Editorias, Opinião

Realidade ou Ficção

(Lê o artigo anterior aqui.)

Pode não parecer, mas escrever um blogue não é escrever um romance. A sério! Percebo que estejam em choque com esta revelação. Vou dar-vos uns segundos para que possam acalmar-se.

Onde é que eu ia? Ah, sim! Cada vez mais se exige, de certa forma, a quem escreve um blogue que tenha o cuidado de ser genuíno e de partilhar aquilo que é, de facto, verdadeiro.

Já houve, no entanto, vários casos de pessoas que decidiram criar uma vida online muito mais interessante do que aquela que tinham offline. Ainda há uns meses se soube do caso absurdo de uma australiana que achou que dizer que tinha curado um cancro só a alimentar-se de comida saudável era algo que devia fazer… só que ela nunca teve cancro. Quando confessou a mentira disse que não estava arrependida de ter mentido.

A minha pergunta é só uma: o que raio se passa na Austrália? É do fuso horário, dos cangurus ou da barreira de corais? Ok, afinal eram duas perguntas.

Acho que existe cada vez mais esta necessidade de aparentar ter uma vida que pareça interessante o suficiente para que as outras pessoas tenham curiosidade em saber o que se passa e, claro, para que queiram acompanhar diariamente tudo aquilo que é contado naquele blogue. E como se ter uma vida normalzinha não fosse socialmente aceite: “Ai tu passaste o dia de hoje a limpar, a passar a ferro e a limpar o pó? Isso é inaceitável! Diz aí que foste sair com o teu namorado e que ele te levou ao restaurante mais chique da cidade! Ah, e acrescenta que, no final da noite, recebeste uma mensagem de cada um dos teus sete pretendentes.” Porque soa muito mais real e credível, claro.

Nos blogues é muito fácil criar toda uma vida que não existe. Um blogue anónimo, uma fotografia tirada da internet e uma imaginação fértil — é tudo o que é preciso para aparentar uma vida blogosférica interessante. No entanto, para mim, não vale a pena.

A melhor coisa de ter blogues é partilhar experiências — reais — com outras pessoas — reais. É marcar uma viagem e saber que há várias pessoas com dicas úteis para nos dar porque estiveram, de facto, naquela cidade. É saber que não estamos a ver tudo da vida de uma pessoa, mas que, ao mesmo tempo, estamos a ver um reflexo real de uma pessoa real.

Nem todos temos vidas assim tão interessantes para que centenas de pessoas queiram acompanhar os nossos passos como se de uma novela se tratasse. Mas isso não é uma coisa má. Aquilo que decidimos partilhar, da forma como decidimos partilhar, influencia o conceito de “interessante” que os outros formulam em relação à nossa vida. E agora digam-me lá: não acham muito mais interessante acompanhar pedaços de uma vida real? Pois. Bem me parecia.

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