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O lado obscuro do turismo sexual

Ir de férias, usualmente, é sinónimo de visitar monumentos, aproveitar as praias locais ou apenas de viver ao máximo a vida de turista num local novo e pronto a ser explorado. No entanto, há quem planeie as suas viagens com o único propósito de explorar a sexualidade num destino barato e longe da vida pessoal. 

O turismo sexual ainda é um tabu, mas a verdade é que acontece com mais frequência do que se possa pensar e é um problema social complexo e enraizado na cultura de vários locais, já marcados e rotulados como destinos ideais para praticar esse género de turismo.

O que é o turismo sexual?

As definições são várias, mas, de acordo com a Organização Mundial do Turismo, turismo sexual pode ser definido como “viagens organizadas dentro do seio do setor turístico ou fora dele, utilizando no entanto as suas estruturas e redes, com a intenção primária de estabelecer contactos sexuais comerciais com os residentes do destino”. 

Este turismo existe desde sempre, tendo-se democratizado principalmente no século XX e tem vindo a aumentar, legal ou ilegalmente. Há destinos conhecidos pelas ruas de prostitutas e pelos preços baratos um pouco por todo o mundo. De acordo com a Oyster, o Sudeste Asiático, o Norte de África e a América Latina são os sítios mais procurados, mas não significa que sejam os únicos. Cidades como Amsterdão, Paris, Tóquio, Antuérpia, Hamburgo ou o estado do Rio de Janeiro são outros destinos comuns e conhecidos para tal.

Fonte: Tourism News Live

No entanto, e como esperado, esta indústria acarreta consigo uma enchente de problemas. Um dos maiores será o facto de, na maioria dos casos, os trabalhadores envolvidos no trabalho sexual não o estarem a fazer voluntariamente. A verdade é que a pobreza nos vários cantos do mundo leva à necessidade de vender o corpo para se poder sobreviver nas mínimas condições. Ainda assim, há muitas mulheres (e também crianças) que estão inseridas na indústria do sexo de forma completamente involuntária, muitas vezes após terem sido inseridas em redes de tráfico humano. De acordo com um estudo da BMC Public Health, 29% das trabalhadoras sexuais foram forçadas a ter relações sexuais pelo menos uma vez na vida. São números significativos, uma vez que relatam parte da violência a que seres humanos estão sujeitos.

Para além disso, quando se fala de turismo sexual é inevitável falar, também, de pedofilia e de abuso sexual infantil. A UNICEF estima que cerca de três milhões de crianças no mundo são vítimas de abuso sexual a cada ano num contexto comercial. Muitas são raptadas e vendidas, forçadas a abdicar dos direitos do próprio corpo. Também a pobreza faz com que as próprias famílias tenham de expor as suas crianças a condições desumanas para garantir a sua sobrevivência. Atualmente, existem variadas ONG concentradas em proteger os direitos dessas crianças e mulheres que se veem presas numa vida de abusos e violência. 

Mas quem são os turistas que procuram estes serviços nos seus destinos de férias?

O Estudo global sobre exploração sexual de crianças em viagens e turismo, apoiado pela ONU, revela que “o predador deixou de estar limitado ao típico homem de meia idade, branco, ocidental e rico“. Atualmente, estes turistas provêm das mais variadas classes sociais, de vários países e com diferentes montantes na conta bancária. Continuam, sim, a ser maioritariamente os homens a procurar sexo barato nos destinos mais paradisíacos. Muitos deles viajam para aí para sentir uma sensação de poder perante os trabalhadores sexuais, pelo desejo de uma nova e excitante experiência, pelo anonimato face à vida pessoal e profissional que têm nos países e cidades onde vivem e pela falta de sanções relativamente ao turismo sexual. A sensação de imunidade face aos seus atos é um dos principais fatores que mais motiva estas viagens. 

Dorothy Rozga, directora executiva da organização ECPAT International responsável pelo estudo, refere que todos os turistas têm em comum as fracas hipóteses de serem detidos: “os predadores reincidentes escolhem países com a legislação e as autoridades menos eficazes, onde persiste um sentimento de ‘impunidade’”. Os investigadores afirmam ainda que “há 20 anos era possível desenhar um mapa global que mostrava a origem e o destino preferencial dos predadores sexuais”. No entanto, hoje em dia, “as diferenças entre países de origem e de destino estão a esbater-se“. 

Turismo sexual pelo mundo

Tailândia

Mercado noturno de Patpong, Banguecoque
Fonte: Modern Diplomacy

A luxúria domina várias cidades daquele que é um dos destinos paradisíacos mais procurados para fins sexuais. No continente asiático, Pattaya e Banguecoque tornaram-se conhecidas pelas suas ruas iluminadas por néons à noite e por espetáculos como o pussy smoking cigarette show e o pussy shooting banana show

De acordo com a revista Veja, estes espetáculos, bem como as típicas casas de massagens atraem cerca de um milhão de homens todos os anos. Apesar de ser uma indústria que enriquece a Tailândia, é também algo que coloca as autoridades em alerta, um pouco por todo o mundo. Muitos são os esforços para retirar a imagem de que o turismo no país é apenas sexual, mas ainda há muitos estereótipos e direitos pelos quais se lutar. 

Association for Promotion of Status of Women (APSW)

O sexo barato leva os turistas a visitarem estes bairros de luz vermelha e é pelo dinheiro que tantas pessoas têm de trabalhar no meio para subsistir. A Association for Promotion of Status of Women, situada em Banguecoque, foca o seu trabalho na necessidade de eliminar a pobreza para, consequentemente, eliminar a necessidade que muitos trabalhadores sexuais têm de vender o corpo. É referida como sendo a primeira organização feminista da Tailândia, lutando todos os dias pelos direitos das mulheres. Com mais de 50 anos de existência, a APSW tem como objetivo tornar a Tailândia num país com igualdade de género e de oportunidades, ajudando mulheres e crianças em situações de desemprego ou abuso. Também dá apoio e auxílio no caso de estas serem portadoras de doenças sexualmente transmissíveis. Para além disso, o seu trabalho vai além da ajuda, centrando-se ainda na educação, de modo a que as crianças e mulheres tenham mais oportunidades de trabalho que fujam do trabalho sexual.

ONG Empower

Apesar de a prostituição na Tailândia ser tecnicamente ilegal, há quem lute por legitimar a profissão, acreditando que os trabalhadores sexuais merecem os mesmos direitos que quaisquer outros trabalhadores. A ONG Empower, também com sede em Banguecoque, foi criada exatamente para isso. Para além da luta por direitos iguais, a Empower preocupa-se também com a educação, oferecendo às prostitutas aulas gratuitas de línguas, saúde e até de dança. Durante os seus anos de atividade, esta ONG já ajudou mais de 50 000 trabalhadores sexuais e continua a lutar para que essas pessoas consigam exercer a sua profissão com dignidade e segurança.

México

Cancún, México, também conhecido como “Banguecoque da América Latina”
Fonte: Travel + Leisure

Conhecido como “Banguecoque da América Latina”, também o México é um dos destinos mais procurados para turismo sexual. Mais uma vez, está associado ao tráfico humano, especialmente de menores. O Relatório Global de Monitoração das Ações contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes afirma que meninas com até 12 anos são levadas até à fronteira entre os Estados Unidos da América e o México, sendo posteriormente vendidas em bares por valores entre 18 e 36 dólares. Estima-se que a exploração sexual de menores seja uma das principais fontes de lucro em todo o mundo, juntamente com a venda de armas e o tráfico de droga.

A Globo afirma que Cancún, Acapulco, Tijuana e Ciudad Juárez são as cidades preferidas pelos turistas para explorar os seus desejos sexuais sem gastar muito. As desigualdades e a pobreza são a razão para exploração de crianças e adolescentes, uma vez que algumas famílias acabam por ter de vender os seus filhos. No entanto, nem sempre é o caso e a verdade é que há diversas redes de prostituição infantil que raptam as crianças para depois os explorar sexualmente.

Um dos grandes problemas associados ao turismo sexual é a rápida difusão da informação através da internet. Atualmente é cada vez mais fácil partilhar e encontrar informação sobre os melhores sítios para estas viagens e como as planear. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) menciona que o México regista mais de 600 milhões de viagens turísticas internacionais. Desse número, cerca de 20% viaja com o propósito de estabelecer relações sexuais e 3% fá-lo com o intuito de o fazer com menores de idade (muitas vezes com a intenção de o fazer sabendo que não há hipóteses de a criança engravidar). 

Red Nacional de Refugios

Nos últimos anos tem havido várias associações dedicadas a eliminar este problema social, mas os esforços ainda não foram suficientes. A Red Nacional de Refugios é uma organização feminista, trabalhando áreas como os direitos humanos, a igualdade, a inclusão e a transparência. Dá refúgio a mulheres vítimas de violência, bem como aos seus filhos, ao mesmo tempo que promove ações educativas, informativas e de prevenção nos meios de comunicação, consciencializando o país (e o mundo) para as diversas formas de violência familiar e de género.

Coalición Regional contra el Tráfico de Mujeres y Niñas en América Latina y el Caribe (CATWLAC)

Também a Coalición Regional contra el Tráfico de Mujeres y Niñas en América Latina y el Caribe (CATWLAC) atua a nível regional, nacional e internacional para acabar com a exploração sexual. É uma ONG que se preocupa com a prevenção da exploração de menores, especialmente consciencializando professores, pais e as próprias crianças. Também tem ações de desencorajamento quer da prostituição quer da pornografia. Para além disso, a CATWLAC implementou o Sistema Alerta Roja, um sistema que permite resgatar mulheres, adolescentes e crianças desaparecidas. Por fim, esta ONG foca-se muito na procura por justiça e na penalização do crime. 

Gâmbia

Os destinos paradisíacos, como é o caso da Gâmbia, são os preferidos para quem procura fazer turismo sexual
Fonte: NiTfm

O Norte de África também é dos lugares mais partilhados online por quem pratica esta vertente de turismo. Os preços praticados na Gâmbia são relativamente baixos, tornando a viagem, com todos os custos a ela associados, numa total pechincha para os estrangeiros. A pobreza é, uma vez mais, a razão para haver tantos trabalhadores sexuais. Muitas mulheres precisam de dinheiro, tendo um trabalho durante o dia e complementando muitas vezes com sexo com turistas à noite. A reportagem “L’Afrique de plus en plus gangrenée par le tourisme sexuel”, publicada na revista francesa Slate Magazine, retrata exatamente isso.

A facilidade de encontrar prostitutas é acrescida: basta falar com homens locais, como motoristas ou funcionários de hotel, para entrar em contacto com estas mulheres. Na maior parte das vezes, estes intermediários até recebem uma comissão para arranjarem clientes. 

A duração das viagens à Gâmbia pode variar muito. Há turistas dispostos a ficar meses no país a aproveitar o estilo de vida despreocupado que o destino lhe proporciona. A maioria dos turistas regressa ao seu país como foi, sozinho, mas alguns chegam mesmo a casar com locais. 

Apesar de se falar muito do “homem branco de meia idade”, não nos podemos esquecer de que também há mulheres (maioritariamente já com alguma idade) a visitar destinos para estar com jovens do local. Nem sempre são prostitutas a ver os seus serviços a ser comprados por homens. O contrário também acontece e é mais comum do que se julga.

ONG Sunu Buga Buga – Growing in the Gambia

Verónica Hormatxea criou a ONG Sunu Buga Buga – Growing in the Gambia para poder ajudar crianças e jovens antes de o trabalho sexual ter de ser uma opção. É um projeto educativo, para que consigam evoluir emocional e intelectualmente. A casa-escola conta com 160 alunos, ensinados todos os dias a ler e a fazer contas. Não sendo uma escola formal, a ONG procura ser um espaço de partilha de valores, como a igualdade e a esperança, ao mesmo tempo que procura estimular a criatividade das crianças.

ONG Child Protection Alliance

Com sede em Banjul, capital da Gâmbia, a Child Protection Alliance foi criada para proteger os direitos das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, violência sexual, exploração e tráfico infantil. Ajuda também no caso de infeção por doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, ajuda a consciencializar o país para os direitos das suas crianças e jovens, muitas vezes desrespeitados. 

Apesar de ser o país mais pequeno do continente africano, Gâmbia é o destino com mais problemas a nível da indústria do sexo e do turismo sexual, ainda havendo um longo caminho pela frente para colmatar esta questão. Ainda assim, o trabalho que está a ser feito por estas e outras organizações já é uma grande ajuda, permitindo à nova geração um futuro diferente e digno.

Quais as soluções?

Atualmente, são cada vez mais os esforços para diminuir esta tendência. No entanto, isso não significa que o turismo sexual esteja perto de ter um fim. 

Na verdade, as opiniões são diversas. Se, por um lado, alguns consideram o turismo sexual como um turismo legítimo e como qualquer outro, outros percebem que a raiz da questão não está tanto na intenção e no ato em si, mas sim em tudo o que acarreta consigo. 

Turismo sexual não está relacionado apenas com viajar para um destino paradisíaco para ter relações sexuais. É um turismo que sobrevive à base de tráfico humano, violações, violência, drogas e pedofilia. Não se trata apenas de sexo barato, mas de um trabalho muito enraizado nos destinos procurados para esse efeito.

Fonte: Shutterstock

Nem a Europa escapa a este turismo, apesar de poder passar mais despercebida. De acordo com a lista da Oyster “Os 10 distritos de luz vermelha mais notórios do mundo”, Amsterdão é um deles, ainda que diferente dos demais. A partir do ano 2000, começaram a aparecer leis para controlar o trabalho sexual e hoje os bordéis têm de ser licenciados e pagar impostos como qualquer outro estabelecimento. Apesar de haver já um sindicato para os profissionais do sexo e de se estar a lutar por condições dignas de trabalho, ainda há muito trabalho sexual ilegal nas ruas de Amsterdão, trabalho esse sem quaisquer condições de segurança. Os problemas adjacentes ao turismo sexual continuam presentes na Europa, passando muitas vezes despercebidos. 

Uma das soluções para travar estes problemas sociais passa mesmo por tentar dar as melhores condições possíveis aos trabalhadores sexuais, uma vez que não é possível estes deixarem de existir. Ainda assim, o trabalho não pode ficar por aí. Há diversas associações espalhadas pelo mundo cuja principal área de atuação é a educação. Esta dá às mulheres e às crianças a perspetiva de um futuro melhor, um futuro onde poderão escolher não estar dependentes da venda do próprio corpo para sobreviver. 

Embora já estejam a ser feitos esforços, ainda há um grande trabalho a ser feito até que o turismo sexual seja completamente legítimo, legal e até os seus trabalhadores terem as condições mínimas de trabalho. O turismo sexual tem de deixar de ser um tabu para que se possa fazer a diferença nas vidas de quem toda esta problemática afeta.

Fonte da capa: CNN

Artigo revisto por Joana Gonçalves

AUTORIA

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A Mariana sempre foi apaixonada por palavras, o que a levou a escolher o curso de Jornalismo. A escrita e a leitura estão presentes na sua vida, nomeadamente no seu bookstragram (@books.mariana) e no seu booktok (@_marianalouro_). Na ESCS Magazine já escreveu de tudo um pouco: artigos sobre Moda e Lifestyle, Literatura e cobertura de eventos. Atualmente é Vice-Diretora e Editora Executiva.