Opinião

O que fizeste pelos direitos humanos hoje?

Assinala-se hoje, dia 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, pois foi precisamente nesta data que, em 1948, foi adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembleia Geral das Nações Unidas. O documento, com 30 artigos, prevê direitos humanos básicos e foi aprovado com 48 votos a favor, nenhum contra e oito abstenções. É um marco histórico para um mundo com liberdade, paz e justiça e, por isso, deve ser celebrado, relembrado e discutido. Com 72 anos, a Declaração é ainda aplicável aos nossos dias, mas merece uma profunda reflexão que deve incidir sobre a importância dos nossos direitos, sobre como são dados como garantidos e sobre a aplicabilidade destes direitos.

A verdade é que muitos de nós nunca tiraram um minuto do dia para pensar como seria a nossa vida se tivéssemos menos um direito, menos um privilégio: se não tivéssemos acesso à educação; se não tivéssemos acesso a cuidados de saúde; se não tivéssemos casa, nem família; se não tivéssemos liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade de reunião; se não tivéssemos direito à defesa e à integridade sob pena de sermos escravizados, torturados ou condenados à morte; se não tivéssemos o direito de sermos livres e iguais em dignidade e em direitos.

O minuto que estão agora a tirar para refletir sobre isto não acontece regularmente, precisamente porque geralmente damos os nossos direitos como garantidos e não colocamos em hipótese o retrocesso de todos os avanços que conseguimos até hoje. Nada do que foi conquistado está garantido e não pensamos nestas possibilidades, porque não temos noção dos nossos privilégios. É necessário pararmos e sentirmos o medo de perder aquilo que temos, porque é uma realidade e isso está provado na atualidade política nacional e internacional. Esse medo tem de nos conduzir a uma luta e a uma resistência, para que, mesmo que não haja avanços, não haja retrocesso. Não só porque pode acontecer a nós, mas também porque neste preciso momento alguém está a ter os seus direitos humanos fortemente e sistematicamente violados.

Este vosso minuto representa os minutos da vida de muitas pessoas no Mundo e até mesmo em Portugal. Pode não ser a nossa experiência pessoal, mas acontece: a escravatura e a tortura acontecem em Portugal, sobre os olhares desinteressados de empresas e de organismos do Estado. Os organismos governamentais não garantem habitação condigna. Neste momento em que vivemos, entendemos realmente a importância dos cuidados de saúde. Existem comunidades à margem da sociedade, a viver de forma precária e a lutar todos os dias para conseguir não apenas sobreviver. E a impunidade é a regra. Sabemos que os direitos humanos não chegam a todas as pessoas de igual forma.

Fonte: Amnesty International

Quando se fala de precariedade, é até interessante refletir-se sobre a forma como o direito ao trabalho é fundamental para garantir os outros direitos humanos básicos. Sem trabalho, é impossível assegurar o nosso direito à habitação, à alimentação, à saúde, à educação. Não são direitos assegurados sem o direito ao trabalho. A meu ver, o trabalho assume o direito de maior importância, ainda que todos acabem por ficar em causa quando um está em falta. Só é possível uma maior independência dos outros direitos perante o trabalho com um sistema socioeconómico distinto do atual, pois cai-se na linha de pensamento de que só é possível ter direitos humanos na sua plenitude se formos mais produtivos para a sociedade e é senso comum que essa produtividade depende também do próprio mercado de trabalho. Ou seja, direitos humanos apenas para quem os merece.

Entendo que, na teoria, a Declaração faz todo o sentido e foi uma alavanca para um mundo onde houvesse uma garantia em relação aos nossos direitos, de forma a resistir aos interesses dos Governos e das empresas. Há, no entanto, ainda um longo caminho a ser percorrido para que os direitos humanos sejam realmente aplicados na prática. Não acredito que num sistema socioeconómico capitalista seja possível chegar-se ao ponto ideal dos direitos, liberdades e garantias da sociedade num todo, sem injustiças e sem desigualdades. Tenho também as minhas dúvidas em relação a se, mesmo num sistema social diferente, é um ponto atingível ou inatingível.

Ainda assim, gosto de ver nesta utopia um caminho para uma sociedade melhor. Dou por mim a pensar que a resistência é o ponto ideal da luta pelos direitos humanos, já que os lobbys são maiores que a força do povo. Mas não tem de ser necessariamente assim.

Se já amanhã tivéssemos de pagar por todo e qualquer ensino educacional, agiríamos diferente? E se daqui a uma semana a pena de morte fosse legal em Portugal, como se sentiriam? E se tivessem de pagar diretamente por todos e quaisquer tratamentos, consultas e cuidados de saúde nos centros de saúde e hospitais? E se fossem discriminados todos os dias da vossa vida? Não podemos esperar um abanão na nossa vida para acordarmos, ninguém aprende a nadar quando já se está a afogar. Esta resistência deve expressar-se na defesa do que é nosso e esse momento é o agora: resistir e defender os direitos humanos.

Por Emanuel Caires

Artigo revisto por Ana Rita Sebastião.

AUTORIA

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Foi nos momentos em que fez coming out como homem gay e como pessoa que vive com VIH, que viu a oportunidade para mudar o mundo através do ativismo: diminuir injustiças e construir uma sociedade mais informada e, consequentemente, com mais igualdade de direitos. Hoje, vê a Publicidade e o Marketing como um canal importante para contribuir para uma sociedade de acordo com esses valores.