade Center, provocando a morte de seis pessoas. Oito anos depois: cinco aviões desviados, 3 000 mortos, 9 000 feridos. Começa a grande luta contra o terrorismo. A segurança torna-se paranóica, mas as ameaças não param. As guerras nos países onde se concentram grande parte das células terroristas do mundo até dão jeito aos EUA, maior fabricante de armas do mundo, porque assim dá de um lado e tira do outro.

Começamos a perceber que, se calhar, a caça aos responsáveis pelo 11 de Setembro é mais uma caça ao petróleo e, mais uma vez sem darmos por nada, a 11 de Março de 2004 morrem 191 pessoas e mais de 1 700 ficam feridas, em Madrid. Dez explosões em quatro comboios, na hora de ponta. As responsabilidades foram, mais uma vez, para a Al Qaeda. Desta vez foi a Europa a escolhida. Claro que nestes anos houve mais: bombardeamentos à embaixada dos EUA no Quénia, mortes numa escola russa com fim de protestar contra a guerra entre a Rússia e a Chechénia ou carros-bomba junto a edifícios federais no Oklahoma. Mas o centro da Europa e os EUA, como infelizmente já aprendemos, tem outro nível.

O mais recente é o ataque ao Charlie Hebdo. Este ataque surge no seguimento do boom do Estado Islâmico (EI), que de estado e islâmico não tem nada, mas pronto. O que tem sido feito para acabar com o terrorismo? Nada ou pouco, se me perguntarem a mim. Com discursos, marchas e olhares desconfiados a qualquer muçulmano que entra num avião, podem eles bem. Os casos que de que aqui falei são demonstrativos de como nos deixamos levar pela maré. Agora todos são Charlie, amanhã todos serão John, depois seremos Patusco.

A cada ano que passa, vou vendo o que acontece a este nível. Infelizmente, fico sempre com a mesma sensação: eles avançam e nós não. As nossas medidas e acções continuam sempre as mesmas, enquanto eles evoluem a uma velocidade, no mínimo, preocupante. Recrutamento, imagem, armamento, conhecimentos, etc. Todos os anos evoluem. Eles preparam-se, nós discursamos.

O terrorismo não nasceu dia 7 de Janeiro de 2015. Sempre que algo do género acontece, o mundo enche-se de orgulho e chama tudo a quem é capaz de tais atrocidades. Durante os dias que se seguem, o terrorismo é condenado por todos os chefes de estado. Combatido com palavras magníficas e encorajadoras. Fala-se dos atentados como se fosse a primeira vez(!). Sente-se um acordar do mundo para o combate ao terrorismo. Mas esse combate já era para ter começado. E falo de combate a sério; não aquele que se tem visto com segurança paranóica (que pode evitar algumas coisas, mas em quase nada resulta, como vemos) e envio de tropas para sítios onde, por obra e graça do espírito santo, aparece petróleo do chão. É preciso que os países ditos democráticos e lutadores pela liberdade a todos os níveis coloquem os interesses económicos de lado e colaborem entre eles e aqueles que servem de sede para células terroristas, de modo a esse combate ser, pelo menos, um pouco mais eficaz.

Se a luta continuar a ser o que tem sido, estaremos todos, daqui a uns anos, a dizer: somos todos morte.

CRÓNICA - E agora, Charlie(ponto de interrogação) - Pedro Mateus (corpo do artigo)

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