Editorias, Música

A Rádio e as Memórias Musicais de Abril

Há 50 anos, na madrugada de 25 de abril, forças militares ocuparam pontos estratégicos em Lisboa, e derrubaram o regime autoritário mais longo da Europa: o Estado Novo.

Rádio

Este meio de comunicação veio revolucionar a partilha de informação. Foi o primeiro meio que permitiu à população analfabeta ter acesso a notícias, algo que até então só era possível aos “senhores”, os únicos instruídos. 

A rádio teve um papel fundamental na Revolução de Abril. De norte a sul do país, as senhas que secretamente deram o sinal para a saída das tropas dos quartéis foram transmitidas através deste meio.

“Faltam cinco minutos para as 23 horas, Paulo de Carvalho com o Eurofestival de 74, E Depois do Adeus”

Por volta das 22h55 do dia 24, João Paulo Diniz, na antena dos Emissores Associados de Lisboa, anuncia uma música “insuspeita” que dá início ao movimento das forças armadas: E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, música vencedora do Festival da Canção desse ano.

“Grândola, Vila Morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade”

À 00h21 do dia 25, começaram a ouvir-se, na Rádio Renascença, os passos de Francisco Fanhais, José Mário Branco e José Afonso (o autor), gravados, de madrugada, no exterior de um dos mais famosos estúdios da Europa, em França, onde foi depois gravada a voz de Zeca. Grândola, Vila Morena confirmou o arranque das operações que colocaram um ponto final a quase meio século de ditadura.

Francisco Fanhais, Zeca e José Mário Branco. Fonte: Associação José Afonso

Mais tarde, também pela rádio, ouviram-se as primeiras notícias sobre os acontecimentos e as reações da população que por ali acompanhava a Revolução dos Cravos. Ouviram-se as primeiras “vozes de liberdade”. 

Música de Intervenção

A música de intervenção tem o intuito de destacar um problema político, social ou económico que não está a ter a devida atenção. Esta teve uma enorme importância no curso da Revolução. Muitas destas canções foram censuradas e só viram a luz do dia após a queda do Estado Novo. 

José Afonso – Zeca – foi o maior e mais importante cantor e compositor português de cantigas de intervenção, tornando-se um símbolo nacional. Foi a partir da sua arte, da composição lírica, que deu voz à sua indignação em relação ao estado do país, fazendo-o de forma tão subtil que foi tentando fintar a censura, nem sempre com sucesso.

Fonte: Expresso

Até Chico Buarque, em 1975, compôs uma canção – Tanto Mar – a saudar a Revolução dos Cravos, inspirado pela mobilização popular e pela luta pela liberdade. O artista esteve preso numa ditadura militar que só teve fim em 1985 e a primeira versão foi censurada pelo regime brasileiro, mas, em Portugal, foi editada com grande êxito.

“Sei que estás em festa, pá / Fico contente / E enquanto estou ausente / Guarda um cravo para mim”

Para além de Zeca Afonso e Paulo de Carvalho, outros grandes nomes como Sérgio Godinho, José Mário Branco, José Jorge Letria, Vitorino, Fausto, Manuel Freire, entre outros tantos “baladeiros da revolução”, marcaram, com as suas canções, aquela época, sendo recordados até aos dias de hoje.

Seguem-se cinco canções dos “baladeiros da revolução”, anteriormente falados, algumas memórias musicais que trazem abril na voz.

Zeca Afonso – Coro da Primavera

Passando uma mensagem de luta e de esperança, tendo sido editada originalmente em 1971, Coro da Primavera é a última faixa do disco Cantigas do Maio de Zeca Afonso, gravado em França e produzido por José Mário Branco, durante o seu exílio em Paris.

Sérgio Godinho – Liberdade

Editada alguns meses após o 25 de Abril, esta canção deixa bastante claro que a democracia e a liberdade eram uma necessidade e não apenas um sonho distante – era algo urgente. 

José Mário Branco – FMI (1ª e 2ª partes)

“Escrito, assim, de um só jorro, numa noite de fevereiro de 79”, a FMI é muito mais do que apenas uma música: é também poesia, algo um tanto quanto “teatral”, intenso e íntimo, um objeto artístico como poucos.

GAC – Vozes na Luta – A Cantiga é uma Arma

O Grupo de Acção Cultural, ou apenas GAC, foi o melhor e mais consequente dos coletivos de cantores e músicos criado no pós 25 de abril. Algumas das principais vozes da revolução estiveram envolvidas neste projeto.

Manuel Freire – Pedra Filosofal 

Poema de António Gedeão, dado a conhecer em 1956, mas que se tornou “imortal” na voz de Manuel Freire, em 1970. Acabou por se tornar um hino de resistência e de esperança na mudança, que ainda estava a alguns anos de distância.

Um Novo Movimento de Música de Intervenção

Ainda hoje são compostas grandes canções para celebrar a liberdade e para nos lembrar que – apesar de pensarmos que sim – a democracia nunca se pode dar por adquirida. 

Atualmente, artistas como A Garota Não, Capicua, JP Simões, Dino d’ Santiago, Linda Martini, B Fachada, Fado Bicha e, até mesmo, Sam the Kid dão voz ao seu inconformismo das mais variadas formas.

Recentemente, no Dia Internacional da Mulher, Capicua lançou uma adaptação da conhecida canção de Sérgio Godinho – Que Força É Essa. A artista canta estes versos celebrando todos os direitos conquistados pelas mulheres ao longo dos anos e relembrando a importância da luta pela igualdade de género, “sobretudo dentro de casa”.

Há 50 anos, não podias expressar-te e a música, assim como a rádio que a passava, era uma forma de tentar ultrapassar esta barreira, desafiando todas as consequências e muitas vezes não conseguindo escapar ao tão temido “lápis azul” – símbolo de censura.

Fonte da capa: SAPO 24

Artigo revisto por Marta Mendes

AUTORIA

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Beatriz não vive sem música e tem uma playlist para todas as ocasiões. Entrou na Magazine para escrever sobre quem mais gosta de ouvir e, após um ano como redatora de Música, aceitou o desafio de ser editora no mesmo ramo. Está no 2.° ano de Publicidade e Marketing e no futuro espera vir a unir o gosto pela escrita e pela música a estas duas grandes áreas.