Opinião

Tornar um hobby num negócio: a capitalização do prazer

A propósito de um trabalho de grupo para uma cadeira de Marketing Digital, eu e o meu grupo tivemos de inventar um negócio para gerir. Decidimos que íamos fazer um curso online de hobbies (ou passatempos) e uma das primeiras coisas que pensamos imediatamente foi incluir neste curso aulas de como fazer dinheiro com um hobby

Momentos depois de termos finalizado o plano de ação para o negócio, entrei no Twitter e vi o seguinte post:

Fonte: https://twitter.com/yagirlaley/status/1345941960503087104

Aqui, tive de parar um pouco para pensar. 

Para todos nós, era óbvio que devíamos incluir no nosso trabalho a oportunidade de tornar o hobby num negócio, mas esta ideia não deixa de ser irónica. A definição de um hobby, de acordo com dicionário Priberam é “atividade favorita que serve de derivativo às ocupações habituais”.

A maioria das pessoas associa-o a um momento de relaxamento, para se distrair e fazer algo sem qualquer pressão. Já o negócio está associado ao lucro e à gestão e é geralmente associado ao stress, à pressão e à responsabilidade e os hobbies funcionam muitas vezes como forma de fugir a todos estes fatores. 

De alguma maneira, quase todos os cursos que incluem atividades de lazer (como a costura ou a pintura) oferecem a oportunidade de “tornar o teu hobby num negócio”. É uma resposta à típica premissa de que “se trabalhares naquilo de que gostas, nunca terás de trabalhar um único dia na tua vida”. Isto leva muita gente a procurar autonomamente por esta opção, acreditando que a solução é mesmo tornar o seu escape naquilo a que procura escapar. 

Por mais que alguém adore trabalhar em determinada área, o trabalho nunca é só fazer aquilo de que se gosta. Mesmo que se consiga de alguma maneira utópica fazer apenas aquilo de que se gosta, o desejo de experimentar coisas e de mudar a rotina estará sempre presente e no final aquilo que “gostávamos imenso de fazer” torna-se no pior fardo possível. 

A minha questão é: porque é que isto se tornou algo automático para quase todos nós?! Quando encontramos algo que fazemos bem e de que gostamos, ocorre-nos quase sempre o pensamento “eu podia fazer dinheiro com isto”. Parece que só o reconhecimento (monetário ou não) pode compensar o tempo dedicado a certa atividade. Não podemos simplesmente fazer só por fazer. Tem de haver sempre uma compensação. É quase como se estivéssemos a comercializar a nossa felicidade, porque sabemos que é algo único de se ter e, por isso, mais valiosa. 

O maior problema desta realidade é que é tão banal para todos nós que simplesmente aceitamos e fazemos, orgulhosamente, parte dela. 

Artigo revisto por Inês Pinto

AUTORIA

+ artigos