O Combate da Literatura Científica Contra as Fake News
Numa década em que a Internet é, mais do que nunca, a principal fonte de informação, a veracidade dos resultados das pesquisas que fazemos deveria ser um fator de alerta, em vez de acreditarmos naquilo que lemos à primeira. É muito mais rápido fazer uma pesquisa no Google e selecionar o primeiro link visível do que propriamente procurar por um artigo, tese ou excerto de um livro que caracterize melhor o que procuramos.
“Porque haveria eu de fazer uma pesquisa que demora mais tempo e que me dá MAIS para ler?” Este é um problema que muitas pessoas não querem enfrentar – uma leitura extensa –, visto que, atualmente, podem, em dois segundos, escrever o que querem e obter logo uma resposta. Este é, assim, um pensamento muito comum.
Apesar de ser a forma de pesquisa mais frequente, é a que mais falhas nos pode retribuir. Sites como a Wikipédia ou blogues pessoais são espaços que contêm informação não-verificada e facilmente “manipulada” pela opinião do autor. Ainda que muitas dessas plataformas tenham bots de verificação, estes não conseguem verificar todas as referências inseridas.
Outra fonte de informação, para muitas pessoas, são os noticiários (comunicação social), mas, assim como as anteriores, este é um espaço em que o divulgado pode não corresponder totalmente à verdade. Mesmo com as tentativas de bloqueio de informações não verídicas ou não-verificadas, por parte destas plataformas, ainda é possível assistirmos à sua partilha. Isto pode acontecer porque a informação é manipulada ou porque são transmitidos testemunhos oficiais que propagam informações falsas, mais conhecidas pelo termo “fake news”.
As fake news consistem na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio ou ainda online, como as redes sociais. Apesar de ser um conceito já utilizado há bastante tempo, tornou-se mais popular durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 2016. Este termo pode ser ainda confundido com sátiras ou até mesmo com o clickbait, utilizado em manchetes, thumbnails, etc, para chamar a atenção do utilizador.
Assim, com o objetivo de combater a propagação de notícias falsas e a desinformação geral da população, diversos estudiosos têm desenvolvido pesquisas, desmascarando as pessoas que mais difundem as fake news e oferecendo uma nova visão: os factos. Surge, assim, a literatura científica.
A literatura científica confere publicações académicas e investigações que relatam trabalho original empírico e teórico nas ciências naturais e sociais. Dentro de um campo académico, este tipo de investigação é, muitas vezes, abreviado apenas como Literatura. Estas publicações podem ser encontradas em jornais técnicos ou científicos, patentes, artigos e estudos científicos, materiais de conferências académicas, entre outros.
Como exemplo do combate às fake news, por parte da literatura científica, foram feitas publicações muito recentes, associadas à presente pandemia. Segundo um estudo realizado pela Universidade Cornell, entre 1 de janeiro e 26 de maio de 2020, publicado em setembro do mesmo ano, o ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi quem mais contribuiu para a propagação de desinformação acerca da atual pandemia. Fundamentando esta conclusão, foram encontrados cerca de 522.500 artigos, em inglês, relativos à COVID-19, com informações falsas, sendo 37,9% da autoria de Trump.
Entre os artigos mencionados, a maioria refere-se à declaração prestada durante um briefing, na Casa Branca, no qual Trump, juntamente com especialistas, sugere que, segundo “testes”, a forma mais rápida de aniquilar o vírus seria através de uma injeção de desinfetante. Foi ainda referido que a injeção de lixívia poderia ser uma opção, ainda que mais demorada do que a injeção de álcool.
“And then I see the disinfectant where it knocks it out in a minute. One minute, (…) And is there a way we can do something like that, by injection inside or almost a cleaning?”
“Because you see it gets in the lungs and does a tremendous number on them, so it’d be interesting to check that,”
“E eu vejo que o desinfetante derruba (o vírus) em um minuto. Um minuto, (…) E existe uma maneira de fazermos algo assim, por injeção ou quase como uma limpeza?”
“Porque (o vírus) atinge os pulmões e ataca-os de forma tremenda, seria interessante verificar isso,“
Donald J. Trump, sobre a injeção de desinfetante como alternativa à cura do vírus (tradução livre)
A mensagem foi espalhada rapidamente, atingindo níveis globais. Em certos estados americanos, as vendas de desinfetante subiram cerca de 30% e as vendas de seringas atingiram um aumento de cerca de 17%. A desinformação instalou-se, causando um medo coletivo.
Para desmentir a declaração do Presidente, a empresa Reckitt Benckiser (a principal produtora de desinfetantes) emitiu um forte aviso para os seus produtos não serem injetados no corpo humano ou ingeridos, uma vez que podem ser nocivos para a saúde.
Perante o excesso de informações falsas a circular, a Universidade Cornell divulgou um novo estudo realizado. Neste, realçaram o facto de as declarações de Trump não terem fundamentos, fazendo referência a diversas publicações académicas sobre o vírus que, quando comparadas com os discursos do ex-Presidente, torna visível uma total incoerência.
Ainda outro exemplo deste combate à desinformação são as consequências das alegações do atual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, considerado, por diversas revistas, a figura brasileira que mais contribui para a propagação de fake news. Esta partilha de informações falsas tomou proporções que levaram a que as contas das redes sociais de Bolsonaro e a dos seus aliados fossem denunciadas com o objetivo de bloqueio e, até, bloqueadas.
A declaração mais grave, que levou ao possível bloqueio da conta do Presidente, sugeria que os métodos para o tratamento da COVID-19 são ineficazes e que provocam danos irreversíveis no corpo humano, podendo levar à morte.
O Presidente do Brasil, num evento em Porto Seguro, declarou que não iria receber a vacina contra a COVID-19, alegando que já possui anticorpos e que não poderia ser infetado novamente. Justificou, ainda, este ponto de vista com o facto de a empresa Pfizer não se responsabilizar, alegadamente, por efeitos secundários da vacina.
“Lá, no contrato da Pfizer, está bem claro: nós (a Pfizer) não nos responsabilizamos por qualquer efeito secundário. Se você virar um jacaré, é problema seu.”
Jair Bolsonaro sobre os efeitos secundários da vacina
Após a declaração feita pelo Chefe de Estado brasileiro, os jornalistas presentes começaram a questionar se realmente esse seria o “caminho a seguir”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu investigação sobre o Presidente Bolsonaro pela crescente desinformação proliferada nas redes sociais. Como resultado, a rede social Facebook removeu dezenas de contas ligadas ao Partido Social Liberal (PSL) e o STF decidiu que o Presidente não poderia interferir em Estados e municípios, no que toca a assuntos relacionados com a doença COVID-19.
Ainda foram publicados, por parte de investigadores, diversos artigos científicos que informavam a população acerca do real funcionamento e componentes da vacina. Contudo, tais estudos não tiveram impacto suficiente, uma vez que não atingiram grande parte da população. Neste sentido, um investigador brasileiro explicou que previa esta fraca adesão, visto que “a população do Brasil não tem interesse em ler estudos extensos e preferem informação mais rápida e sucinta”. Assim, o Ministério da Saúde Brasileiro disponibilizou um número de WhatsApp para esclarecimento de dúvidas da população e apuramento da veracidade de informações virais que serão filtradas e oficialmente respondidas por profissionais.
Verifica-se, através dos exemplos dados, que, cada vez mais, a literatura científica tem tentado lutar contra as notícias falsas, ainda que seja um trabalho difícil, uma vez que o interesse da maioria dos utilizadores é obter uma resposta rápida e direta, aquando das suas pesquisas na Internet. Devemos, por isso, ter especial atenção às fontes das quais retiramos as respostas às nossas perguntas, não descartando artigos extremamente informativos apenas por serem extensos. É ainda importante saber identificar se realmente podemos considerar uma notícia falsa ou se esta se trata apenas de uma sátira ou de um erro de interpretação que pode ser verificado em outros artigos mais concretos.
Fonte da Imagem de Capa: Via Carreira
Artigo revisto por Beatriz Campos
AUTORIA
Por ter muitas paixões, Mariana é conhecida por estar envolvida em “mil coisas ao mesmo tempo”. Atualmente no curso de Publicidade e Marketing, mas com um (outro) grande amor pela escrita, escreve artigos onde consigam transmitir a emoção que sente sobre certos temas, não esquecendo de abordar também conteúdos importantes. Tem ainda o sonho de visitar o Japão e de um dia poder saber o que esteve por detrás do processo criativo da música Sunflower Vol.6.