Opinião

Pêras e Abacates: Futebol, um jogo diferente

O futebol é o desporto mais espectacular do mundo. Pelas multidões, pelos golos, pela emoção. Estas são razões mais do que suficientes mas, para mim, não são essas que fazem a diferença.

O mais espectacular do futebol é a quantidade de vezes que o “pior” dificulta a vida ao “melhor”. Isto, na minha opinião, porque é um desporto, no geral, com poucos golos ou pontos (e o facto de poder haver autogolos também ajuda). Este pormenor faz toda a diferença. Num desporto com muitos golos, por exemplo, a melhor equipa na teoria será, quase sempre, a melhor equipa na prática. A melhor equipa na prática irá, por sua vez, marcar mais golos do que a pior equipa. Mesmo que sofra alguns, o facto de serem marcados muitos golos fará com que a melhor equipa dentro de campo acabe sempre por marcar mais.

As reviravoltas no marcador também são mais fáceis devido aos poucos golos que se marcam, visto que as diferenças não costumam ser grandes. Os mais fracos podem jogar mal o jogo inteiro e ter a sorte de não sofrer nenhum golo para, perto do final, marcarem num canto, por exemplo. No futebol fazer um grande jogo não implica, nem pressupõe, muitos golos. Isto traz ao futebol uma imprevisibilidade muito própria. Nunca sabemos o que esperar. Uma equipa pode estar a ganhar um a zero, a fazer um jogo espectacular, e depois sofrer um autogolo e acabar por empatar o jogo. Esta é, ao mesmo tempo, das coisas mais irritantes e espectaculares do futebol.

Lembro-me, por exemplo, de ler num jornal desportivo que os carros da Mercedes, na Fórmula 1 (desporto totalmente diferente, claro, mas mesmo assim…) eram mais rápidos alguns segundos (não me recordo já quantos) em comparação com as outras marcas e que, por isso, este seria o ano da Mercedes. Isto li no início da época. Neste momento, estamos a duas semanas do final e os dois pilotos da Mercedes, Lewis Hamilton e Nico Rosberg, lideram a classificação com uma larga vantagem, tal como a marca no mundial de equipas. Qual é a emoção disto? Para mim, nenhuma.

Outra coisa que me encanta no futebol é a possibilidade de empate, algo que noutros desportos é impossível. E, aliás, mesmo onde o é raramente acontece. Não é que goste de empatar, mas é algo essencial para o crescimento desportivo de um indivíduo e, consequentemente, de uma sociedade. Vejamos, por exemplo, os Estados Unidos. Um país que, por norma (apesar de a excepção ser mais do que Portugal inteiro. A escala e a tradição desportiva são completamente diferentes), não tem no futebol um dos seus maiores desportos, como são o basquetebol, o basebol ou o futebol americano. Para um americano comum (digamos assim), a ideia de empate é absurda. Não faz sentido não existir alguém que ganhe e alguém que perca. Tem de haver um vencedor e um perdedor. Isto molda a sociedade, como é óbvio.

A competitividade americana e a constante vontade de ganhar, ou, pior, de ver alguém perder reflecte-se no desporto e vice-versa. E esta noção de “alguém tem de ganhar” não ajuda a que alguma vez mude. Se esta mentalidade, de super ambição onde só a vitória interessa é boa ou má, isso já é outra questão (pessoalmente, não me parece muito desejável). O empate, por muito insignificante que pereça, tem outra influência nas pessoas. Alguém que, na vida, não pensa só em ganhar e fazer outro perder tem, à partida, mais condições para ser um ser humano, pelo menos, mais agradável. A divisão da vitória e da derrota, a aceitação de que duas equipas tenham jogado muito bem ou muito mal, criam uma competitividade saudável. Não cria a necessidade de me sobrepor ao outro. “Eu fui tão bom como tu. Somos os dois muitos bons”- são pensamentos que escasseiam nesta sociedade cada vez mais competitiva em todos os aspectos. É importante haver hipótese de não existirem perdedores. Num empate ninguém ganha mas, essencialmente, ninguém perde.

Contudo, nunca deixamos de ter grandes jogos que podem, inclusive, acabar empatados. Todos saem a ganhar quando as equipas fizeram um grande jogo e nenhuma superou a outra. Nestes casos, ouve-se muito dizer que ninguém merecia perder, devido ao espectáculo que ambos providenciaram. Noutro desporto, onde duas equipas fizessem grandes jogos, não haveria essa hipótese de ambas saírem felizes (ou pelo menos orgulhosas) de um jogo espectacular. Alguém teria de sair derrotado. O futebol, com esta distribuição de glória, ajuda quem o vive e quem por ele se apaixona.

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