Ninguém deveria ter mais do que um talento
“I always thought it would be better to be a fake somebody than a real nobody” – Tom Ripley.
The Talented Mr. Ripley é um clássico da cinematografia. Veio a público no ano de 1999. Realizado por Anthony Minghella, encontra-se classificado nas categorias de thriller, crime e drama.
Jude Law é o aclamado e famoso ator que dá vida ao papel de Dickie Greenleaf. Tendo em conta a data do filme, era de esperar que tanto ele como Matt Damon, no papel de Tom, e os restantes atores apresentassem uma juventude invejável. Ambos tinham pouco mais de 20 anos quando o filme foi produzido. É no mínimo interessante ver como estes atores estavam ainda no começo das suas carreiras e viriam a representar uma imensidão de bons e aclamados papéis ao longo dos anos. Para além disso, a conjugação destes talentosos intérpretes foi a condição essencial para a qualidade desta autêntica obra de arte.
O pai de Dickie é um milionário, daí Dickie representar, desde logo, o clássico filho mimado, cujo “único talento é gastar a mesada”. Mesada esta que é gasta principalmente em Mongibello, Itália, principal espaço em que decorre a ação desta história.
Na Nova Iorque de 1950, o pai de Dickie contacta Tom Ripley para trazer o filho de volta à América. Para isso, promete recompensá-lo com a quantia de mil dólares.
E, assim, Tom parte para a sua missão. Meredith (Cate Blanchett), uma americana com quem se cruza assim que chega a Itália, pergunta-lhe o seu nome, ao que Tom responde: “Dickie Ripley”. Numa questão de minutos, sabemos que Tom se faz, imediatamente, passar por Dickie.
Provavelmente, mais empolgante do que o próprio enredo é o cenário por detrás de todo o filme. Itália é uma bela relíquia e um eterno prazer para quem a observa. Na versão cinematográfica, com o sol abrasador, o profundo azul do oceano e os planos das ruelas e travessas, embrenhadas nas cores vibrantes da vegetação, qualquer um se sentiria hipnotizado.
Num cenário que grita romance, Tom está deslocado.
Assim que chega, vai observar diretamente Dickie e a sua namorada Marge, enquanto estes passam o tempo juntos. Quando o casal está na praia, Tom aproxima-se e diz ter frequentado a universidade de Princeton, na mesma altura em que Dickie o fizera. Dickie diz não se lembrar minimamente dele, mas Marge (Gwyneth Paltrow) propõe que Tom venha almoçar com ambos.
O título do filme, O Talentoso Mr. Ripley, é rapidamente descodificado. Durante o almoço, Dickie afirma que “Toda a gente deveria ter pelo menos um talento” e pergunta a Tom: “qual é o seu?”. Tom responde que falsifica assinaturas, conta mentiras e imita praticamente qualquer pessoa. Dickie replica: “Isso são três. Ninguém deveria ter mais do que um talento”.
Infelizmente, assim que Tom comunica a Dickie que está ali com a missão de o levar de volta para os Estados Unidos da América, este recusa-se a ir.
Apesar da sua aparência tranquila e até um pouco ingénua, Tom sabe muito bem aquilo que está a fazer, de tal modo que se torna arrepiante observar como faz todos os possíveis para criar empatia com o casal e integrar-se ao máximo na sua vida. Um exemplo sem dúvida fascinante é quando Ripley, sabendo que Dickie adora jazz, ouve, dia e noite, os melhores artistas e compositores deste género musical.
Dickie, apesar de já ter assistido múltiplas vezes às imitações engraçadas de Tom e de saber o talento que este tem, em nenhum momento desconfia de que o simpático e amigável novo amigo possa ter segundas intenções. Tudo parece tranquilo: só três grandes amigos a passar umas boas férias.
O filme, porém, é longo – 2h19. Logo, faz sentido que o fio condutor aparente, por vezes, seja instável ou divirja bastante. Inicialmente, temos dias de festa e tranquilidade e o surgimento de algumas novas personagens que se juntam à diversão. Todavia, existem ligeiros e distintos acontecimentos que semeiam a desconfiança e um certo clima de incerteza.
Meredith, que se cruzou com Tom na chegada a Itália, continua a achar que este é Dickie. Além disso, esta está cada vez mais interessada no jovem que Tom aparenta ser.
Dickie, apesar de parecer completamente apaixonado por Marge e comprometido com a mesma, mantém alguns contactos comprometedores com outras raparigas da ilha. Tal irá ter consequências inesperadas. Apesar de este aspeto da vida de Dickie ser desconhecido para Marge, não o é para o grande amigo Tom. Este último, porém, parece, não só aqui, mas também em outras situações, demonstrar um certo descontentamento relativamente às atitudes de Dickie.
Dickie parece também considerar algumas das atitudes de Tom no mínimo peculiares. Acima de tudo, a estranha devoção que este parece nutrir por Dickie. Isto chega a irritá-lo e, consequentemente, a afastá-lo. No entanto, mal sabe Dickie que romper este laço é extremamente imprudente da sua parte.
Todo este início é como um crescendo para aquele que vai ser o clímax. Diria que não é o único, mas é, sem dúvida, o ponto de viragem que vínhamos a aguardar. E, apesar de todas as pistas, é nada menos do que inesperado.
É a partir deste momento que se dá início a uma autêntica corrida entre gato e rato. Onde está Dickie? Como reage Marge e todas as outras personagens que conheciam o casal? O que é que Tom sabe? O que planeia fazer? Existem culpados? Se sim, quem são?
Tom Ripley irá revelar os seus muitos talentos naquela que será uma constante maratona para sair impune. Talentos estes que farão todos em seu redor questionar-se: Quem é, afinal, Dickie e quem é Tom Ripley? Já para o espectador, ficam as seguintes questões: Até onde estará Ripley disposto a ir? Até que ponto podemos fazer-nos passar por alguém que não somos? E quem é que enganamos? Os outros, ou a nós mesmos?
Fonte da capa: thedailybeast.com
Artigo revisto por João Nuno Sousa
AUTORIA
Lembro-me que em pequena tinha o desejo de pisar cada pequeno recanto do mundo. Assim que pude fugi da minha terra natal, onde a única coisa de que ainda tenho saudades é de comer tripa com chocolate enquanto apanho com um vento gelado no rosto e olho por entre o casaco para o mar bravo. Vim para Lisboa com o intuito de estudar algo que me fizesse realmente sentir feliz e realizada. Nos meus tempos livres o mais provável é encontrarem-me pelas ruas de Lisboa a tirar fotografias ou então enfiada numa biblioteca com uma pilha de livros à minha frente.