Opinião

Ninguém vale tanto a pena ao ponto de deixares de te querer

O amor próprio é visto como um bicho de sete cabeças. Mais do que demonstrar e dar amor a alguém, carece-nos o nosso próprio amor. Aquele que deveria ser o amor mais primário ao longo da nossa vivência. Diria até que o amor deveria ser visto como um estado de alma. Para nosso desgosto, não é algo palpável e visível a olho nu, logo torna-se um desafio maior conquistá-lo. É quase como uma construção diária, algo que leva tempo. O que para a nossa geração não se encaixa. Uma geração que quer tudo para “agora”. 

Assim, o olhar para nós, o conhecermo-nos, o aceitarmo-nos ou até o procurar melhorar-nos não faz parte das nossas preocupações. A verdade é que não há tempo para gerar amor próprio. Este retrata uma construção diária e é muito dependente da nossa reação – a forma como nos vemos e a capacidade de separar os estereótipos do real. É tão exigente que, no fundo, exige que nos aceitemos inteiramente.

Falta-nos aprender a aceitar o nosso corpo, a nossa personalidade, os nossos defeitos, mas essencialmente as nossas qualidades. Quando finalmente nos rendemos a esta aceitação, tornamo-nos pessoas melhores – e mais felizes. Diria até melhor resolvidas com a vida. Na verdade, a vida não nos deve nada, somos todos emprestados uns aos outros. Nós próprios somos temporários, totalmente ignorantes de qual é o nosso prazo de validade.

O amor próprio é um equilíbrio entre termos perfeita noção de quem somos e valorizarmos isso na íntegra. Percebermos que somos todos diferentes e aceitar que não há  problema nisso. Amarmo-nos por nós mesmos sem ter a necessidade de inferiorizar alguém para consegui-lo. Amarmo-nos por simplesmente sermos quem somos. A conquista do amor próprio devia ser encarada como uma jornada para a vida por terrenos instáveis e desnivelados.

Precisamos de deixar de procurar aprovação social. Será mais fácil aceitar que nunca seremos perfeitos aos olhos dos outros, mas que podemos ser perfeitos para nós mesmos. Procuremos recolher risadas de nós próprios, assim como Alexandre O’Neill, e deixar-nos de frustrações. Conhecermo-nos e sermos o nosso próprio ideal de perfeição.

No entanto, esta ausência de amor próprio não nos priva de nos relacionarmos com outras pessoas e querer amá-las. Mas não será como se fossemos à pesca sem uma cana? Como assim tentamos amar alguém se não nos amamos a nós? Parece que estamos a começar um bolo ao contrário: começamos por meter no forno sem ter feito em primeiro lugar a massa.

Ao relacionarmo-nos sem saber quais são os nossos limites, aquilo que nos faz sentir bem, como é que alguém pode aceitar-nos tal e qual como somos? Estamos a um passo do precipício – isto é, da tenebrosa relação tóxica. As pessoas tóxicas não trazem o rótulo “tóxico” colado na testa. Como é que é possível identificar uma pessoa tóxica? Quando há manipulação emocional, distanciamento emocional e conflitos constantes, é um princípio para detetá-la. 

Mas e o que é que faz uma pessoa manter-se num relacionamento tóxico? Simples. É, sem dúvida, a falta de amor próprio. Não temos em momento algum de estar com pessoas que nos diminuem, que não incentivam os nossos sonhos ou que não nos fazem sentir as mais bonitas.

Ninguém merece sentir-se insuficiente. Esta bola de neve venenosa leva-nos a pensar que se até aquela pessoa que supostamente nos ama age desta forma connosco, nenhuma outra pessoa nos vai tratar melhor. Caímos no erro de pensar que merecemos aquele tratamento e que somos insuficientes para qualquer pessoa, começando para nós mesmos. 

Estas relações em que, pelo menos, um dos parceiros não tem amor próprio são as chamadas relações de carência. Conseguimos identificá-las graças ao nosso senso-comum. Esta carência e a procura constante de uma cara metade que nos preencha leva-nos a uma relação fatal. Acabamos por estar dependentes emocionalmente daquela pessoa e tudo porque precisamos dela para nos sentirmos completos. Por vezes, até parece que amamos a nossa forma de amar. Mas a procura de uma cara metade ou de alguém que nos complete é uma ideia errada que nos transmitiram. Já devemos ser cheios de nós mesmos e sentirmo-nos completos mesmo sozinhos. A outra pessoa só vai transbordar-nos. 

Às vezes as pessoas têm ainda a ideia de que a felicidade é limitada – ou seja, a ideia de que só nos sentiremos felizes com uma pessoa em específico. É errado agarrarmo-nos à ideia de que a nossa felicidade depende daquela tal pessoa e que, consequentemente, só vamos experienciar a plenitude do amor com ela. Na verdade, nós temos de agarrar-nos à ideia de que não interessa qual é que nos vai transmitir essa felicidade. Não há edições limitadas no que toca a este tópico.

O pensamento de que quando nos apaixonamos ficamos automaticamente “presos” àquela pessoa é muito recorrente. A meu ver, é um pensamento associado ao medo de falhar e de fracassar. Esta sensação pesa-nos a alma e, por isso, acabamos por evitá-la. No entanto, devemos aceitar que não é por nos apaixonarmos por uma pessoa que estamos automaticamente presos a ela, no sentido em que só seremos felizes com ela. É importante termos assente que nunca se trata da pessoa, trata-se da felicidade que ela nos transmite. 

O mesmo tipo de relação de carência acontece nas amizades. O medo de estarmos sós leva-nos, por vezes, a aceitar comportamentos, palavras e ações que o nosso amor próprio, se trabalhasse por conta própria – como seria o suposto – rejeitaria. Há amizades que nos consomem e não nos acrescentam. Exigem, cobram-nos e julgam-nos constantemente. O nosso senso-comum permite-nos detetar que estas são as chamadas amizades de carência. O amor próprio é a espada que nos faz ripostar essa tentativa de nos consumirem. A nossa barreira daquilo que separa o bem-estar e o estar por carência.

Se tivermos estas ideias bem presentes, é mais fácil afastarmo-nos de algo que seja tóxico. Se aceitarmos que podemos falhar, que merecemos mais, que não podemos ser dependentes de ninguém para sermos felizes, estamos a colocar-nos em primeiro lugar. Aprender a amar-nos é, ao fim ao cabo, aprender a amar. São tudo chaves para vivermos bem connosco mesmos. 

Amem-se e transbordem de vocês mesmos.

Corrigido por Adriana Alves

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