Opinião

Morte à pena de morte

No passado dia 10 de outubro de 2021 assinalou-se o 19.º Dia Mundial e Europeu contra a Pena de Morte – uma data que tem como objetivo primordial sensibilizar os demais países para a abolição desta prática. Este dia, criado pela World Coalition Against Death Penalty, é de extrema importância, uma vez que, atualmente, ainda existem 55 países cujas legislações preveem a pena de morte. Portugal é felizmente um dos países abolicionistas, assim como todos os países da União Europeia. Todavia é necessário juntar esforços para que as execuções sejam invalidadas a nível mundial.

A pena de morte é um assunto que levanta inúmeras questões e, consequentemente, diversos pontos de vista – comentados tanto pela sociedade global (pelos líderes políticos) e pela opinião pública (pelos condenados, pelos familiares dos mesmos e por advogados). Existem, de facto, bastantes opiniões (e muitas delas aprofundadas e progressistas) relativamente à dissolução desta punição, contudo nunca é demais lutar para proteger a dignidade de todos os seres humanos. Neste contexto, deve ou não ocorrer uma morte à pena de morte?

Independentemente da transgressão da lei que é cometida pelo condenado, da sua culpa, inocência e do modo de execução, a pena de morte não é a solução. Esta punição é completamente incompatível com todos os progressos que têm ocorrido em prol dos Direitos Humanos. É, no fundo, um ato desumano, pois retira ao Homem dois dos seus bens maiores – o direito à vida e o direito a viver sem tortura.

Neste contexto, é relevante reforçar que a pena de morte é um processo legal, defendido pelo Estado, pelo qual um ser humano é morto como punição por um crime cometido – podendo ser uma violação da lei extremamente grave ou, até mesmo, um crime comum. Para compreender detalhadamente esta prática é imprescindível ter em conta um panorama histórico e global. Note-se que até aos inícios do século XX a pena de morte era uma condenação praticamente omnipresente, ou seja, estava presente em quase todos os períodos históricos e em quase todas as sociedades. As causas eram diversas (assassinatos, crimes sexuais, ideais religiosos, enfim) e as condenações legítimas, não sendo esta punição vista como imoral. Porém, a sociedade evoluiu e diversos filósofos (e não só) começaram a questionar-se sobre a eficácia e a competência da pena de morte. Dos países da União Europeia, Portugal foi o primeiro país a realizar a sua última execução (em 1849), sendo que a Letónia foi o último país a colocar em prática esta condenação (em 1996). Portugal foi também dos primeiros países a nível mundial a abolir a pena de morte por crimes comuns (em 1867).

Pena de Morte
Fonte: Kommersant.uk

Desde o século XX tem, assim, ocorrido um progresso positivo, contudo existe ainda um longo trabalho pela frente. Isto porque permanecem 55 países cujas legislações preveem a pena de morte para crimes comuns. Note-se que, efetivamente, uma grande percentagem destes países possui Estados repressivos, onde não existe qualquer liberdade de expressão. Contudo, a realidade é que existem países considerados desenvolvidos em numerosas áreas e que abordam constantemente assuntos relacionados com os Direitos Humanos e com as liberdades que também preveem a pena de morte como forma de punição. Neste contexto, é de salientar que há uma forte oposição à abolição da pena de morte no continente asiático, no mundo árabe, nos Estados Unidos da América e no continente africano. Segundo a Amnistia Internacional, mais de 85% de todas as execuções (em 2019) deram-se em quatro países, sendo eles: o Irão, o Iraque, o Egito e a Arábia Saudita. Não existem números concretos da China, pois esses dados são considerados segredos de Estado, mas considera-se que este país é o que mais pratica a pena de morte no mundo. É relevante destacar que o número de execuções registadas poderá ser sempre inferior à realidade, devido sobretudo ao sigilo de certos países.

Considerando um panorama global, existem países que são abolicionistas por todos os crimes e outros que são abolicionistas apenas para crimes comuns. Há ainda países que anulam a abolição apenas na prática e outros que, efetivamente, preveem a pena de morte na legislação. Os Estados que praticam esta pena desumana usufruem de variadas formas de execução, como a decapitação, a eletrocussão, o enforcamento, a morte por fuzilamento, a injeção letal, enfim.

Na realidade, o que coloco em causa nem acaba por ser o modo de execução do condenado. Veja-se que quem se mostra a favor da pena de morte afirma que esta condenação reduz a violência e os crimes cometidos e que diminui os gastos com os presos. Mas a verdade é que diversos estudos comprovam o contrário. Por exemplo, nos EUA os 14 Estados abolicionistas apresentam um índice de homicídios idêntico ou abaixo da média nacional – (informação da Federal Bureau of Investigation). A pena de morte acaba, deste modo, por não ter impacto sobre os níveis de criminalidade, isto é, não ter qualquer efeito dissuasivo como medida de prevenção do crime. Em relação aos gastos, a condenação à pena de morte acaba por despender de custos muito mais elevados – despesas relacionadas com o antes, o durante e o após a punição – do que os custos dos habituais processos criminais. Estes recursos poderiam ser utilizados na recuperação do preso, na assistência ao mesmo e no combate à criminalidade violenta.

Destacam-se ainda outros argumentos a favor: “A pena de morte é o único modo de garantir que criminosos não continuam a transgredir a lei e a matar inocentes”. Veja-se que existem mais alternativas. A prisão perpétua é um exemplo e é também uma condenação muito menos violenta, que não retira ao Homem o direito de viver, mas retira da sociedade os criminosos mais perigosos. A verdade é que ao colocarmos em prática a pena de morte estamos a exercer o mesmo tipo de crime que todos nós repudiamos. Algo que merece ainda grande destaque é o facto de esta condenação ser um ato irreversível e definitivo que assume riscos de irreversibilidade no erro. E se for um inocente? Note-se que muitas deliberações são emitidas após confissões obtidas a partir da tortura.

Cama pena de morte
Fonte: filosofianaescola.com

Esta punição é incompatível com a dignidade humana. É a negação dos Direitos Humanos. Existem diversas contribuições que podem ajudar a colocar um fim à pena de morte, como, por exemplo, o apoio a organizações presentes em países retencionistas, a proibição do comércio de materiais que possam ser usados para tortura e execução, a participação em debates (para serem considerados numerosos pontos de vista), entre outros aspetos.

A pena de morte não é solução para os crimes violentos, todavia pode ser um sintoma de uma cultura de violência e de repressão. É a realização de um desejo de vingança que não representa a justiça. Não é na morte que se aprende aquilo que a vida pode ensinar. 

Fonte da imagem de destaque: Times of India

Artigo revisto por Inês Pinto

AUTORIA

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Madalena Abrantes, 18 anos e aspirante a jornalista. É comunicadora de vocação, bailarina de coração e feliz de corpo inteiro. Entre a dança, os seus interesses de culinária, a moda e a solidariedade parece que caminha num projeto de equilibrismo. Mas, a sua grande paixão? Viajar. A sua maior conquista é viver a fazer aquilo de que gosta!