Capital

Mezze: Onde a solidariedade e a inclusão são ingredientes da mesma receita

O jornalista vai à procura da história perfeita. Desta vez, foi a história perfeita que veio até ao jornalista. História essa que é transmitida através das mãos, dos olhares e dos sorrisos – agora escondidos atrás da máscara – de quem confeciona a comida com identidade e experiência.

Entro no restaurante Mezze, localizado no Mercado de Arroios, em Lisboa, onde se instalou em setembro de 2017. São-me dadas as boas-vindas de forma afável e acolhedora. Sinto-me curiosa e expectante. Estou prestes a aprender que este não é apenas um oásis da gastronomia do Médio Oriente na nossa capital, mas também um projeto de empreendedorismo social inovador e de grande sucesso, com uma causa muito nobre que surgiu através da Associação Pão a Pão.

Esta associação teve como uma das suas fundadoras a jornalista Francisca Gorjão Henriques, que deixou o Público, onde esteve durante 20 anos, para se dedicar à Pão a Pão. Conta ao grupo, onde eu me encontrava incluída, que o Mezze acolhe pessoas com o “estatuto de refugiado”, onde as suas competências são aproveitadas e, acima de tudo, valorizadas, gerando hipóteses de emprego e integrando-as, desta forma, na nossa comunidade. As cozinheiras são mulheres que cozinham, para nós, a comida que cozinhavam nas suas casas, para as suas famílias. Têm a oportunidade de continuar a celebrar a sua identidade através da gastronomia do seu país – também esta é uma forma de matar saudades.

Os pratos que compõem cada Mezze são uma explosão de cores e de sabores.
Fotografia de: Inês Sousa Martins

A comida começa a ser servida ao grupo. Mezze significa “refeição de partilha” e é isso mesmo que fazem – as mesas são longas e corridas, visando esse propósito, o de aproximar e de quebrar barreiras entre as pessoas. Somos servidos pelo jovem Adam (cujo nome de nascimento é Yasser), oriundo de Mossul, cidade iraquiana que fora controlada pelo Daesh. Para trás ficou por acabar o curso de Medicina. Esta é apenas uma das caras da equipa do Mezze, que faz a magia acontecer.

São-nos introduzidas as várias iguarias da gastronomia do Médio Oriente, as especialidades do restaurante. Apesar de não conseguir decorar os seus nomes, estava prestes a saber que não me esqueceria do seu sabor. A ementa do Mezze é variada e eu, que nunca antes havia provado comida do Médio Oriente, não poderia garantir que ia gostar. Deixei-me surpreender (pela positiva) à medida que ia provando. Um Mezze inclui um conjunto de pratos cheios de cor e cabe-nos a nós, degustadores, escolher o nosso (onde se incluem opções vegan e vegetarianas).

O khubz, o pão sírio que se assemelha a um crepe, é omnipresente e tem um lugar de destaque na carta. Combina de forma perfeita com praticamente tudo o que se encontra em cima da mesa, mas especialmente com hummus, uma pasta de grão com tahini, que, por sua vez, é uma pasta de sésamo.

Hummus e tabbouleh são apenas duas das variadíssimas iguarias confeccionadas pelas mãos experientes das cozinheiras do Mezze.
Fotografia de: Inês Sousa Martins.

Para acompanhar, o Adam traz-nos tabbouleh, uma salada de salsa picada, bulgur (um cereal integral) e tomate cuja combinação única de sabores faz com que este prato se torne no meu predileto. Provo as bolinhas fritas de falafel, feitas de grão e de ervas aromáticas, mas os meus pensamentos não tardam a pairar na sobremesa – A sobremesa! E eis que provo algo em que nunca tinha pensado: baklava, um pequeno folhado de pistácio, a maneira perfeita de terminar esta viagem aos sabores do Médio Oriente.

Estas são apenas algumas das opções incluídas na ementa do restaurante (o preço de cada mezze ronda entre os 13 e os 16 euros) que continua aberto e a cumprir as regras de combate à pandemia de Covid-19, pois a missão da Pão a Pão, a de contribuir para a inclusão dos refugiados e para a melhoria da sua qualidade de vida, continua. Francisca Gorjão Henriques tem, no seu olhar, a paixão de quem procura proliferar a tolerância, a integração e a igualdade ao querer abrigar, nesta espécie de casa que é o Mezze, quem foi obrigado a abandonar a sua.

Apercebo-me de que este é um espaço que vai muito além das suas limitações físicas: é um local onde se cultiva a entreajuda e o conhecimento intercultural, onde habitam corajosos testemunhos de vida. Aqui, a solidariedade e a inclusão são ingredientes da mesma receita. Oxalá todos nós a possamos conhecer, partilhar e transmitir de geração em geração.

Foto de capa tirada por: Nicole Sanchez

Artigo revisto por Maria Ponce Madeira

Artigo escrito por Inês Sousa Martins

AUTORIA

+ artigos

Uma pessoa de muitas paixões. Por isso, licenciou-se em Informação Turística, está a terminar o Mestrado em Jornalismo e quer tirar Doutoramento em História Contemporânea. A ideia de ter uma só carreira durante a vida toda aborrece-a. A Inês gosta de escrever, de concertos, dos The Beatles, de Itália, de conduzir e dos seus cães. Sonha em visitar, pelo menos uma vez, todos os países do mundo.